MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

domingo, 31 de agosto de 2014

18 LEIS POR DIA E A MAIORIA VAI PARA O LIXO


O GLOBO 18/06/2011 0:00 / ATUALIZADO 03/11/2011 20:08

Brasil faz 18 leis por dia, e a maioria vai para o lixo


POR ALESSANDRA DUARTE E CHICO OTAVIO




RIO - "Dá-me os fatos e te darei as leis", diz a máxima sobre o trabalho de um juiz. Pois os juízes brasileiros tiveram de lidar com muitas na última década: de 2000 a 2010, o país criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e complementares estaduais e federais, além de decretos federais. Isso dá 6.865 leis por ano - o que significa que foram criadas 18 leis a cada dia, desde 2000.

Mas, em vez de contribuir para a aplicação do Direito, boa parte dessa produção só serviu para agravar os problemas da máquina judiciária. A maioria das leis é considerada inconstitucional e acaba ocupando ainda mais os tribunais com a rotina de descartá-las. Outras, mesmo legítimas, viram letra morta, pois o juiz as desconhece ou prefere simplesmente ignorá-las. E outras têm a relevância de, por exemplo, criar o Dia da Joia Folheada ou a Semana do Bebê.


Embora as mazelas da Justiça sejam, muitas vezes, associadas à falta de leis apropriadas, é justamente o excesso delas um dos fatores que emperram o Judiciário. Outro motivo seria a baixa qualidade da produção legislativa - uma lei que não se liga à realidade social, ou outra que não se baseia em princípios constitucionais. Há ainda os problemas enfrentados pelo Judiciário no seu trabalho, ao lado da própria falta de compreensão da sociedade sobre a Justiça. O GLOBO discute essas questões numa série de reportagens que começa hoje, sobre o seguinte tema: por que uma lei não pega no Brasil?

Das 75.517 leis criadas entre 2000 e 2010, 68.956 são estaduais e 6.561, federais. Minas Gerais foi o maior legislador do período: criou 6.038 leis. Em seguida, Bahia, criadora de 4.467 leis; Rio Grande do Sul, com 4.281; Santa Catarina, com 4.114; e São Paulo, com 4.111. O Rio de Janeiro criou 2.554 leis nesse período.

Esse total de 75 mil leis nem leva em conta as municipais - o que faria subir consideravelmente esse número, já que, segundo a Confederação Nacional dos Municípios, existem atualmente no país 5.500 Câmaras municipais e 55 mil vereadores. No Rio, 80% de leis inconstitucionais

A inconstitucionalidade é um dos principais problemas na qualidade das leis, sobretudo as estaduais e municipais; uma lei tem sua constitucionalidade questionada por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). De 2000 a 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou 2.752 Adins, relativas a leis federais e estaduais; de 1988 até agora, 20,5% dessas foram julgadas inconstitucionais. Nos estados, só o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, julgou, em 2010, 338 Adins questionando leis estaduais e municipais.

Da lei que institui o Dia do Motoboy no estado à que exige times femininos jogando nas preliminares das rodadas decisivas do campeonato estadual de futebol, 80% das leis que chegam para a sanção do governador Sérgio Cabral são consideradas inconstitucionais pela Procuradoria Geral do Estado. Especialistas estimam que esse percentual médio se repita em outros estados.

Muitas vezes, porém, o veto do governador à norma não resolve o problema. Se a Assembleia Legislativa cassa o veto, a questão acaba batendo à porta do Tribunal de Justiça do Rio. Algumas leis são folclóricas, como a que proíbe a abertura de lan houses a menos de um quilômetro das escolas. Outras são consideradas inconstitucionais mesmo a contragosto dos pareceristas, que reconhecem as boas intenções do legislador, mas são obrigados a fazer a correta interpretação da lei. Um dos casos é a lei que dispõe sobre a proibição de celulares e aparelhos de transmissão no interior das agências bancárias. O objetivo era o de coibir o crime da "saidinha de banco", mas a procuradoria alertou ao governador que a lei feria o direito fundamental à liberdade de comunicação.

Outro problema é a relevância do que é aprovado. Minas, em 2010, criou 560 leis que declaram a utilidade pública de alguma entidade (ONGs, associações etc.), o que equivale a cerca de 77% do total criado ano passado no estado. Já São Paulo, em 2010, criou pelo menos 145 leis de declaração de utilidade pública, e outras 180 que dão denominação a algum espaço público (rua, escola, viaduto); a soma dessas duas categorias dá cerca de 78% das leis criadas ano passado no estado - e a elas ainda se somam leis que criam datas comemorativas como a 14.153/2010, que institui o "Dia das Estrelas do Oriente" (em 31 de agosto), ou a 14.109/2010, que cria o "Dia da Joia Folheada" (toda última terça de agosto).

O jurista Hélio Bicudo acrescenta outro complicador para a qualidade da produção legislativa brasileira: a baixa autonomia do Legislativo, principalmente o federal:

- Essa tripartição de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), na prática, não vale nada. Quem dá a orientação sobre o que o Congresso vai votar ou não é o Executivo. É uma ditadura do Executivo.

Essa dominância do Executivo sobre o Legislativo, pelo menos na esfera federal, é apontada ainda por dados da cientista política Argelina Figueiredo, professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Iesp) e coordenadora da área de política e sociedade do Cebrap:

- Só 15% dos projetos que viram lei no Congresso foram propostos pelos parlamentares; cerca de 85% são leis que vieram de projetos do Executivo. Os deputados dão entrada num número muito maior de proposições do que o Executivo, mas aprovam muito menos propostas próprias do que ele.

Deputado federal no seu décimo mandato, Miro Teixeira (PDT-RJ) acredita que, diante da possibilidade de declarar inconstitucional uma lei aprovada pelos parlamentares, o Judiciário é o único dos três poderes verdadeiramente independente, pois "pode interferir nos efeitos das deliberações do Executivo e do Legislativo". Miro reconhece que, muitas vezes, o Parlamento abre caminho para essa possibilidade ao votar e aprovar leis em conflito com a Constituição:

- Há uma enorme distância entre a organização constitucional e a prática do processo legislativo.



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sábado, 30 de agosto de 2014

O MUNDO MÁGICO DOS MINISTROS DO SUPREMO



ZERO HORA 30 de agosto de 2014 | N° 17907


POLÍTICA + | Rosane de Oliveira




O Brasil entrou em recessão técnica com dois trimestres consecutivos de queda no PIB. A indústria reclama da retração e propõe redução de jornada de trabalho, com corte de salários, para evitar o desemprego. A propaganda dos adversários do governo não cansa de mostrar a deterioração das contas públicas, mas a crise passa longe, muito longe das cabeças coroadas dos ministros doSupremo Tribunal Federal.

Só no mundo mágico em que vivem Suas Excelências, é razoável propor um aumento de 22%, que eleva os subsídios de R$ 29.462 para R$ 35.919 em janeiro de 2015. O projeto foi aprovado na quinta-feira, em sessão administrativa, sem transmissão pela TV Justiça, no mesmo dia em que o governo enviou para o Congresso a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias, prevendo reajuste de R$ 8,8% para o salário mínimo, que subiria de R$ 724 para R$ 788.

Os ministros incluíram na conta as perdas inflacionárias de 2009 a 2013. Por uma lei aprovada em 2012, em janeiro de 2015 o subsídio do STF subirá para R$ 30.935, mas os ministros querem mais 16,11%.

O problema não é os 11 integrantes do Supremo ganharem R$ 35 mil por mês. É o efeito cascata em todo o setor público. Se o Congresso aprovar, também os salários de deputados e senadores e do presidente da República subirão no mesmo patamar. E os aumentos seguirão se reproduzindo em todas as instâncias do Judiciário, levando na carona o Ministério Público, os tribunais de Contas, as Assembleias Legislativas, os governos estaduais.

Os candidatos a governar o falido Rio Grande do Sul que se preparem: se passar o projeto do STF, logo desembarcarão na Assembleia propostas estendendo o índice para membros do Tribunal de Justiça e do Ministério Público. Menos mal que não prosperou a proposta de vinculação automática dos reajustes: eles terão de ser negociados. E a Assembleia terá de levar em conta a situação financeira do Estado.



ALIÁS

Embora o STF informe que o impacto do aumento é de R$ 646,3 milhões no Judiciário da União, a conta total a ser paga pelo contribuinte é bilionária, porque tem de incluir os tribunais de Justiça dos Estados, o Ministério Público e o Legislativo.



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - JUSTIÇA MÁGICA E ÁGIL. Não é a toa que faltam recursos para criar mais varas e nomear mais juízes togados para atender a alta e crescente demanda e aproximar a justiça do cidadão, das comunidades e dos delitos que aterrorizam a população. A justiça brasileira parece que vive num mundo mágico, alheia aos efeitos de suas decisões, sem soluções para sanar suas mazelas ou enfrentar o corporativismo que segrega, discrimina, não segue leis e foge de obrigações, sacrificando um povo que precisa de justiça, paz e segurança.

Não sou contra que os juízes ganhem bem, mas o efeito cascata vai colocar os políticos e outras categorias nos supersalários. promovendo a falência dos Estados e municípios, pois as demais categorias do serviço público também vão querer reajustes para se aproximar do mundo mágico das  Excelências.  Só que a política dos supersalários impede que se contrate mais servidores para atender os serviços e as demandas essenciais exigidas pelo povo.



