MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

JUDICIÁRIO PRECISA DE DEMOCRACIA INTERNA


ENTREVISTA ESPECIAL. João Ricardo diz que Judiciário precisa de democracia interna. Guilherme Kolling e João Egydio Gamboa - jornal do comercio, 26/12/2011

O presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), João Ricardo dos Santos Costa, entende que o Judiciário precisa ser democratizado no País. Ele defende eleições diretas, com a participação de todos os juízes, para a escolha dos dirigentes das Cortes. Exemplifica com ocaso do Rio Grande do Sul, onde no recente pleito para presidente do Tribunal de Justiça (TJ) participaram apenas desembargadores. "Os juízes de 1º grau não votaram", observa. João Ricardo aponta que uma das distorções que isso causa é uma concentração de poder - ele conta que em estados como Ceará, Alagoas e Paraíba, integrantes dos tribunais têm carro oficial e motorista particular, enquanto para juízes de 1º grau falta, às vezes, funcionários e até papel e impressora para trabalhar. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o presidente da Ajuris ainda comenta a polêmica sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), fala sobre os salários do Judiciário e critica a reforma da previdência do governo Tarso Genro (PT).

Jornal do Comércio - Como o senhor avalia o papel do Judiciário na democracia?

João Ricardo dos Santos Costa - O Judiciário tem um papel vital. Há uma demanda dos direitos fundamentais - e um deles é a própria democracia. E o Judiciário começa a sofrer transformações para se adequar a essa demanda. Uma dessas transformações é a sua democratização interna.

JC - O que seria essa democratização interna?

João Ricardo - Eleição universal para todos os cargos eletivos do Judiciário, com todos os juízes votando para presidente dos tribunais. Isso não acontece. Aqui, tivemos agora a eleição para presidente do TJ do Rio Grande do Sul. Somente os membros do tribunal e desembargadores votaram. Os juízes de 1º grau não votaram e eles são a porta de entrada do Judiciário.

JC - No que isso interfere?

João Ricardo - Há uma concentração de poder nos tribunais e isso afeta as políticas voltadas para o sistema judiciário - não estou me referindo ao Rio Grande do Sul, que também tem insuficiências nessa área. Posso falar do Ceará, Alagoas, Paraíba, onde integrantes dos tribunais têm carro oficial, motorista e os juízes de 1º grau, que recebem toda a demanda por justiça, não têm funcionários, não têm sequer papel, impressora. Têm uma estrutura precária, enquanto o tribunal concentra os recursos.

JC - Para alguns setores há até o supérfluo, enquanto outros não têm o essencial...

João Ricardo - Exatamente. E outra coisa: o juiz é um agente do Estado. Ele tem que exercer na plenitude essa condição para, quando chegar ao tribunal, já ter um acúmulo de administração da justiça. Isso vai acontecer se ele estiver envolvido no processo político de escolha do Judiciário.

JC - E os servidores do Judiciário, também não deveriam participar das decisões políticas para essa democratização?

João Ricardo - É que o juiz se constitui como um agente do Estado. Os servidores não estariam investidos constitucionalmente desse poder de Estado. Eles participariam de outra maneira, se pode avançar na participação dos servidores. Mas entendo que somente juízes teriam que votar.

JC - Além de suas funções, o Judiciário também tem legislado em função de omissões do Congresso Nacional.

João Ricardo - O sistema judicial precisa do Congresso para legislar. Temos um sistema processual anacrônico, com uma quantidade de recursos surreal. É o mesmo modelo de 100 anos atrás. E isso é tão nocivo que a pessoa que está sendo processada - às vezes num caso grave de corrupção ou crime hediondo - se tem recursos, contrata um bom advogado e se livra do processo, até pela prescrição. O pobre é capturado pelo Estado com facilidade; o rico, não. E isso não só nos processos criminais, mas também nos que causam impacto econômico na população.

JC - O que, por exemplo?

João Ricardo - Os planos econômicos - Collor I, Collor II, Plano Verão - em que os bancos do sistema financeiro capturaram grande quantidade de recursos da sociedade e a cidadania foi na Justiça de forma individual, até que um dia foi através de um pedido de ação coletiva. Somente em um processo, teve 28 recursos, além dos procedimentos agregados para discutir forma e não mérito. Quando chegar a 90 recursos num processo só, quando é que a sociedade vai ser indenizada por aquele dano causado? Nunca. Então, o sistema possibilita isso. Não é razoável.

