MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

JUIZ NÃO ENFRENTAR CRISE CARCERÁRIA É COVARDIA


JOTA INFO. Juiz não enfrentar crise carcerária é covardia, diz Sica. Para ex-presidente da AASP, um dos problemas centrais é o excesso de prisões provisórias


Livia Scocuglia

19 de Janeiro de 2017 - 06h00



Crédito CNJ/Flickr
AASP. CRISE PRISIONAL



ENTREVISTA: 

LEONARDO SICA, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).



Juízes têm muita responsabilidade diante da crise carcerária e fugir representaria uma afronta à cidadania, um ato de covardia. O momento é muito grave para posturas evasivas e para defesas corporativas. A avaliação é do advogado Leonardo Sica, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

Em entrevista ao JOTA, Sica criticou a constante negativa de responsabilidade por integrantes do Judiciário em meio a uma das mais graves crises no sistema penitenciário do país. A alegação é de que a responsabilidade sobre a superlotação de presídios é do Executivo, competente para construir presídios.

Acontece que, dados da Sistema Integrado de Informação Penitenciária (Infopen), mostram que de 2004 até 2014 foram construídas mais de 171 mil vagas. Em 2004, o número de vagas era de 200.417 mil e passou a ser dez anos depois, 371.884 vagas.

“Nos últimos três anos o Executivo construiu muitos presídios e chegou ao seu limite financeiro e estrutural. O problema é na entrada de presos. E quem gerencia a entrada é o Judiciário”, afirmou Sica.

“Sabemos que um dos problemas centrais é o excesso de prisões provisórias. Ora, quem determina e mantém essas prisões? Juízes. Quem escolhe entre prisão em regime fechado, regime aberto, domiciliar, pena alternativa? Não é o poder executivo, não são os advogados”. “Os juízes podem fazer mais. Eles são essenciais para operar na cultura do encarceramento. Mas, por meio de decisões judiciais, eles estão promovendo cultura do encarceramento”.

A sequência de rebeliões começou em Manaus (AM), onde 56 presos foram assassinados no presídio Anísio Jobim, a maior unidade prisional do estado. Dias depois, 33 pessoas morreram em dois confrontos em Roraima na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo. O último incidente ocorreu nesse final de semana na Penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte. A rebelião durou mais de 14 horas e provocou a morte de 26 presos.

Neste momento, Sica defende um trabalho coletivo de juízes, Ministério Público e advogados para repensar o modelo de justiça criminal do Brasil. “A missão mais difícil e que me parece a única saída exige inteligência e trabalho coletivo: repensar o modelo de justiça criminal, rever e alterar nosso modo de pensar e agir em relação à questão criminal”.


Leia a entrevista completa abaixo:



Em um jogo de empurra, ouvimos diferentes membros do Judiciário afirmando que situação carcerária não é função da Justiça, mas sim do Executivo. Qual é a sua avaliação?

Se vivemos uma crise que passa pela aplicação e execução da lei penal, não entendo como a questão não passe pelo judiciário.

Em momentos de tragédias como esse é preciso mobilizar a sociedade e os profissionais do direito. E a declaração [de que o judiciário não tem responsabilidade] serve para desmoralizar os profissionais. Nos últimos três anos o executivo construiu muitos presídios e chegou no seu limite financeiro e estrutural. O problema é na entrada de presos. E quem gerencia a entrada é o Poder Judiciário.

A limitação do Judiciário à lei de execução penal impede uma atuação mais ativa para colaborar com a melhoria do sistema penitenciário?


É realmente necessário alterar a Lei de Execução Penal que hoje oferece poucas possibilidades para os juízes escolherem pena menores ou alternativas, no entanto, a lei oferece possibilidades suficientes que não são exploradas pelos juízes. Há dias, um juiz de Manaus determinou que presos não fossem para a prisão por falta de vagas. Os juízes podem fazer mais. Eles são essenciais para operar na cultura do encarceramento. Mas, por meio de decisões judiciais, eles estão promovendo cultura do encarceramento.