MINISTROS DO STF QUEREM 22% DE REAJUSTE


Do G1, em Brasília  28/08/2014 22h04

Ministros do STF querem aumentar os próprios salários para R$ 35,9 mil. O salário atual é de R$ 29,4 mil e poderá ter reajuste de 22%. Projeto será enviado ao Congresso e previsão é de aumento em 2015.

Mariana Oliveira




Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram em sessão administrativa nesta quinta-feira (28) proposta de aumento dos próprios salários de R$ 29,4 mil para R$ 35,9 mil - alta de 22%. Conforme o Supremo, o reajuste tem a intenção de recompor as perdas inflacionárias no período de 2009 a 2014 com base no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).


A proposta será enviada para o Congresso e o valor poderá ser incluído no Orçamento de 2015, para que o aumento comece a valer em 1º de janeiro. Para valer, o Orçamento precisa ser aprovado por deputados e senadores até o final deste ano.

Pela Constituição, os salários do STF são os mais altos do Poder Público e representam o máximo do que um servidor pode receber mensalmente.

O aumento beneficia toda a classe da magistratura. Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ganham 95% do valor recebido pelos ministros do Supremo. Os juízes da segunda instância, ganham 95% do recebido pelos integrantes do STJ. Os juízes de primeira instância ganham 95% dos de segunda instância.

Na proposta aprovada pelos ministros, é informado que o reajuste terá impacto de R$ 2,5 milhões só para o STF e de R$ 646,3 milhões para as demais instâncias das demais instâcias do Judiciário da União.

A proposta aprovada nesta quinta prevê aumento de 16,11% em relação ao salário que estará em vigor em janeiro de 2015, de R$ 30.935 - esse aumento já está previsto em lei de 2012. Na prática, no entanto, o valor subirá 22% em relação ao salário recebido atualmente pelos magistrados.

O texto será protocolado diretamente no Congresso Nacional, onde terá que passar pelas comissões de Trabalho, Administração e Serviços; Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça; e no plenário tanto da Câmara quanto do Senado.

Uma mensagem será enviada para a presidente Dilma Rousseff para pedir que ela inclua no Orçamento de 2015 o percentual de 16,11% sobre o salário de R$ 30.935 que entrará em vigor.
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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

STF NEGA PRISÃO DOMICILIAR PARA DELATOR DO MENSALÃO


O SUL 28/08/2014


STF nega pedido de Roberto Jefferson para cumprir prisão domiciliar


O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou hoje (27) pedido do ex-deputado federal Roberto Jefferson para cumprir prisão domiciliar. Jefferson foi condenado a sete anos prisão em regime semiaberto na Ação Penal 470, o processo do mensalão. Ele está preso em um presídio do Rio de Janeiro.

Por 5 votos a 3, a maioria dos ministros entendeu que o estado de saúde de Jefferson não justifica a mudança de regime. Em 2012, o ex-parlamentar fez uma cirurgia para retirada de um tumor no pâncreas. A prisão de Jefferson foi determinada em fevereiro pelo ex-ministro Joaquim Barbosa.

Para justificar a manutenção da prisão em regime semiaberto, o relator do recurso, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que médicos do Instituto Nacional do Câncer (Inca) concluíram, em dezembro do ano passado, que o estado de saúde de Jefferson não indica necessidade de cumprimento da pena em casa ou no hospital. O voto do relator foi seguindo pelos ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello.

Os ministros Marco Aurélio, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski votaram a favor da concessão da prisão domiciliar. Segundo eles, o condenado deve cumprir o restante da pena em casa devido ao seu estado de saúde.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

GREVE DE SERVIDORES AMEAÇA ELEIÇÕES



CORREIO DO POVO 26/08/2014 10:57

Em greve, servidores do Judiciário Federal ameaçam prejudicar eleições. Categoria relatou que perdas salariais atingiram 50%


No dia do “Apagão do Judiciário”, os servidores da Justiça Federal do Rio Grande do Sul - em greve desde 14 de agosto - realizam um ato público, nesta terça-feira, em frente à Central de Atendimento ao Eleitor na avenida Padre Cacique, em Porto Alegre. A intenção da categoria é mostrar que tem condições de prejudicar o andamento das eleições.

Segundo o diretor do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal do Estado, Cristiano Moreira, o foco hoje será a Justiça Eleitoral. A expectativa é que todos os servidores do prédio paralisem para participar do ato e demonstrar ao governo federal que, caso a negociação para o ajuste real não ocorra, as eleições podem ser prejudicadas.

“A gente tem a expectativa que, sobretudo no prédio da Justiça Eleitoral, todos os servidores ou a grande maioria deles paralisem para participar desse ato, para fazer uma grande atividade, para mostrar ao governo e ao Supremo Tribunal Federal (STF) que se não respeitarem a categoria, não houver reposição, a gente pode, sim, prejudicar o andamento das eleições”, apontou Moreira.

Os servidores relatam que já chega a 50% o acúmulo das perdas salariais. Afirmam também que o último reajuste salarial para a categoria ocorreu em 2006. O projeto de reajuste orçamentário está paralisado no Câmara dos Deputados desde 2009.

Na semana passada, o movimento contou com o apoio da presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Cleusa Halfen, que encaminhou um ofício à presidente da República Dilma Rousseff e ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, solicitando esforço na agilização e na aprovação do projeto. A previsão é que possa sair alguma resposta favorável no final da semana.


Fonte: Vitória Famer / Rádio Guaíba

sábado, 23 de agosto de 2014

EFETIVIDADE DA JUSTIÇA



FOLHA.COM 23/08/2014 03h00

oscar vilhena vieira




Um dos principais desafios de Dilma, Aécio ou Marina nos próximos quatro anos será aumentar a efetividade da Justiça. Por efetividade, entenda-se capacidades de proferir e executar, em tempo razoável, boas decisões.

Hoje são mais de 90 milhões de processos pendentes em todo o Brasil, sendo que a cada ano surgem mais de 25 milhões de novos processos. Ainda que os juízes e tribunais brasileiros estejam se tornando cada vez mais rápidos, uma decisão final pode demorar anos ou décadas.

A demora no julgamento definitivo de questões criminais ou mesmo na solução de conflitos civis beneficia, em geral, os que cometem delitos e aqueles que buscam adiar o pagamento do que devem. Esgarça o tecido social, gera incerteza, impõe custos adicionais à realização dos negócios, bem como ao controle do poder público.

Parte do problema reside no fato de que no Brasil os juristas introjetaram a ideia de que a garantia ao duplo grau de jurisdição não é o suficiente para a realização da justiça. Daí haver um grande volume de casos que, após julgamento por um juiz singular e por um tribunal, ainda são submetidos ao TST (Tribunal Superior do Trabalho), ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou ao próprio STF (Superior Tribunal de Justiça).

Para enfrentar o problema da "interminabilidade" dos processos dois movimentos concomitantes precisam ser feitos. O primeiro deles, na linha do proposto pela chamada PEC (Proposto de Emenda à Constituição) do Peluso, deixaria claro que após o exaurimento do duplo grau de jurisdição uma decisão se torna definitiva, podendo exercer todos os seus efeitos. Os tribunais superiores, em especial o STF, deveriam apreciar, em grau de recurso, apenas os casos necessários para harmonizar a atuação dos tribunais inferiores.

Nesse sentido é emblemático o fato de que a Suprema Corte norte-americana aprecie apenas 1% dos recursos que lhe chegam a cada ano. O que significa, em números absolutos, 80 casos contra 61 mil julgados pelo STF, no ano de 2013. A autoridade do Tribunal não está em proferir muitas decisões, mas sim em tomar decisões que orientem as demais cortes do país.

O segundo movimento, bastante mais complexo, está associado à necessidade de ampliação da consistência e coerência das decisões produzidas por tribunais federais e estaduais em todo o país. Sem o que a necessidade de revisão por tribunais superiores continuará a ser um imperativo.

Premidos por rigorosas metas de produtividade, estabelecidas pelo CNJ, mas embalados por privilégios históricos, como dois meses de férias, recesso forense ou flexibilidade para licenças, alguns desembargadores transferiram para um exército de assessores a responsabilidade de julgar. O resultado é uma jurisprudência fragmentada e incongruente. Se é natural que casos semelhantes sejam julgados de forma distinta por distintos tribunais, não é desejável que câmaras e turmas diversas não tenham seus julgados harmonizados ao longo do tempo. O pior, no entanto, são casos, cada vez mais constantes, em que um mesmo desembargador, ou seus assessores, resolve processos iguais de formas opostas, às vezes numa mesma sessão.

Para que o STF possa se concentrar em casos efetivamente importantes, tendo tempo para lapidar uma jurisprudência que sirva como guia às demais instâncias, é essencial restringir suas atribuições. Isso, porém, só fará sentido se os tribunais de segundo grau estiverem dispostos a qualificar sua jurisprudência.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

CHORO E REVOLTA NA CHEGADA DE EX-MÉDICO


ZERO HORA 21 de agosto de 2014 | N° 17898


ABUSO SEXUAL. VESTINDO COLETE À PROVA DE BALAS, Roger Abdelmassih atravessou corredor sob gritos de maníaco e monstro. Foragido havia três anos, foi preso no Paraguai e é condenado a 278 anos de prisão por 48 ataques a 37 mulheres



Tensão e revolta marcaram a chegada do ex-médico Roger Abdelmassih, 70 anos, ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo, por volta das 15h40min de ontem. Com colete à prova de balas e escoltado por policiais, ele desembarcou sob vaias e gritos de mulheres que o aguardavam no saguão. Uma delas tentou furar o cerco e agredi-lo, mas foi contida pelos policiais.