JC - Qual é o entrave para a reforma no sistema processual?

João Ricardo - Há um embate grande entre o Poder Judiciário e a OAB (Ordem do Advogados do Brasil). A OAB diz que a quantidade de processos possibilita a maior quantidade de erros no sistema judicial e por isso precisa-se de tantos recursos. Mas não existe sistema judicial com tantos recursos quanto o nosso. Aliás, quanto mais recurso, mais trabalho se tem, e forma-se um círculo vicioso. Não é a quantidade de recursos que vai garantir a ampla defesa durante um processo e, sim, a qualidade do recurso.

JC - A rapidez no processo é um direito da cidadania. Não é o caso do mensalão...

João Ricardo - A prática do mensalão se repete. Tivemos o caso dos Anões do Orçamento no início dos anos 1990, o mensalão no governo Lula (PT) - e o processo está tramitando no Judiciário desde 2005. Evidentemente envolve pessoas muito poderosas do governo. E o foco está - este é um problema - nos que se corromperam e não nos que corrompem, está nos corruptos e não nos corruptores. O dinheiro sai do poder econômico. E quanto mais um homem consegue comprar agentes públicos, parece que mais prestígio ele tem, mais dinheiro ele vai ganhar. E isso demonstra a imaturidade com que se trata a corrupção no País.Parece que precisamos preservar uma fatia que é a dos corruptores, para poder manter nas manchetes os escândalos de corrupção.

JC - E a corrupção no Judiciário? A corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Elena Calmon, chegou a dizer que existem bandidos de toga.

João Ricardo - O que temos que discutir é o que as instituições estão fazendo para combater a corrupção. A ministra Eliana Calmon, quando generaliza, dá um passo no sentido de não resolver o problema, que é grave, mas é uma minoria. E ela sabe disso porque é corregedora nacional, então, poderia apontar onde estão esses agentes que praticam o desvio, onde estão esses tribunais que estão se omitindo? No momento em que se generaliza, protege-se os corruptos, que são blindados pela maioria honesta. E parece que é uma cultura, outro dia o arcebispo de Porto Alegre (dom Dadeus Grings) usou a mesma estratégia de atingir a instituição, não o corrupto.

JC - O senhor concorda com a liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que tira poderes de fiscalização e controle do CNJ?

João Ricardo - Penso que não tira poderes do CNJ. Isso (fiscalizar os magistrados) é uma obrigação do tribunal - e o CNJ está tirando essa obrigação dos tribunais. Tem que fazer com que os tribunais cumpram. A Corregedoria do Rio Grande do Sul é extremamente rigorosa. Agora, se forem suprimidos os órgãos de correção dos tribunais, o CNJ não pode fazer o trabalho deles. E a decisão do STF foi nesse sentido, de fazer com que os tribunais funcionem e que +nos que não funcionam, entre o CNJ.

JC - Outra questão que pauta críticas ao Judiciário é a salarial.

João Ricardo - O Judiciário é taxado de alto salário porque o teto do servidor público é o salário de um ministro do STF. A remuneração dos juízes não é alta. Também não é baixa. É razoável pelo cargo que ocupam. Um juiz no Rio Grande do Sul, com 40 anos de trabalho, que já foi presidente de TJ, ganha R$ 15,6 mil (salário líquido). O que não se pode fazer é se privar de discutir isso com a sociedade. Temos que discutir o que ganhamos, porque R$ 24,1 mil (salário bruto) ninguém ganha, temos uma tributação brutal.

JC - O Judiciário está pressionando por um reajuste para 2012. É razoável esse pedido, tendo em vista que outras categorias não têm esse salário razoável?

João Ricardo - A dificuldade está na forma como é ideologicamente colocado o serviço público. Tivemos reajuste bastante inferior ao de outras categorias e a Constituição determina que seja feita uma revisão anual e não é feita. O peso do orçamento da magistratura no Estado é infinitamente inferior ao da maioria dos servidores. O peso do magistério, a folha salarial é muito maior. Então, em qualquer reajuste do magistério, o peso é muito grande. É por isso que um Estado que abre mão de receita em favor de quem não precisa (incentivos fiscais) tem que buscar uma justificativa para manter os salários de professores e policiais baixos. E a justificativa é criar atrito entre as carreiras.