A Lei de Execução Penal estabelece parâmetros de ocupação. O juízes podem se recusar a mandar pessoas para a prisão se a condenação não estiver de acordo com a lei. A medida é ousada, mas amparada na lei. O juiz pode falar: “Se não tem vaga, não vou prender”.

Alguns juízes preferem penas alternativas e podem escolher o regime prisional e muitas vezes escolhem o fechado, desnecessariamente. Embora a lei precise ser reformada, há muito o que os juízes podem fazer. O poder jurisdicional tem ônus ao juiz. A pessoa que escolheu a carreira pública e deve entender a importância do momento.

O Brasil conta hoje com uma massa de presos provisórios de quase 50% da população carcerária. Como solucionar essa situação?

O problema da prisão provisória é tipicamente aquela que depende dos profissionais do direito. Advogados, promotores e juízes precisam reafirmar a lei. A lei de execução penal diz que a prisão provisória é medida de exceção e ela deve voltar a ser exceção e não a regra.

As audiências de custódia mostram a falta de necessidade de muitas prisões provisórias e precisam ser implementadas em todas as varas do país. Mesmo que com a resistência de juízes, as audiências de custódias foram realizadas e deram certo.

É necessária a revisão da lei de drogas para reduzir a superlotação nos presídios?

A Lei de Drogas só tem servido para duas coisas atualmente: fornecer mão de obra para facções criminosas, porque jovens usuários e pequenos comerciantes são “colocados” sob o poder de facções criminosas, e garantir um mercado clandestino valioso para as facções.

Isso já é reconhecido por quem estuda. É novidade sabida que precisa ser enfrentada. O Brasil está ficando para trás das questões das drogas. Em muitos estados dos Estados Unidos e no Uruguai, por exemplo, o uso da maconha é permitido.

Já existe senso seguro, estudo, de que a descriminalização regulada é o caminho mais seguro, e mais eficiente. A repressão às drogas já foi testada e não funcionou. Qualquer empresário, nesta situação, tentaria uma nova solução. E a solução é essa.

Qual é a postura que juízes, promotores e advogados devem adotar neste momento de crise do sistema carcerário?

Juízes, advogados e promotores não podem renunciar ao seu papel social diante da crise penitenciária, precisam enfrentá-la e trabalhar em conjunto. Diante do atual estado de coisas, é evidente que muita coisa errada foi feita. Logo, cada profissão precisa repensar sua atuação: todos erramos, precisamos assumir isso e reconhecer erros e omissões, sem o que não será possível solucionar ou minimizar o problema.

A missão mais difícil e que me parece a única saída exige inteligência e trabalho coletivo: repensar o modelo de justiça criminal, rever e alterar nosso modo de pensar e agir em relação à questão criminal.


Livia Scocuglia - Brasília

ESPECIALISTAS APONTAM SOLUÇÕES PARA O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

ZERO HORA 21/01/2017 

Veja as opiniões de seis pesquisadores acerca dos problemas das prisões do país e como eles podem ser enfrentados

Por: Schirlei Alves


Problemas como o ocorrido em Roraima, onde 31 presos morreram, preocupam autoridades e especialistasFoto: Rodrigo Sales / Agência O Globo


"Com essa estrutura, ninguém faz milagre"
Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini – Presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul


Foto: Eduardo Nichele / Tribunal de Justiça do RS

Qualquer solução para o sistema prisional, seja no curto ou longo prazo, depende de investimento e de recursos federais, na opinião do presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desembargador Luiz Felipe Silveira Difini.

A ação mais urgente é retomar o comando das unidades prisionais. Difini acredita que, para isso, é necessário criar vagas. A falta de controle das carceragens permite a formação do que chama de escritório do crime.

— Hoje, se tu entras no Presídio Central, por exemplo, encontra os presos circulando pelas galerias. Lá, governam e fazem o que querem. A curtíssimo prazo tem de criar vaga. Se o Brasil não pretender fazer esse investimento, nós estamos muito perto de uma situação de barbárie e descontrole.


O desembargador não vislumbra solução na política de desencarceramento. Embora aponte a gestão como um dos problemas, o magistrado não concorda com a ideia de repassar a responsabilidade para o Judiciário. Para comandar cadeias, os Estados precisam de recurso, avalia.