Pelo menos cinco vítimas do ex-médico acompanharam a chegada dele – que passou por um cordão de isolamento ao ser conduzido a uma sala da polícia–, e usaram palavras como “monstro”, “maníaco”, “manipulador”, “safado” e “criminoso” contra Abdelmassih. Depois choraram e disseram que não dormiram nem comeram só para estar no aeroporto e ver a cara dele depois de preso.

– Agora começa o processo de cura. Mas vamos atrás de quem estava acobertando ele – disse Helena Leardini, uma das vítimas.

Outra ex-paciente de Abdelmassih que estava no aeroporto, Ivanilde Serebrenic desabafou:

– Ele olhou na minha cara, fiquei perto dele, e ele viu que não tenho medo. Que ele viva muito agora, que apodreça na cadeia, amargue todo dia. Espero que ele encontre alguém lá dentro que faça com ele o que ele fez com a gente.

– Ele reconheceu as vítimas quando chegou, mas diz que não é bem assim, que há exagero. Alega inocência e diz que vai reverter a situação. Mas chorou bastante lá dentro quando lembrou dos filhos – afirmou o delegado da polícia do Rio de Janeiro Osvaldo Nico Gonçalves.

A policiais e à Rádio Estadão, Abdelmassih apontou sua mulher, a ex-procuradora da República Larissa Maria Sacco como a mentora da fuga.

– Achava melhor me entregar. Minha mulher disse: ‘Não, vamos embora’. Aí, falei com minha irmã que tem um haras em Presidente Prudente. De lá, fomos para o Paraguai – contou.

Ele afirmou que foi “condenado escandalosamente” e que “não existe prova nenhuma”. Abdelmassih acrescentou que merece ficar em liberdade ao comparar seu caso ao mensalão:

_ Se o (José) Genoino pode sair (da cadeia) por causa do problema (de saúde) dele, eu posso também. Eu tenho uma prótese. Isso é muito pior.

O ex-médico deixou o aeroporto cerca de uma hora depois, seguindo em comboio policial para a penitenciária de Tremembé, no interior paulista.

Abdelmassih foi preso terça-feira em Assunção, capital do Paraguai. Ele estava vivendo no país vizinho com o nome de Ricardo, e pretendia viajar para o Líbano, segundo informações da Polícia Federal.

Conforme o delegado da Polícia Federal Marcos Paulo Pimentel, as polícias de Brasil e Paraguai entraram em acordo para prender o ex-médico por irregularidades na migração. Abdelmassih estava no Paraguai sem permissão de entrada ou visto. Ele foi condenado a 278 anos de prisão por 48 estupros cometido contra 37 mulheres.



O palacete em Assunção

O ex-médico Roger Abdelmassih levava uma vida luxuosa, segundo autoridades paraguaias. Tinha babás, chofer, seguranças e frequentava restaurantes caros e exclusivos com a mulher. Para viver no anonimato desfrutando de conforto, o brasileiro contaria com apoio de uma rede local de proteção que incluiu políticos e policiais, segundo o ministro antidrogas do Paraguai, Luis Alberto Rojas, que não citou nomes.

Entretanto, estava devendo o aluguel da casa na qual vivia escondido havia três anos e meio em Assunção. Ele pagava US$ 5 mil por mês pelo número 1.976 da Rua Guido Spano, na Villa Morra, um bairro nobre na capital paraguaia, onde também mora o presidente do país, Horacio Cartes. Administrador da imobiliária Saturno, Miguel Portillo disse que alugou a residência há quase quatro anos para um homem que se identificou como Ricardo Galeano, a identidade que Abdelmassih usava no Paraguai. Ele não soube especificar quantos aluguéis estavam pendentes.

Segundo Portillo, a mulher do ex-médico, Larissa Maria Sacco, identificava-se como Lara Sacco. A empregada de uma vizinha disse que o casal passeava com as crianças na rua e frequentava restaurantes caros.



As sequelas do trauma


Um dos reflexos mais comuns entre as vítimas de abusos sexuais é o desenvolvimento do chamado transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). Além de pensamentos e lembranças recorrentes do momento da agressão, manifestadas em flashbacks, pesadelos e sobressaltos, o paciente com TEPT tende a se esquivar de situações, contatos e atividades que possam trazer a agressão à memória. Junto a esses sintomas, a vítima ainda pode apresentar outros, como distúrbios do sono, irritabilidade e hipervigilância.

Embora nem toda vítima de abusos possa desenvolver o transtorno, a experiência negativa geralmente acaba trazendo alguma dificuldade para a pessoa em seu dia a dia. Segundo o presidente da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Carlos Salgado, a situação das vítimas de Abdelmassih se torna ainda mais grave por envolver um médico que, ao menos teoricamente, deveria contar com a confiança das pacientes.

– A intimidade não consentida, por meio de estupro ou abuso, em um contexto onde se espera que o outro sujeito seja alguém confiável, como um conselheiro, é extremamente traumatizante, porque causa danos além do imediato, atingindo a pessoa e sua confiança em questões sociais muito importantes – afirma Salgado.

Para o professor Rodrigo Grassi, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Trauma e Estresse da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, o fato de pacientes terem sido supostamente abusadas quando estavam sedadas dificulta ainda mais a assimilação do trauma. Além disso, não ter lembranças do momento do abuso acentua as reações de ira das vítimas quando reencontram com o agressor:

– Elas acabaram tendo de lidar com o fato, até para poderem se reorganizar, mas faltavam várias informações porque estavam sedadas. Quando deparam com o agressor, diversas reações emocionais podem aflorar.

Apesar da intensidade dos sentimentos experimentados no reencontro, como ocorreu com as vítimas que ontem foram à chegada de Abdelmassih em São Paulo, o momento de desabafo pode ser positivo, segundo o psiquiatra Carlos Salgado.

– A pessoa que se mobiliza para isso (ir até o aeroporto) tem um jeito de funcionar, uma psicologia particular que vai se beneficiar desse alívio. Extravasar a raiva contida há tanto tempo lhe dará o senso da justiça, de que o agressor está sendo condenado. Ele fugiu, mas está sendo punido. Ela (vítima) assiste a essa punição consumada, e isso lhe traz uma condição de alívio – avalia.

DENÚNCIAS COMEÇARAM EM 2008

-O caso foi relatado pela primeira vez ao Ministério Público em abril de 2008, por uma ex-funcionária de Abdelmassih, e revelado em janeiro de 2009. Depois, diversas pacientes com idades entre 30 e 40 anos e bem-sucedidas profissionalmente disseram ter sido molestadas quando estavam na clínica dele.

-Formalmente, Abdelmassih foi acusado de estupro contra 37 pacientes, mas, como algumas relataram mais de um crime, há 56 acusações contra ele.

-Desde que foi acusado pela primeira vez, o ex-médico negou por diversas vezes ter praticado crimes sexuais contra ex-pacientes. Abdelmassih afirma que foi atacado por um “movimento de ressentimentos vingativos”. Abdelmassih também já chegou a afirmar que as mulheres que o acusam podem ter sofrido alucinações provocadas pelo anestésico propofol.


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

STF MANDA SOLTA ACUSADOS DE VENDA ILEGAL DE INGRESSOS DA COPA DO MUNDO


STF manda soltar Fofana e mais nove acusados de venda ilegal de ingressos da Copa do Mundo. No início do mês, ministro já havia concedido habeas corpus ao britânico Raymond Whelan. Grupo foi preso em julho
POR CAROLINA BRÍGIDO
O GLOBO  13/08/2014 19:36



BRASÍLIA — O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou , nesta quarta-feira, a libertação de dez suspeitos de integrar uma máfia de venda ilegal de ingressos para partidas da Copa do Mundo. O grupo estava preso desde julho. No último dia 5, o ministro já havia concedido habeas corpus ao suposto chefe do grupo, o inglês Raymond Whelan.

Agora, o benefício foi estendido a Mohamadou Lamine Fofana — acusado de ser um dos líderes da quadrilha — Marcelo Pavão da Costa Carvalho, Alexandre da Silva Borges, Antônio Henrique de Paula Jorge, Sérgio Antônio de Lima, Júlio Soares da Costa Filho, Fernanda Carrione Paulucci, Ernani Alves da Rocha Junior, Alexandre Marino Vieira e Ozeas do Nascimento.

O franco-argelino Mohamadou Lamine Fofana é acusado de chefiar quadrilha de cambistas que atuou na Copa do Mundo - Hudson Pontes / Agência o Globo (01/07/2014)

Um dos motivos que levaram à prisão foi o fato de integrantes do grupo, dentro da delegacia, terem oferecido dinheiro e ingressos de jogos a policiais em troca de benefícios no processo. Segundo Marco Aurélio, no entanto, essa prática não foi individualizada, o que prejudica a atuação da defesa dos suspeitos.