JC - O TJ considerou inconstitucional o aumento da alíquota da previdência estadual de 11% para 14%, com a aplicação de um redutor. O senhor, que participou do Conselhão, concorda?

João Ricardo - A inconstitucionalidade era evidente. Mas o projeto dos 14% com redutor, de forma disfarçadamente progressiva, foi apresentado no dia da votação. A Assembleia Legislativa não teria condições, mesmo que quisesse, de fazer um exame mínimo de inconstitucionalidade. O que me preocupa é que esse projeto tenha sido um "bode na sala" para justificar o que muitos querem: a privatização da previdência. O governo federal já está caminhando nesse sentido, através da previdência complementar.

JC - O senhor acha que em 2012 o governo do Estado vai enviar um projeto de privatização da previdência?

João Ricardo - O governo do Estado tinha duas opções: o regime próprio, público, e a previdência complementar. E como seria incoerente para o partido que está no poder (PT) - que sempre defendeu a previdência pública - implantar a previdência privada, o governo entendeu por arranjar uma justificativa: apresentar um projeto inconstitucional para dizer que a única alternativa é a previdência privada. Não é. O município de Porto Alegre fez (o Previmpa) e funciona. E na realidade não existe déficit (da previdência), porque a parte dos servidores não é cumprida pelo governo. E esse dinheiro é do trabalhador.

JC - E o debate no Conselhão?

João Ricardo - Nesse aspecto da previdência, foi péssimo, porque instituiu-se a câmara da previdência quando o governo já tinha o projeto pronto. Mas levantamos alternativas de receita, como a transparência nas isenções fiscais. São recursos muito maiores do que o orçamento do Judiciário. Um terço do orçamento público do Estado está sendo comprometido com essas políticas. Em 2009, fizemos um trabalho no CNJ: o orçamento era de R$ 20 bilhões e outros R$ 10 bilhões de arrecadação estavam comprometidos com isenções ficais. Então, seriam R$ 30 bilhões, abrimos mão de um terço.

JC - Mas a guerra fiscal é uma realidade...

João Ricardo - O governante tem que mostrar comprometimento em resolver isso. Não podemos desconsiderar um governador que tem o mesmo partido da presidenta (Dilma Rousseff, PT). Ele não tem o direcionamento para resolver isso. Estamos aderindo a uma representação de entidades do fisco para fazer uma auditoria na dívida do Estado com a União. Os juros são abusivos. Será que já não está paga essa dívida?

JC - Fala-se da omissão doLegislativo que obriga o Judiciário a legislar. Mas a Assembleia aprovou várias leis que foram derrubadas pelo Judiciário, casos da previdência e criação de CCs no governo.

João Ricardo - Se a Assembleia tivesse a mesma independência do Judiciário, esses projetos não seriam aprovados, ou pelo menos não da forma que foram. Lutei muito na Assembleia no momento do ‘Pacotarso' e vi que o Legislativo era um poder completamente submetido ao Executivo. E não é uma característica nossa, acontece em todo Brasil, parece que não se consegue governar com os poderes independentes.

Perfil

João Ricardo dos Santos Costa, 51 anos, é natural de Porto Alegre. Formado em Direito pela Pucrs em 1984, concluiu mestrado em Direito na Unisinos em 1991. Também é formado no curso de Direitos Humanos para Juízes Latino-Americanos do Instituto de Direitos Humanos da Catalunha e da Escola Judicial de Espanha. Ingressou na magistratura estadual por concurso em 1990. Atuou nas comarcas de Planalto, Taquari e Canoas, antes de trabalhar na 16ª Vara Cível de Porto Alegre, seu posto atual, do qual está licenciado enquanto preside a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). Seu mandato de dois anos se encerra em fevereiro. Antes, havia sido diretor de Cidadania e Direitos Humanos da Ajuris e vice-presidente da instituição, em 2000 e 2001. Também foi conselheiro da Associação dos Juízes para Democracia - Brasil, vice-presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e presidente da Comissão de Direitos Humanos da AMB. Lecionou na Escola Superior da Magistratura e na Unilasalle. É membro do Tribunal Permanente dos Povos e foi coordenador do Fórum Mundial de Juízes, em 2004.

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