— Não é função do Poder Judiciário (assumir a gestão dos presídios). Com essa estrutura que temos, ninguém faz milagre. O Presídio de Canoas (na Região Metropolitana de Porto Alegre), por exemplo, não abriu as portas ainda porque dá despesa, tem que contratar gente para trabalhar. Quem quer que assuma, vai precisar de recursos que, hoje, não se dispõe gastar. Mas eu creio que se tem algo que é prioridade para a população é a Segurança Pública.

"O Estado tem de recuperar o controle"

Guaracy Mingardi — Analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública


Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

Se o Estado quiser frear a violência nas unidades prisionais e evitar que a barbárie tome as ruas, como acontece no Rio Grande do Norte, terá de retomar a ordem dentro das penitenciárias.

Para isso, o analista criminal Guaracy Mingardi julga necessário organizar um planejamento nacional. A retomada do comando precisa ser feita de forma gradativa.

Para isso, seria necessário contar com apoio das polícias militares e até da Força Nacional. Separar os presos de facções rivais para evitar mais mortes e reforçar a revista para que celulares não entrem, na opinião do especialista, são as medidas mais urgentes.

— O Estado tem de recuperar, se é que algum dia já teve, o controle do cotidiano do sistema. Dá para controlar, mas tem de pegar pesado com os agentes. Além disso, tem de trabalhar a informação. Tem de saber quem são os grupos, os líderes, que locais controlam. Isso deveria ter começado no dia primeiro de janeiro.

A construção de cinco presídios federais anunciada pelo presidente Michel Temer não é a solução, na avaliação do especialista.

O número de vagas seletas e caras não seriam o suficiente para cobrir o problema de vagas.

Seria necessário construir unidades em quatro níveis: semiaberto e unidades agrícolas para presos de menor periculosidade e fechado e de segurança máxima para os demais, possibilitando a separação de presos por perfil.Cumprir a Lei de Execuções Penais, oferecendo trabalho e estudo aos detentos, permitiria que os presos saíssem da cadeia com formação.


"Pessoas cumpriram sua pena e estão presas"

Renata Neder — Assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Brasil


Foto: AF Rodrigues / Divulgação

A assessora de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil Renata Neder chama atenção para a prática do superencarceramento.

As instalações em péssimas condições, a superlotação, as situações de tortura e maus-tratos, para a especialista, são um combustível para a violência. A solução, na visão dela, passa pela diminuição de presos provisórios.

— Vamos olhar para o perfil das pessoas presas. Cerca de 40% são provisórios. Alguns ficam mais de ano esperando a sentença e, muitas vezes, são condenados a uma pena menor do que a pena que já cumpriram. Além disso, a maior parte está presa por crimes não violentos.

O problema identificado por Renata é a lentidão da Justiça em julgar os processos.

— Tem pessoas que já cumpriram toda a sua pena e ainda estão presas porque não têm advogado, porque a Defensoria Pública e a Vara de Execuções Criminais estão sobrecarregadas e não providenciaram a progressão do regime.

Entre as alternativas para reduzir a violência nos presídios, Renata cita a criação de políticas públicas a fim de evitar o famoso ¿enxuga gelo¿.

— O Brasil registra mais mortes do que países em guerra. Apenas entre 5% e 8% (dos homicídios) são investigados e responsabilizados. Falta prioridade. Em 2014, a Anistia lançou a campanha Jovem Negro Vivo, em prol da redução dos homicídios. O órgão alerta para o perfil das vítimas.

"Exemplos dentro do próprio Brasil"

Julio Jacobo Waiselfiz — Autor do Mapa da Violência e pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais


Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

A forma indiscriminada de aprisionar e de combater a violência com violência, na avaliação do especialista Julio Jacobo Waiselfiz, que é autor do Mapa da Violência, falhou.

Para ele, o modelo é parte do problema, se aprisiona muito e mal. O aprisionamento maciço, como o pesquisador intitula, está relacionado com a guerra às drogas.