“Incumbia à autora do ato apontar quais dos envolvidos teriam tentado obstaculizar as investigações. De qualquer modo, a esta altura, estão os acusados sob os holofotes da Justiça, valendo notar a ausência de notícia de se ter providenciado a persecução criminal quanto a tal fato”, afirmou o ministro em sua decisão.

De acordo com a polícia, integrantes da máfia dos ingressos repassavam bilhetes a agências de turismo a preços extorsivos. Eram ingressos VIP, que deveriam ser entregues como cortesia a patrocinadores, organizações não governamentais (ONGs) e à comissão técnica da seleção brasileira. A quadrilha teria faturado mais de R$ 1 milhão por jogo.

Whelan era executivo da Match Services, licenciada da Fifa para a venda de ingressos. Segundo a defesa dele, a venda das entradas foi feita com a autorização da Fifa. O advogado Fernando Fernandes explicou que o tipo de ingresso — “hospitality” — permitia o acesso do torcedor a um setor especial, com alimentação diferenciada. Por isso, não havia preço fixo para o bilhete.


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quarta-feira, 13 de agosto de 2014

MUDANÇA DE PERFIL DO STF

ZERO HORA 13/08/2014 | 05h03

Eleição de presidente muda perfil do Supremo Tribunal Federal. Lewandowski será escolhido nesta quarta-feira, em votação simbólica no plenário, para substituir Barbosa no comando da mais alta corte do país por dois anos


Ministro de 66 anos chegou ao STF em 2006 por indicação do então presidente LulaFoto: Nelson Jr. / Divulgação


O Supremo Tribunal Federal (STF) já vive uma nova era. Com a aposentadoria de Joaquim Barbosa, assume a presidência o ministro Ricardo Lewandowski, seu desafeto. Sai o perfil polêmico, irritadiço e associado ao combate à corrupção, entra o estilo aberto ao diálogo, próximo de entidades de classe da magistratura e mais preocupado com as garantias constitucionais dos réus.

Advogados, juízes e políticos comemoram o fim da era Barbosa. Sua gestão foi marcada pelo distanciamento da pauta corporativa da magistratura e pelas brigas com os colegas ministros, em especial Lewandowski, que será eleito nesta quarta-feira, em votação simbólica, para comandar a Corte por dois anos. Barbosa e Lewandowski travaram as principais discussões do julgamento do mensalão. As desavenças são consideradas um dos motivos da aposentadoria de Barbosa.

– A relação entre os dois continuaria péssima, algo ruim para o tribunal. Deve vir um Supremo com menos interferência no Executivo e no Congresso – prevê um advogado com trânsito na Corte.

Aos 66 anos, Lewandowski chega ao ápice de uma carreira iniciada na década de 1970. Carioca, casado e pai de três filhos, cresceu em São Bernardo do Campo (SP), onde concluiu o curso de Direito. Advogado, tornou-se juiz, desembargador e professor da Universidade de São Paulo (USP), chegando ao STF em 2006.

No STF, Lewandowski apoiou a proibição do nepotismo no serviço público e a aplicação da Lei da Ficha Limpa. No mensalão, votou pela absolvição de líderes petistas, como José Dirceu e José Genoino.

Temas controversos na pauta do tribunal

Desaposentados

Está na pauta desta quinta-feira a retomada do julgamento sobre a validade da "desaposentação", mas a votação pode ser adiada. Aposentados que ainda trabalham e continuam contribuindo pedem na Justiça o recálculo do benefício, levando em conta o novo período de contribuição.

Biografias não autorizadas

O fim da possibilidade de biografados e seus herdeiros barrarem a publicação de obras está na fila para ser votado. A expectativa é de que o tema vá a julgamento ainda em 2014.

Planos econômicos

Está pendente a retomada do julgamento das ações que questionam as perdas da caderneta de poupança nos planos Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2, que podem representar pagamentos bilionários dos bancos aos poupadores. O caso só deve ser retomado em 2015.

Doações de campanha

O julgamento foi interrompido com maioria formada a favor da proibição das doações de empresas privadas para campanhas. Gilmar Mendes, que pediu vista, só deve liberar o caso após as eleições.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

AJURIS: PASSADO E FUTURO


ZERO HORA 11 de agosto de 2014 | N° 17887


EUGÊNIO COUTO TERRA


Há exatos 70 anos atrás, nesta mesma data, um grupo de 15 magistrados reuniu-se no Fórum de Porto Alegre, na sala do tribunal do júri, para criar “uma sociedade de magistrados sul-rio-grandenses”. Nascia a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris.

Desde lá, o mundo transformou-se e evoluiu. A magistratura também. A Ajuris teve importante participação nesse processo evolutivo, tanto em nível nacional como no âmbito de nosso Estado.

Contribuiu de forma decisiva para uma maior democratização do Poder Judiciário, fomentando o diálogo entre o primeiro e o segundo grau de jurisdição. No RS, de forma vanguardista, influiu de forma incisiva para que a eleição da mesa diretora do Tribunal de Justiça não mais ficasse restrita somente aos cinco desembargadores mais antigos. Representou um avanço que veio em claro benefício da sociedade. Permitiu que os vocacionados e mais preparados para administrar se candidatassem aos cargos diretivos do Poder.

Segue-se, de forma perseverante, na busca da plenitude de democracia no Judiciário. Tramita no TJRS, por iniciativa da Ajuris, postulação para a ampliação do colégio eleitoral dos dirigentes do tribunal, com a finalidade de que o direito de escolha alcance toda a magistratura, garantindo-se aos integrantes do primeiro grau o direito de voto. E chegaremos lá. É só uma questão de tempo e persistência.

Externamente, a interação com a sociedade traduz o compromisso de promover uma maior compreensão da atividade do magistrado, bem como discutir e propor alternativas para problemas da sociedade. E os exemplos são vários: diálogo permanente com a imprensa; ações para promoção da dignidade humana, como a atenção às condições de encarceramento no sistema prisional; parceria com ONGs para dar maior efetividade às medidas de proteção da Lei Maria da Penha; apoio à inclusão social e à luta contra qualquer forma de discriminação.

A Ajuris, nos próximos 70 anos, seguirá uma referência, pois além de voltada para a defesa da magistratura, tem olhos para a sociedade.

Presidente da Ajuris


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - PARABÉNS À AJURIS. Sugiro que esta entidade de idade avançada e sabedoria já consolidada possa envidar esforços no sentido de sistematizar, fortalecer, agilizar e comprometer a justiça brasileira, tirando-a do poço do descrédito onde está, enfraquecida pelas leis permissivas, submetida ao poder político e falida pela estrutura arcaica e insuficiência de juízes e servidores para atender a finalidade pública do poder, a função precípua da aplicação coativa das leis e a enorme e crescente demanda por justiça e segurança no Brasil.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

PARANOIA DOGMÁTICA

O ESTADO DE S.PAULO, 08/08/2014


José Renato Nalini



O universo jurídico é pródigo em labirínticas elucubrações. Mesmo assoberbada com o excesso de demandas, já que no Brasil tudo se judicializou, a Justiça tem enorme dificuldade em adotar a singeleza como parâmetro e a concisão como princípio. Ao contrário, prodigaliza interpretações que tornam praticamente impossível a realização do justo concreto, eis que insuperáveis as barreiras postas a uma compreensão sensata dos problemas.

Convive-se com uma realidade em que o discurso é mais importante do que o fenômeno; a observância dos cânones, mais relevante do que solucionar o problema. A fidelidade às velhas trilhas, quantas já superadas, é mais confortável à ousadia do enfrentamento do novo.

Alguns exemplos podem ser mais eloquentes. Alguém consegue demonstrar qual a porcentagem de respostas meramente processuais para as ações em curso, ou seja, aquelas decisões técnicas que deixam intocado - mas quase sempre agravado - o conflito real que deu origem à causa? Já se fez uma estatística do tempo e dos recursos financeiros despendidos em discussões envolvendo competência? A competência é uma regra processual destinada a propiciar uma distribuição equânime das ações. Como norma de procedimento, não se pode transformar em regra de hierarquia superior à do direito substancial. Todavia é grande o número de causas em que a questão prévia sobre a competência demanda largo tempo, em desprestígio do sistema de Justiça e para desespero da parte que espera se decida sobre quem vai decidir.

O que justifica a pulverização de ações judiciais sobre a mesma questão, a merecer solução díspar e muita vez antagônica, no mesmo tribunal? Quando se constata a profusão de lides de idêntico objeto, o sensato seria concentrar o julgamento para o mesmo órgão, e não permitir que outros se encarreguem de solucionar aquilo que já mereceu uma resposta. As lides repetitivas até mereceram tratamento legislativo consentâneo. Não existe, contudo, coragem para a reunião de todos os processos em curso, que ficaram sujeitos a uma única decisão. O óbice de pronto oferecido é o princípio do "juiz natural". É compreensível que exista o cuidado para que a distribuição não sirva a propósitos ilícitos ou desonestos. Para a parte, porém, o que interessa é que um juiz em atividade solucione, com rapidez e fundamentadamente, a causa que foi obrigada a mover perante o Estado-juiz.