— Se um contraventor ou usuário é flagrado com droga, vai preso. A nossa polícia é a polícia do flagrante, não pesquisa. Todo mundo sabe que esse contraventor vai sair criminoso de primeira geração da cadeia, porque ele entra na universidade do crime. Se não entrar (na facção), não sobrevive dentro do cárcere. Todo mundo sabe disso, a polícia sabe e a Justiça também.

Waiselfiz chama a atenção do Estado para o descumprimento da lei ao não oferecer condições mínimas de higiene e saúde em boa parte das unidades prisionais e para o alto número de presos provisórios (que aguardam sentença).

— O que vimos até agora é uma pálida amostra do que está por vir. Neste momento, não é solução imediata.Na avaliação de Waiselfiz, a mudança deve começar pela reformulação do Código Penal Brasileiro. O especialista cita ainda a Associação de Proteção e Assistência a Condenados (Apac) desenvolvida em Minas Gerais como exemplo de unidade prisional que é referênciapelo baixo índice de reincidência.

— É um sistema de carceragem onde há controle populacional e se respeita os direitos humanos.


"Repressão não levará a mundo sem drogas"

Julita Lemgruber — Socióloga e pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes


Foto: Divulgação / Cesec

A socióloga e pesquisadora Julita Lemgruber, que trabalhou como diretora do sistema prisional do Rio de Janeiro, não acredita na construção de novas unidades como solução de curto prazo.

As obras podem demorar anos e os Estados precisariam de verba para contratar funcionários. Para a especialista, a violência poderia ser amenizada se a Lei de Execuções Penais fosse cumprida.

— Quando o Estado está ausente, há um vácuo de poder. É evidente que esses grupos se fortalecem, ocupam esses espaços e passam a recrutar filiados. A lei diz que o preso com ensino incompleto tem de estudar (apenas 10% estuda) e que o preso condenado é obrigado a trabalhar e aprender um ofício, pensando na possibilidade de se reintegrar à sociedade.

Como medida emergencial, a especialista destaca a revisão da situação jurídica dos presos provisórios.

Lemgruber também faz ressalva à lei de drogas, que, na avaliação dela, é combustível para explosão nos presídios.

— A gente sabe que é o pobre, negro e favelado que está na cadeia. O menino branco que mora em áreas privilegiadas vai ser sempre considerado usuário.Julita é favorável à descriminalização do porte para consumo pessoal. A especialista não se intimida em dizer que concorda com a polêmica legalização das drogas.

— O mundo está admitindo que a guerra às drogas fracassou. É ilusório pensar que com repressão violenta vá se chegar a um mundo sem drogas.


"Tem de criar rede de apoio mais atrativa"

Ana Paula Pellegrino – Pesquisadora do Instituto Igarapé


Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

Com base em pesquisa feita pelo Instituto Igarapé, a pesquisadora associada Ana Paula Pellegrino afirma que a lei de drogas tem contribuído para o encarceramento em massa no Brasil.

Nos últimos 10 anos, prisões por crimes relacionados às drogas cresceu 18%, enquanto que a prisão por crimes em geral aumentou 7,5%. A pesquisadora destaca a prisão em flagrante, sem investigação, como uma das causas da superlotação por tráfico.

— A maioria das pessoas presas por tráfico foi pega em flagrante, estava sozinha, com pequena quantidade, desarmada e não havia cometido nenhum ato violento. O sistema foca no (traficante) do varejo, que logo será substituído por outro, e não vai atrás do grande responsável. Essas pessoas são jogadas dentro do sistema de horrores, onde estão vulneráveis ao recrutamento para o crime.

Ana Paula defende a redução de presos provisórios por audiências de custódia e mutirão carcerário.

— Não é uma coisa que se faz nas horas vagas. Se expandir audiências de custódia, que são aplicadas em poucas comarcas, algumas pessoas podem deixar de serem presas sem necessidade. Faz diferença no macro.

Possibilitar oportunidades de trabalho para presos e egressos é uma das alternativas apontadas pela pesquisadora:

— A gente tem de criar uma rede de apoio que seja mais atrativa do que o crime organizado. A escolha da pessoa dentro da cadeia é por ala de facções.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Em princípio, não existe um "sistema prisional brasileiro", mas um "subsistema prisional" vinculado ao Sistema de Justiça Criminal envolvendo poderes e órgãos com competência e incumbências na execução penal. Ocorre que há flagrantes de descaso, negligência, ilicitudes e irregularidades sem a devida apuração de responsabilidade e sem a devida punição dos culpados, o que impede as soluções e estimula este quadro caótico de desumanidade, ausência de finalidade e falta de objetivos. Os "especialistas" trataram das causas e dos problemas de forma pontual e permissiva, sem enxergar o sistema, a finalidade da pena, os direitos das vítimas, a ordem pública, o esforço policial, a justiça na aplicação coativa das leis, o direitos de todos à segurança pública e a responsabilidade dos poderes e órgãos da execução. 

Defendo a punição de TODOS os crimes, sejam eles de menor ou maior poder ofensivo, fim da remissão da pena e a prisão perpétua para o crime capital. É punindo de forma exemplar (o que não quer dizer colocar na cadeia) os pequenos crimes que se poderá evitar os maiores e mais hediondos (do pequeno crime, a pessoa é levado a assaltar, matar, gerenciar ponto de tráfico e ser o chefe da facção). O encarceramento sem finalidade e sem objetivo é um erro. A implementação de Presídios municipais modelo APAC e Colônias Industriais e Agrícolas deveriam ser priorizadas para abrigar tão somente aqueles presos dispostos a trabalhar e que queiram realmente se recuperar, Por outro lado, para abrir presos perigosos devem ser construídos Presídios de Segurança máxima em áreas rurais, dotados de regulamento disciplinar e com todos os instrumentos e meios de segurança, triagem, parlatório, salas de audiência, salão de visitação familiar, quarto paras visita íntima, monitoramento total, radiais de trabalho interno e controle total das celas e corredores.

A CRISE PRISIONAL E A RESPONSABILIDADE DO JUDICIÁRIO







BNC AMAZONAS 23 de janeiro de 2017



Euro Bento Maciel Filho *



Não é preciso ser muito perspicaz para se perceber que o nosso sistema prisional – falido e decrépito, há décadas – está totalmente dominado por diversas facções criminosas, as quais surgiram dentro do próprio sistema e têm como alicerce a flagrante inoperância do Estado na administração e gestão das nossas cadeias.

Da mesma forma, também não demanda muita inteligência reconhecer que a efetiva solução do problema não passa pela adoção de uma fórmula mágica qualquer, mas, sim, pressupõe a aplicação de um conjunto complexo de medidas e proposições, o qual só poderá ser implementado se houver a efetiva participação (e atuação) conjunta de todos os poderes da nação.

Positivamente, aquele tradicional “jogo de empurra” – comum em momentos de crise – não ajuda em nada. Muito pelo contrário!

Dentro desse contexto, causou certa perplexidade a recente manifestação do Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), segundo a qual a crise do sistema penitenciário “não diz respeito ao Judiciário. Esta crise diz respeito ao poder Executivo, à questão dos estados, à gestão dos presídios”.

Para ele, “gestão dos presididos não é assunto nosso”, ou seja, não é questão atinente às funções da magistratura.

Ora, com todo respeito, tal assertiva não pode ser aceita. Afinal, em que pese ser mesmo verdade que os magistrados não têm a função de “administrar” e “gerir” presídios, é preciso deixar claro que a crise do sistema prisional não se resume, apenas, às falhas de “gestão” das cadeias.

O poder Judiciário tem, sem dúvida, grande parcela de culpa pelas atuais mazelas que afligem nossas penitenciárias.

Ao cabo de contas, se é verdade que, de um lado, o Estado tem se mostrado incapaz para administrar o sistema carcerário, também é correto afirmar que, de outro, a maioria dos juízes ainda faz vistas grossas às diversas medidas alternativas à prisão previstas em lei e, com isso, continua insistindo no famigerado entendimento de que a prisão (ainda) é a melhor saída para se resolver a questão da criminalidade.

Não à toa, o Brasil ostenta a (nada lisonjeira) quarta maior população carcerária do planeta, com mais de 600 mil presos. E, desse total, 40% é de presos provisórios, ou seja, cidadãos que, apesar de acusados da prática de crimes, ainda não foram punidos de forma definitiva e, por isso, poderão até ser absolvidos ao final do processo.