Como explicar à sociedade, que remunera o equipamento judicial, que o mesmo direito lesado receba múltiplas respostas, a depender de um conjunto imenso de circunstâncias? É racional que um detentor de direito veja reconhecida a sua parcela e outro, em igualdade de condições, mereça indeferimento?

Pois é o que acontece com frequência em todas as instâncias. Tudo em nome de argumentos ponderáveis, mas que não subsistem a um teste de racionalidade e de eficiência. Não é eficiente uma Justiça que aceite reiterar julgamentos idênticos após a consolidação de um entendimento razoável sobre a matéria. Mecanismos que detectassem a produção de uma orientação jurisprudencial majoritária deveriam ser acionados para que a possibilidade de discussão sobre o mesmo tema cedesse perante a tese consolidada. Aliás, para isso se concebeu a criação de uma verdadeira Corte de Cassação, que viesse a interromper a multiplicação de leituras e uniformizasse a jurisprudência. Aspiração que ainda não surtiu efeitos na República Federativa do Brasil.

No âmbito da atividade-meio, o efeito perverso de enunciados teóricos não é menos nefasto. A contemporaneidade reclama servidores polivalentes, aptos a um desempenho repleto de desafios. A revolução eletrônica exige habilidades inusitadas, criatividade e pioneirismo. Alguns abnegados, por iniciativa própria, investem no contínuo aprimoramento e adquirem aptidões adequadas às urgências da Justiça. Mas não podem ser aproveitados senão em estruturas anacrônicas e preencher cargos de superada denominação, tudo em nome do chamado "desvio de função".

Assim como o Direito Processual está em déficit para com a eficiência que se exige da Justiça, deixando de oferecer respostas que obviem o mau uso de princípios salutares e também de distinguir entre processo e procedimento, o Direito Administrativo precisa ajustar-se ao contemporâneo. Não faz sentido o prolongamento de estéreis discussões sobre competência, quando se cuida de um único órgão judicial. Nem se admite que o mesmo texto legal venha a gerar tantas possibilidades de respostas jurisdicionais, entre si conflitantes. Menos ainda permitir que o funcionalismo desenvolva as suas potencialidades e se encarregue de atribuições novas, impostas pelo contínuo progresso das tecnologias da informação e da comunicação, mas reste encarcerado na blindagem do "desvio de função".

Um choque de racionalidade no universo jurídico se faz imprescindível. O Direito existe para solucionar problemas, não para institucionalizá-los. O direito posto em juízo não se pode transformar numa caótica barafunda de opiniões, todas fundamentadas, mas que tenham como resultado não a pacificação, e sim a perplexidade. E a sociedade brasileira assiste, atônita, ao campeonato de incontáveis interpretações, todas aceitáveis, mas que acentuam o relativismo da certeza jurídica.

Os dogmas são essenciais, porém levados ao paroxismo podem produzir efeito perverso e até paranoia. O Brasil, em inúmeros exemplos extraíveis da disfunção constatada no universo da Justiça, vive uma verdadeira paranoia dogmática ou um paranoico estágio em que as teorias colidem com a realidade e esta se rebela, com inteira razão.

Alguém se arriscaria a prever melhores dias, com a atual estrutura do sistema e a vontade de mudança que deveria motivar o Parlamento?



José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)

LEIS, LEIS, LEIS


ZERO HORA 08 de agosto de 2014 | N° 17884


DAVID COIMBRA


Não sou a favor da palmada educativa. E não sou a favor da lei que proíbe a palmada educativa.

Não sou a favor de expulsar alunos da escola. E não sou a favor da norma que proíbe a expulsão de alunos da escola.

Como é que o Estado vai regular pela lei o que tem de ser regulado pelo bom senso?

Até porque, no caso da palmada, o Estado brasileiro não tem nem meios de punir eventuais infratores. Há 500 mil pessoas presas no Brasil, quase meia Porto Alegre. Nas masmorras medievais de Norte a Sul, amontoam-se assassinos, traficantes, assaltantes, sequestradores, tratados de uma forma que seria escandalosa, se eles fossem animais de zoológico. Não há lugar para pais lenientes, mesmo que sua negligência tenha permitido que tigres estraçalhassem os braços de seus filhos.

Nos Estados Unidos, a população carcerária é cinco vezes maior, e as cadeias são 50 vezes melhores. A polícia e a Justiça têm estrutura para agir. E agem, por Deus que agem. Dura lex mesmo. A lei, nos Estados Unidos, é educativa, como pretendem ser a lei da palmada e a norma que proibiria expulsões em escolas. Mas é educativa não por simplesmente existir, mas por punir. Uma lei sem poder de punição não educa. Ao contrário, deseduca, porque vira piada. Torna-se uma lei que ensina a descumprir a lei.

O pai e a mãe cruéis, que espancam os filhos, não deixarão de fazê-lo por causa da lei da palmada, pelo singelo motivo de que a lei da palmada não os punirá. A lei da palmada não dá palmada em ninguém. Essa lei também é chamada de Lei Bernardo, em alusão ao menino assassinado no interior do Rio Grande do Sul. Denominação apropriada e, ao mesmo tempo, irônica, porque Bernardo, até onde se sabe, não levava palmada, mas pediu ajuda à Justiça devido à indiferença do pai. Quer dizer: os problemas da educação doméstica são mais complexos do que disciplinar ou não os filhos pelo castigo físico.

O que a Justiça poderia ter feito naquele caso, além do que fez, chamar o pai e censurá-lo? Ficar com a guarda do menino? Interná-lo na Fase? Piada...

A Lei Maria da Penha não funciona pela mesma razão. Porque o homem que bate na mulher sabe que, se quiser bater, baterá, e a lei pouco poderá fazer contra ele. Ele é detido, volta para casa e espanca a mulher de novo, só que com mais força.

A lei é educativa quando pune, porque a punição é educativa. Diminuir o poder das escolas de punir alunos numa época em que a regra é a leniência, como no caso do pai do menino mutilado pelo tigre, ou a indiferença, como no caso do pai do menino assassinado no RS, diminuir o poder de punição das escolas nesse tempo é mais do que um erro do Estado: é um erro criminoso. As crianças, às vezes, clamam pela punição, porque, ao puni-las, pais e educadores demonstram que zelam por elas. Punição justa não é maldade; é interesse, é cuidado, é atenção. As crianças brasileiras e o povo brasileiro estão carentes de punição, não de crueldade. Carentes de autoridade, não de autoritarismo. Punam os filhos do Brasil. Punam! E mostrarão que se importam com eles.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

CARTA AO STF

GRUPO GUARARAPES Doc nº 54 – 2014. Dia 8 de julho de 2014

FRANCISCO BATISTA TORRES DE MELO


Excelentíssimos Senhores Ministros do STF


Nossos profundos respeitos e tristezas

DEUS, SALVE O NOSSO BRASIL!!! ELE, SOMENTE, SERÁ, SALVO QUANDO TIVERMOS JUSTIÇA.

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte de Justiça do País não viram o Ex. Presidente francês NICOLAS SARKOZY ser preso por prática de tráfego de influência?

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte de |Justiça do País tomaram conhecimento do encontro do Ex-Presidente LULA no escritório ou residência do Ex- Ministro do STF NELSON JOBIM a fim de convencer o Exmo. Sr. Ministro GILMAR MENDES para que o mesmo votasse a favor dos criminosos do MENSALÃO e que aquele Ministro revoltado tornou público o ato indigno do Ex. Presidente Lula? Na França, o seu (dela) ex-presidente foi preso; o daqui (LULA) nada acontece como se tudo fosse normal.

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte de Justiça do País não sabem que toda a sociedade brasileira toma conhecimento, antecipadamente, dos votos de Suas Excelências, quando está em jogo algo que envolve o governo federal? São tantos a favor e tantos contra.

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte do País não têm consciência que eles são Juízes do Brasil, para praticar JUSTIÇA e não para defender interesses escusos de quem quer que seja?

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte de Justiça do País entendem que ocupam os mais sagrados cargos da JUSTIÇA BRASILEIRA e que qualquer deslize toda A JUSTIÇA sofrerá descrédito perante o seu povo? O Ministro do STF dá liberdade a um criminoso envolvido no processo do Lava Jato para ser preso, dias depois, pelo juiz do Paraná, baseado em dados fornecidos por país estrangeiro? Não é desmoralizante?

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte de Justiça do País pensam que o povo brasileiro é totalmente marginalizado dos princípios comezinhos do direito? Dizer que não houve o crime de QUADRILHA no julgamento do Mensalão é apenas uma total falta de Justiça. Será que os criminosos condenados no MENSALÃO agiram cada um por si? Não é um conto da carochinha?

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte de Justiça do País não sabem que um senador da República (do Brasil e não da França) entrou com pedido para a analisar a Constitucionalidade de empréstimos de financiamentos no Exterior, especialmente em CUBA – VENEZUELA E ANGOLA. Para toda a nação Brasileira é um assunto de SEGURANÇA NACIONAL. Há crime por parte do Executivo ou não? Todo mundo sabe que alguém sentou em cima do pedido e só no fim dos séculos, será julgado.

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte de Justiça do País, tão defensores da lei, mandaram verificar se entre os presos que cometeram crimes têm o mesmo direito de alguns presos do MENSALÃO de trabalharem fora dos Presídios? A lei não é para todos?

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte de Justiça do País não se sentem envergonhado com a não extradição de CESARE BATTISTI? Criminoso na Itália entrou no Brasil com passaporte falso e ainda fica dando palestra como se fosse gente de bem? Será que irão convidá-lo para ensinar aos Excelentíssimos Ministros como condenar criminoso já que aqui é tratado como gente de bem?

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte de Justiça do País não entendem que quem ocupa cargo público e faz acordo com bandidos não é mais bandido do que aqueles que não ocupam cargo público? Ministro de Estado envolvido em crime e amigo de bandido não é mais safado do que outro tipo de bandido?

Será que os Excelentíssimos Senhores Ministros da Suprema Corte de Justiça do País colocam a liturgia como superior ao cumprimento da lei? Será liturgia criticar o companheiro que sai? Não é uma falta de liturgia?

Um País onde não se acredita no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, nada mais pode se esperar do futuro. Sem Justiça não há LUZ.

Não sei se é carta, manifesto, ou mesmo desencanto, mas sinto que expresso toda uma REVOLTA PROFUNDA DA FALTA DO CUMPRIMENTO DA LEI, COISA SAGRADA NUMA DEMOCRACIA.


A BASE DA SOCIEDADE É A JUSTIÇA; O JULGAMENTO CONSTITUI A ORDEM DA SOCIEDADE: O JULGAMENTO É A APLICAÇÃO DA JUSTIÇA. ARISTÓTELES 
 
O JUIZ NÃO É NOMEADO PARA FAZER FAVORES COM A JUSTIÇA, MAS PARA JULGAR SEGUNDO AS LEIS. PLATÃO

Felicidades majestades da JUSTIÇA.
Felicidades homens da JUSTIÇA.


GENERAL REFORMADO FRANCISCO BATISTA TORRES DE MELO

DOCUMENTO APROVADO PELO GRUPO GUARARAPES
Doc nº 54 – 2014
Dia 8 de julho de 2014

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

COM MAIS DE 25 MIL PROCESSOS, INCLUSIVE ROUBO DE CHINELO

Do R7, 04/8/2014 às 13h06 

Com mais de 25 mil processos, STF já teve de analisar até roubo de chinelo de R$ 16 em 2014. Recursos lotam o fluxo de trabalho da Corte Suprema do País




STF ainda costuma julgar processos com valor irrisório e praticamente inofensivos no dia a dia. Getty Images

A mais importante Corte do País é, também, uma das que mais acaba sofrendo desvio de sua função natural. Criada para analisar questões constitucionais e julgar deputados, senadores e o presidente da República, o STF (Supremo Tribunal Federal) acumulou a função de decidir sobre recursos vindos de instâncias inferiores, aumentando o fluxo de trabalho dos ministros.

Responsável por casos de grande repercussão, como o do mensalão, o Supremo também tem a responsabilidade de julgar os chamados crimes de bagatela, de menor potencial ofensivo e valor financeiro baixo. Ume exemplo deste crime é o furto de objetos de pequeno valor, com a devolução posterior do objeto ao dono.

Na última semana, um caso deste tipo se tornou notório. Entre os mais de 25 mil processos distribuídos apenas em 2014 na Corte, a DPU (Defensoria Pública da União) conseguiu um habeas corpus para um condenado a um ano de prisão por furtar um par de chinelos no valor de R$ 16.

O ministro Luís Roberto Barroso (STF) decidiu libertar o condenado por entender que o que estava sendo criminalizado, na verdade, era a condição social do autor do crime, e não ato em si.

Para o defensor público da união Gustavo de Almeida Ribeiro, responsável pelos processos perante o Supremo, há um entendimento diferente de algumas instâncias, que acabam causando essa divergência. No final, elas acabam sendo resolvidas no Supremo.

— As instâncias inferiores tiveram um entendimento mais rigoroso que o próprio Supremo, tanto que não concederam [o habeas corpus], enquanto o Supremo concedeu.

Segundo Márcio Kayatt, advogado e conselheiro federal da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), o que permite ao STF analisar estes casos é a vasta gama que a Constituição garantiu para que tipos de casos que entrem na pauta dos ministros.

— O Supremo acabou tendo uma amplitude em sua atuação na medida em que a nossa Constituição de 1988 é muito ampla, é uma constituição que trata de, praticamente, todos os temas. Nesse sentido, essa grande quantidade de recursos que aportam ao Supremo acabam trazendo sim, muitas das vezes, questões constitucionais, por culpa da amplitude do texto constitucional.

Com isso, lembra Kayatt, questões que interferem na liberdade do indivíduo terminam com recurso na Corte, que é o caso das questões envolvendo os habeas corpus. Com isso, o tribunal acaba tendo sua pauta inviabilizada. Para evitar isso, o conselheiro acredita que deve-se criar um sistema de filtros, para evitar que casos como esse atrapalhem o fluxo de trabalho dos juízes.

— Na prática, é um tribunal que está inviabilizado. Um tribunal que tem questões pendentes de julgamento de 10, 15 anos, não pode ser considerado um tribunal que está em sua plena atividade. Nessa minha avaliação não vai uma crítica aos ministros, ao contrário. Os ministros fazem, até, mais do que está ao alcance deles, mas é preciso se repensar o sistema.

Gustavo Ribeiro destaca que, em várias situações, os juízes de primeira instância optaram por reconhecer o princípio da insignificância (crime de bagatela), mas o Ministério Público acabou recorrendo sobre eles. Na segunda instância e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), os juízes terminaram compreendendo que os autores deveriam ficar presos.

Em alguns casos, quando o Supremo compreende que o crime realmente não é ofensivo, aplica este princípio, e a Justiça extingue a ação penal, lembra o defensor. Com isso, o réu é absolvido.

"Desvio" de função

Em um estudo divulgado em 2011, especialistas apontaram um desvio na função do Supremo. Criado para ser uma corte constitucional, que avaliaria apenas questões de mérito acerca da Constituição e julgaria parlamentares e os chefes do Executivo nacional, seu papel estaria mais para o de "Corte recursal suprema".

Segundo o balanço, de todos os processos que entraram na Corte em 2009 e 2010, 0,5% foram constitucionais, 7,8% ordinários e 91,69% recursais.

Ainda em 2009, 45 habeas corpus foram concedidos com base no princípio da insignificância.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

O ATIVISMO, O JUSTO, O LEGAL E A LESÃO POR ESFORÇO REPETITIVO

Revista Consultor Jurídico, 31 de julho de 2014, 08:00h


Por Lenio Luiz Streck




Catar o mínimo e o escondido: onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu!

Definitivamente devo estar com LEER (Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo), problema seríssimo que assola o processo de reflexão, mormente quando o ambiente externo demanda mais e mais esforços de (in)compreensão. Isto porque sou como Machado de Assis: “gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto”.

Escrever sobre o estado d’arte do direito em um país de modernidade tardia e com um ensino jurídico standard(tizado) implica desconforto. Daí a constatação da minha LEER. Essa minha Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo se agrava quando tenho de aguentar apreciações feitas a meia-boca sobre o que escrevo; muitos leitores que leem a orelha do texto e depois “perdem a timidez e vão à luta”, desancando o articulista. De todo modo, não são maioria. Mas estão se multiplando. Estejamos atentos. Mientras, faz escuro, mas eu canto, como dizia o poeta.

Mas, no fundo, entendo os comentários irados, destemperados, enfim, os Discursos Epistêmicos de Ódio (os EDH - epistemic discourses of hatred). São discursos ideológicos, que, na verdade, repetem o mecanismo do senso comum. Ideológicos porque partem de um corpus de representações pré-fixadas sobre o mundo, no interior do qual raciocínios pequeno-gnosiológicos são apresentados como universalizantes. Mesmo que o receptor da mensagem saiba que não tem razão ou que, quem sabe, o emissor possa ter razão, ele não reflete, não racionaliza a temática, preferindo construir blindagens contra novos horizontes de sentido. Trata-se da SCG (Síndrome do Casulo Gnosiológico) a partir do qual, mesmo sabendo que 2+2 são 4, preferem sustentar, como em um debate político vulgar, que 2+2 são 5 ou 8. E contra isso nada pode ser feito. Por vezes, trata-se de uma razão cínica, como diria Sloterdijk (invertendo a frase de Marx, que dizia “eles não NÃO sabem o que fazem, mas fazem mesmo assim, ele diz: eles SABEM o que fazem e assim mesmo continuam fazendo); já, em outras, é alienação mesmo. Aí não tem saída, porque uma pessoa alienada, ALI-É-NADA. And I rest my case.

Sigo. E para contar que a Rádio Justiça me pediu para falar sobre uma decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão, que, por intermédio da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), por unanimidade, reconheceu como união estável o relacionamento de uma mulher que ingressou na Justiça pleiteando direitos patrimoniais após o falecimento de um homem casado com outra pessoa e com quem manteve um relacionamento paralelo por 17 anos. Ou seja, o TJ-MA reconheceu como válida a coexistência de uma união estável paralela ao casamento, dizendo ser legal um concubinato adulterino.

Examinei a decisão e concedi a entrevista à simpática Radio. A decisão do TJ-MA é daquelas que simbolizam bem (ou mal) o ativismo judicial que tanto aqui denuncio. Aliás, não há no mundo um ativismo do tipo que tem aqui. É como a Myrciaria cauliflora (nome científico da jabuticaba). Só dá em terrae brasilis.