Isto é, sem aqui adentrar no mérito da situação fática de cada um, pode-se afirmar que mais de 200 mil presos que habitam nossas cadeias poderiam estar respondendo ao processo em liberdade, na exata medida em que ainda não possuem pena definitiva.

No Brasil, diferentemente do que se pode pensar – pois muitos insistem em apregoar que aqui ninguém é punido –, prende-se muito e, o que é ainda mais grave, prende-se mal!

A prisão provisória é medida de absoluta exceção, que deve ser adotada com cautela, sobretudo quando o acusado é primário e não ostenta antecedentes criminais. Porém, o que se vê na prática é justamente o contrário, haja vista que primeiro se prende para só depois analisar a situação fática de cada um.

Tanto isso é verdade que, mesmo após a implementação das audiências de custódia na maior parte do país, dados recentes divulgados pelo CNJ revelaram que em 18 estados brasileiros os juízes decidem prender mais do que soltar.

De fato, de acordo com os números apresentados, foram realizadas 174.242 audiências de custódia no Brasil ao longo de 2016 (até dezembro), sendo certo que em 93.734 situações (ou seja, 53,8% do total) o acusado teve a prisão preventiva decretada e, na sequência, foi encaminhado à alguma unidade prisional.

É até possível que, à luz do caso concreto, uma parcela daquelas prisões tenha realmente se apresentado necessária.

Contudo, partindo do princípio de que a segregação provisória de quem quer que seja deve ficar restrita a situações absolutamente excepcionais e, ainda, que a nossa legislação processual penal prevê diversas medidas alternativas à prisão (art. 319, Código de Processo Penal), justamente para evitar o uso desmedido da prisão preventiva, é forçoso reconhecer que, diante dos números apresentados pelo CNJ, a segregação cautelar vem sendo exageradamente adotada, pois, ao invés de ser a última alternativa, tem sido adotada com primazia às demais, de forma quase banalizada.

Eis aí, portanto, a grande “contribuição” do poder Judiciário para a crise do sistema prisional que hoje vivenciamos. Sem dúvida, tem faltado critério e bom senso aos nossos juízes no que diz respeito ao uso desmedido da prisão provisória.

De mais a mais, cumpre aqui lembrar que, segundo a lei de execuções penais, aos membros do poder Judiciário também incumbe fiscalizar as cadeias, zelando pela eficiência e funcionamento correto do sistema.

Vale ressaltar que, em casos extremos, faculta-se aos magistrados “interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta lei” (artigo 66, inc. VIII, da LEP).

Ora, se assim o é, onde, afinal, estão os juízes que não interditaram os presídios de Pedrinhas (MA), Compaj (AM), Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (RR) e tantos outros?

Se a responsabilidade é daquele que administra mal, também o é daquele que ou não fiscaliza ou se cala diante das mazelas que presencia.

Fica claro, portanto, que a responsabilidade pelo caos que impera em nosso sistema carcerário não é “apenas” do poder Executivo, mas é, em boa parte, também do Poder Judiciário, seja porque os juízes prendem muito (e mal!) – o que intumesce, desnecessariamente, as cadeias –, seja porque não fiscalizam ou, então, “fazem de conta” que não enxergam as péssimas condições da imensa maioria das nossas cadeias.

Assim, uma vez esclarecido que todos os poderes da Nação, sem exceção, têm sua parcela de “culpa” por tudo isso que está ocorrendo, resta ao cidadão de bem aguardar que, no tocante à busca de soluções e medidas efetivas para a pacificação do sistema prisional, todos se unam em torno de um mesmo e único objetivo, sem vaidades ou “jogo de empurra”.

Do contrário, o Estado brasileiro permanecerá “enxugando gelo”, de tal forma que tragédias como as recentemente vistas continuarão ocorrendo, cada vez mais violentas e frequentes.



* O autor é advogado criminalista, mestre em Direito Penal pela PUC-SP e sócio do escritório Euro Filho Advogados Associados