Ou seja, o TJ-MA (ler aqui), decidiu contrariamente à legislação e à Constituição. A decisão capitaneada pelo desembargador Lourival Serejo considerou plausível o pedido formulado pela apelante para participar das partilhas dos bens do companheiro falecido, uma vez que o relacionamento preenchia todos os requisitos necessários para configurar a união estável, tais como a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família, conforme prevê o artigo 1.723 do Código Civil. Lourival disse que sua tese ultrapassa antigos paradigmas marcados pelo patriarcalismo. Sua frase emblemática: “Entre as novas formas de famílias hoje existentes despontam-se as famílias paralelas. Se a lei lhes nega proteção, a Justiça não pode ficar alheia aos seus clamores”. Mas, se a lei lhes nega a proteção, quem deu ao magistrado a autorização para “fazer outra lei”? Diz, ainda, que a lei é muito rigorosa por tratar as uniões fora do casamento com muito rigor... Hum, hum. Pergunto: O magistrado teria sido eleito pelo povo, conforme a Constituição, que diz que todo o poder emana...do povo? Iria sugerir ao eminente magistrado algumas doses de Dworkin, especificamente, no que tange a distinção entre polices e principles, donde exsurge a diferença de fundamentação entre a atividade do legislador e a do juiz, respectivamente.

Voltando. A Constituição coloca o casamento em primeiro plano a qualquer outra união. Não é porque eu quero. Está lá, bem claro. Isso porque, embora refira que a união estável é reconhecida como entidade familiar, acrescenta que a lei deve facilitar a conversão dela em casamento. Ou seja, dá especial proteção ao casamento. Do jeito que o TJ do Maranhão decidiu, a impressão que se tem é a de que, fazendo uma leitura mais ampla da decisão, está equiparando uma união extraconjugal a casamento, e isso não é possível.

Como diz meu amigo Adalberto Hommerding, magistrado e doutor em direito, “daqui a pouco vão decidir que é possível o sujeito casar duas vezes (o que te confesso, não sei se é bom ou horrível), pois se os fatos sobrepõem-se à Constituição e ao Código Civil, como referiu o desembargador Lourival, então o casamento não vale mais nada mesmo”. E acrescento eu: não é de admirar que o Código Civil esteja refém de um pamprincipialismo. Depois da elevação da afetividade a princípio (sic) normativo, nada mais surpreende; portanto, no caso do reconhecimento do concubinato adulterino, deve ter sido utilizado um “novo” princípio (sic), algo como “o afetuoproprietatis”, a propriedade adquirida com o afeto...

A decisão, em suma, é inconstitucional. E mais: se é reconhecida, para fins de proteção do Estado, a união estável (já nem discutimos mais se entre homem e mulher, ou entre homem e homem, mulher e mulher etc.), a união tem de ser "estável", atendendo todos os seus requisitos legais. O nosso preclaro desembargador diz que é conditio sine qua non estar a pessoa separada de fato, conforme o que diz o Código Civil, para que se possa caracterizar a união estável, mas, em razão de um caso específico, subjetivamente, "vence" a lei e permite que seja reconhecida a união estável de alguém casado e não separado de fato. TJ-MA 7x1 na lei. Goleada. Quebrou a universalidade. Quebrou a tradição (Gadamer). Quebrou a cadeia da história institucional (Dworkin). Criou uma nova narrativa não agindo como um intérprete-autor. Mas pergunto: Com base em quê? E, por quê? Porque sim?

Há um acórdão do TJ-RS que espanca as dúvidas. Vejamos:


UNIÃO ESTÁVEL. PRESSUPOSTOS. AFFECTIO MARITALIS. COABITAÇÃO. PUBLICIDADE DA RELAÇÃO. PROVA. PRINCÍPIO DA MONOGOMIA 1. Não constitui união estável o relacionamento entretido sem a intenção clara de constituir um núcleo familiar. 2. A união estável assemelha-se a um casamento de fato e indica uma comunhão de vida e de interesses, reclamando não apenas publicidade e estabilidade, mas, sobretudo, um nítido caráter familiar, evidenciado pela affectio maritalis. 3. Não é permitido, no nosso ordenamento jurídico, a coexistência de dois casamentos ou de uma união estável paralela ao casamento ou de duas uniões estáveis paralelas. 4. Constitui concubinato adulterino a relação entretida pelo falecido com a autora, pois ele estava casado com outra mulher, com quem convivia. Inteligência do art. 1.727 do Código Civil. 5. Não comprovada a entidade familiar, nem que a autora tenha concorrido para aquisição de qualquer bem, a improcedência da ação se impõe. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70057311425, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 26/02/2014)

Mas, como a jabuticaba não está apenas no TJ-MA, também no TJ-RS existiu já uma decisão similar à do TJ-MA, em que o Judiciário diz que decidiu dar parte da herança à concubina adulterina, a partir de um raciocínio salomônico - sic (Apelação Cível 70047138060). Bom, se era salomônica, não era jurídica. Simples, pois.

O simbolismo da decisão

Pode-se perguntar: sim, mas qual é a importância de uma decisão desse quilate que, ativista e sociologisticamente, decide em favor de uma pretensa “justiça” a favor de uma senhora que foi concubina de um cidadão? A primeira questão: justo para quem? Esse é o busílis do problema. Nosso país é useiro e vezeiro em utilizar argumentos “fáticos” para derrubar a legislação. No direito do trabalho existe até mesmo um princípio (sic) chamado da “primazia da realidade”. Se a moda pega...

Algumas decisões invocam a facticidade que derruba a legislação... Isso provocaria a entrada em campo da proibição de non liquet. Ora, essa história do non liquet deve ser examinada com cuidado. Por vezes, é utilizado para justificar qualquer coisa. Aliás, não há non liquet. As situações que dizem respeito aos relacionamentos concubináticos, etc, estão já devidamente regulamentados. Daí a existência de coisas acacianas, como: se a união estável (que pode ser equiparada ao casamento) exige a prova da ruptura, é exatamente isso que não existiu no caso concreto, porque a mancebia ocorreu durante quase duas décadas. Logo, não havia o requisito legal para se apropriar de qualquer herança, que é a união estável.

O que impressiona, portanto, não é o fato. Mas a sua simbologia. Quando o judiciário se arvora como arauto da justeza e da correção legal pela via da facticidade, ele está, em vez de avançar, atrasando o progresso do direito. Como escrevi na coluna passada, no final do século XIX é que se poderia justificar uma espécie de “socialismo processual” (lembram de Menger e Klein?). Pois é. Hoje isso parece ser uma espécie de direito retrô, algo como um woodstock tardio do direito.

Algumas posturas no direito costumam dizer que isso “é fazer teoria crítica” (igual ao neoconstitucionalismo à brasileira). Ora, “descobrir” que os juízes não são neutros e que eles não são máquinas é estroinar com a inteligência dos juristas mais atilados. E colocar mais de um século de filosofia no lixo. Ora, Ihering já sabia de tudo isso. Philipe Heck também. E o que dizer dos juízes da “Escola do Direito Livre”? Eles sabiam que o juiz não é máquina, que “é humano como nós” e outros blá blá blás. A questão é que o caldo engrossa nos séculos XX e XXI. Se “a vontade” supera “a razão”, a questão é: como controlar essa vontade? Portanto, o ponto não é explicar a vontade incontrolada e, sim, como evitar que a vontade (e suas decorrências, como ideologias, gostos, desejos, etc) se sobressaia sobre a lei. Como evitar que “o que eu penso sobre o mundo seja utilizado como fator de decisão sobre o direito dos outros”, mormente quando-a-lei-diz-o-contrário?

Vou me repetir: direito não é moral. Direito não é sociologia. Direito não é filosofia. Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas instituições jurídicas, sendo que as questões a ele relativas encontram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador (mesmo que seja o STF).

Sei que o réu (o legislador) e nem o Poder Executivo (que pode remeter projetos de lei e emitir decretos e medidas provisórias) não se ajudam muito. A feitura das leis no Brasil é realmente um processo salsicheiro. Lobbies baratos (no sentido de baixo-clero) e caros (no sentido dos interesses envolvidos fazem com que o processo legislativo ande muito mal, bastando ver o que, há poucos dias, fez o Senado, que, atendendo a uma guilda de interessados diretos no butim, aprovou a facilitação da revalidação dos diplomas de outros países no que tange à pós-graduação, com o que diplomas de final de semana tirados, por exemplo, em Ciudad del’Este passarão a valer em terrae brasilis com processo facilitado – na verdade, um processo “tipo gambiarra”). Afinal, terrae brasilis tem Myrciaria cauliflora(nome científico da jabuticaba). Só aqui!

Mas, mesmo assim, ainda há uma Constituição que deve ser respeitada. Se o legislativo se dobra às pressões de grupos, guildas, súcias e outros quetais, sempre temos ainda as arguições de inconstitucionalidade. E aqui entra o nosso trabalho. Por isso, fundamentalmente, deveríamos apostar na doutrina, que deveria fazer constrangimentos epistemológicos sobre o judiciário, para que este valorize e leve o texto da Constituição a sério.

Mas, atenção: não deve o Judiciário dar maus exemplos, fazendo ele mesmo dribles hermenêuticos na legislação. Isso não fica bem. E incentiva o parlamento a fazer a mesma coisa. E quem perde é a democracia. Simples assim!

Paro por aqui, porque a LEER está me incomodando! E quem sofre de (e com a) LEER, sabe do que estou falando...!

Um post scriptum : as canetas ungidas para concursos!

Coloquei um linimento (refiro-me ao velho Linimento Pagé) e, via oral, ingeri uma dose reforçada de Emulsão Scott para aplacar minha LEER, abrindo espaço para um post scriptum. É que meu amigo Astor Wartchow me mandou, indignado, um link sobre um “novo produto” vendido por uma igreja (neo)pentescostal (ou sei-lá-que-classificação): trata-se da caneta ungida para concursos. Vale a pena ver. Genial. Como ninguém pensou nisso antes? Talvez aí esteja a solução para os quiz shows em que se transformaram os concursos. Só com caneta santa. Houve uma época em que a Igreja católica vendia lascas da cruz de Cristo (tantas, que já chegara a uma floresta...). Lembro-me de uma historinha do Tio Patinhas, em que Donald, entrando em um museu, aponta para uma relíquia: os ossos de Cristo quando criança.

Genial a alegoria dos ossos de Cristo, não? Que cabe para a “caneta santa”. Vou vender sacolas (ungidas e santas) para estocar comida. E vou fundar uma dissidência da Igreja da Verdade Real. Sugiro que o mesmo pastor do vídeo (ou outro) unja (sic) os resumos e resumões, os resumos plastificados e os manualões de direito simplificados e/ou facilitados. Ou vender “água para concursos”: na hora da compra, o utente já ganha uma garrafa d´agua santa para umedecer a capa (claro que, no caso dos resumos plastificados, é possível ser mais generoso com a água). Li na Bíblia, na parte do Apocalipse – bem nas entrelinhas da minha versão em sânscrito clássico-neo-tardelino – que o caos viria no dia em que, em um determinado país de modernidade tardia, depois de uma derrota em um torneio em que os inimigos atirariam sete bombas em algo que tinha sete metros de largura, alguém venderia canetas ungidas para passar em concursos públicos. O que mais estaria faltando, principalmente depois que, em Estado desse mesmo país, uma ONG ganhou nove milhões só para atualizar o cadastro de pessoas carentes (claro que alguém recebia uma mesada por isso)? Temos chance ainda?


Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito.



QUEM DEVE JULGAR É O JUIZ DE DIREITO

O GLOBO, 01/08/2014

OPINIÃO

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira




O Poder Judiciário brasileiro passa atualmente por um verdadeiro processo de catarse. Os seus dirigentes estão imbuídos do louvável anseio de mudança com o objetivo de remover e de superar os seus entraves e as suas dificuldades, visando ao adequado e correto cumprimento de sua elevada missão de dizer o Direito para buscar e manter a harmonia e a paz em sociedade.

O seu grande desafio consiste na preparação e na adequação de suas estruturas para atender às exigências de uma sociedade em constantes e céleres mutações e que apresenta um elevado índice de litigiosidade.

O fato de o Poder Judiciário se estar pondo em discussão com sinceridade e transparência já constitui um auspicioso avanço para o seu aprimoramento. Ademais, sendo ele um poder tradicionalmente refratário a modificações e a críticas, estar agora saindo de seu hermetismo para sujeitar-se a uma aprofundada análise, que produzirá alterações acentuadas em suas estruturas, revela-se também um aspecto altamente promissor.

Faz-se mister a remoção das causas já devidamente diagnosticadas de seus principais problemas. Para tanto, é fundamental que tais causas sejam expressamente reconhecidas e que não sejam evocadas falsas razões para encobrir os verdadeiros motivos de sua tão decantada morosidade.

Uma questão relativamente recente deve ser posta no alvo das preocupações daqueles que têm uma crença inabalável na Justiça brasileira e desejam o seu aprimoramento: trata-se da ideia, disseminada e difundida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e abraçada por alguns próceres da magistratura, de constituir a eficiência a meta prioritária do Judiciário, devendo ser medida pelo número de decisões proferidas, ou seja, a produção será a principal referência da correta administração da Justiça.

É claro que o critério quantitativo como indicador do bom funcionamento do Judiciário se põe em detrimento da qualidade das decisões. Não são poucos os casos em que a rapidez é incompatível com o esmero e o cuidado que a decisão requer.

Com efeito, basta que se aponte um reflexo dessa exigência meramente funcional: alguns magistrados, obviamente não todos - aliás, uma minoria -, estão utilizando assessores, que originariamente apenas elaboravam os relatórios dos processos, pesquisavam a doutrina e a jurisprudência e desempenhavam outras atividades de auxílio.

Para atingir as exigidas metas de produção, os magistrados estão "delegando" a sua constitucional e elevada atribuição de decidir a assessores. Até pouco tempo, essa prática seria inimaginável. Ela representa uma assustadora inversão de papéis: assessores julgam e juízes assessoram, ou, melhor, assinam.

Com a indesejável expansão ou mesmo a só continuidade da aberrante "delegação", será mais autêntico conceder aos auxiliares o direito de apor as suas assinaturas nos atos praticados. Ademais, quaisquer outros funcionários públicos não investidos de jurisdição dos poderes constitucionais poderão ser compelidos a colaborar no desempenho das funções privativas do Judiciário, elaborando sentenças e acórdãos.

O Estado juiz poderá passar a ser representado por qualquer agente estatal, tornando desnecessária a carreira da magistratura. Assim, os assessores dos magistrados ou quaisquer funcionários assumirão material e formalmente a missão de julgar.

É claro que os dois últimos parágrafos representam uma situação por si caricata, fantasiosa. No entanto, ela é fruto de uma realidade também caricata, que seria ficcional em face da monstruosa ilegalidade que encerra, caso não se fizesse presente.

Não faz muito tempo, li, estupefato, ou, melhor, aterrorizado, um representante da magistratura brasileira aconselhar os seus pares a lerem os trabalhos - leia-se decisões - dos assessores antes de assiná-los!

Incrédulo, reli. Era mesmo aquilo: confessava-se que a atribuição constitucional de julgar estava sendo usurpada e, o que mais choca, por determinação do usurpado.

Lembre-se, o usurpado é detentor de poderes e atribuições exclusivos e de origem constitucional. Com a abdicação dessa exclusividade, a ordem constitucional está violada, tornando ilegítima a atuação da jurisdição, em razão da ilegitimidade dos seus pseudoagentes.

Sabe-se que a operação de julgar é complexa e os magistrados, em face da avalanche de feitos, já não podem prescindir do concurso de capacitados assessores para elaborar relatórios, pesquisar doutrina e jurisprudência, separar a legislação e inteirar-se da prova e resumi-la. No entanto, o ato de constituir a convicção sobre o litígio para decidi-lo é um ato solitário e exclusivo do juiz, que, pela sua transcendência, atinge as culminâncias do sagrado.

Pois bem, o magistrado não pode abdicar dessa sublime missão, que o torna imprescindível para a sociedade e por ela é reverenciado e acatado.

Em razão da utilização de assessores, algumas decisões de um mesmo magistrado sobre matérias idênticas foram proferidas em sentido contrário. Não se pense ter havido uma alteração de entendimento do juiz, o que é normal e compreensivo. A razão dessa dualidade reside, no entanto, no fato de dois assessores terem proferido as decisões. Cada um esposava um entendimento, e o subscritor dos acórdãos nem sequer observou o objeto dos processos.

Em certa ocasião, um magistrado disse-me que, graças ao memorial que lhe fora entregue e à sustentação oral produzida, deixara de cometer um erro, porque teria decidido contra a prova e contra a sua própria convicção. A sua assessoria não se atentara para o engano que estava sendo cometido.

Que o Poder Judiciário continue neste necessário e meritório trabalho de autorreformulação, sem perder de vista que liberdade, família, direitos humanos e patrimônio não são produtos de consumo, mas, sim, bens de vida.



*Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado criminal. 



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - QUEM DEVE JULGAR É O JUIZ. A função precípua do poder judiciário é a aplicação coativa das leis. Os juízes deveriam reagir contra a postura mediadora, alternativa e condescendente, deixando de ser subservientes às leis permissivas, ao poder político e à centralização exercida pelas cortes supremas. Só assim a justiça será verdadeiramente independente, sistêmica, forte, coativa e justa em seus processos, supervisão e decisões. Este blog vem alertando para os fatores que estão falindo e desacreditando a justiça brasileira . Uma delas é a insuficiência de juízes para julgar com agilidade a crescente demanda por justiça. "Quem deve julgar é o juiz de direito", e os juízes não podem abrir mão desta prerrogativa sob pena de entregar deveres de justiça a quem não a devida legalidade para fazer isto. Só uma mobilização forte, crítica e proativa dos juízes poderá resgatar esta prerrogativa se priorizar a finalidade pública da justiça e a função precípua do poder judiciário, mas é precisa sistematizar a justiça, agilizar os processos, reduzir prazos, diminuir os recursos, descentralizar o transitado em julgado, fortalecer os juízes naturais e os tribunais de justiça, desburocratizar as audiências, investir na oralidade e aproximar os magistrados das ilicitudes, tendo as forças policiais e prisionais como funções essenciais auxiliares à justiça.