MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

STF TEVE UMA REDUÇÃO DE 16,4% DOS PROCESSOS

Revista Consultor Jurídico, 21 de dezembro de 2014


Maior produtividade. Supremo reduz seu acervo de processos em 16,4% no ano



O acervo total de processos do Supremo Tribunal Federal teve uma redução de 16,4% em 2014 em relação ao ano anterior. Os números foram apresentados pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF, na última sessão plenária do ano, na sexta-feira (19/12).

Segundo o balanço, em 2013 o acervo do STF era de 67.053, tendo ingressado naquele ano 72.083 processos novos. Já em 2014, o número de processos novos foi de 78.110, 8,36% a mais do que no ano anterior. Entretanto, o acervo global do Supremo caiu para 56.053 processos.

​Lewandowski (foto) destacou que uma força-tarefa zerou os processos que aguardavam distribuição no STF e reduziu significativamente o número de decisões colegiadas que aguardavam publicação no Diário da Justiça. Lembrou que em um único dia, no final de outubro, foram publicados mais de 430 acórdãos, depois que passou a valer uma resolução fixando prazo máximo de 60 dias para a divulgação das decisões. Também foram aprovadas cinco novas súmulas vinculantes ao longo do ano.

O presidente da corte apontou ainda que foram proferidas 110.603 decisões em 2014, entre colegiadas e monocráticas, o que representa 22,91% a mais em comparação com o ano anterior. Somente no Plenário foram julgados este ano 2.620 processos, sendo que 60 eram Recursos Extraordinários com repercussão geral, com impacto em processos sobrestados nos tribunais do país.

Mudança regimental


Para o ministro Marco Aurélio, o Regimento Interno do STF passou por uma “reforma profícua” quando foram deslocados inúmeras classes processuais do Plenário para as Turmas. A 1ª Turma julgou, por exemplo, 12 Ações Penais e apreciou 35 denúncias, o que segundo ele não seria possível no Plenário. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.


RESTRIÇÃO AO HC

Revista Consultor Jurídico, 21 de dezembro de 2014, 9h50


"Exagero na racionalização dos trabalhos dos tribunais prejudica cidadania"


Por Pedro Canário



O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, é o autor da tese que levou a corte a adotar uma das jurisprudência que mais causou polêmica nos últimos tempos. É a opção pelo Habeas Corpus de ofício contra o uso do HC substitutivo de recurso ordinário.

A quantidade de HCs que chega à corte é enorme, e o remédio encontrado pela 1ª Turma do STF, da qual Marco Aurélio faz parte, foi não conhecer mais do HC impetrado como substituto de recurso ordinário constitucional. E foi ele quem trouxe o meio termo: se o HC for impetrado onde caberia o recurso ordinário, a turma não deve conhecer, mas se houver violação á liberdade de ir e vir, a ordem deve ser concedida de ofício.

Criou-se o Habeas Corpus de ofício. A 2ª Turma não embarcou nessa tese, e muitos advogados reclamaram que o Supremo estava usando de subterfúgios teóricos para restringir sua própria competência penal. E quem sai prejudicado é o cidadão preso injustamente. Pouco mais de dois anos depois dessa movimentação jurisprudencial, o ministro Marco Aurélio comenta: “Se arrependimento matasse, hoje eu estaria morto”.

Advogados relatam que o Supremo tem usado decisões judiciais para sinalizar uma redução de sua jurisdição criminal, o que seria ilegítimo. Reclamam que as turmas estão ampliando o uso da Súmula 691, que impede a concessão de Habeas Corpus contra decisão liminar de relator do caso no Superior Tribunal de Justiça, e também que estão rejeitando HC quando há Recurso Especial já em trâmite no STJ. Ou quando a decisão condenatória já transitou em julgado.

E não são só os advogados. Na sessão do dia 9 de dezembro, o ministro Gilmar Mendes, da 2ª Turma, criticou a “moda na tentativa de esvaziar o Habeas Corpus”. O tema sempre opôs Gilmar e o vice-decano. O primeiro por entender que a tal jurisprudência defensiva rompe com uma tradição já quase bicentenária por causa do excesso de Habeas Corpus em trâmite. Marco Aurélio por defender que o excesso de HCs justificaria essa contenção jurisprudencial.

Hoje o ministro Marco Aurélio concorda com o colega e com os advogados. Afirma que, em nome da promoção de uma “racionalização” no uso do HC, o Supremo abusou do que o o ministro chama de “autodefesa” contra a sobrecarga de processos. “Para utilizar uma expressão que ouvi pela primeira vez do ministro Francisco Rezek, o Habeas Corpus foi muito barateado. Passou a ser praticamente Bombril”, disse em entrevista à ConJur, fazendo alusão ao produto de "mil e uma utilidades".

Segundo Marco Aurélio, houve um “abuso no manejamento do Habeas Corpus”, e por isso o tribunal passou a delimitar mais as possibilidades de impetração. “Cabia uma racionalização, mas sem chegar a extremos”, afirma. “Em Direito o meio justifica o fim e não o fim ao meio. Se você pode chegar a um resultado tendo em conta o direito posto você chega. Se não pode, tem que recuar.”

O ministro recebeu a reportagem da revista Consultor Jurídico para conceder a entrevista que comporá seu perfil no Anuário da Justiça Brasil 2015. As conversas, anuais, já fazem parte do calendário do ministro Marco Aurélio, segundo ele mesmo, sempre um dos primeiros a atender o pedido.

Leia a entrevista:

ConJur — Muitos advogados reclamam que o Supremo tem restringido a própria competência penal por meio da jurisdição. Falam da jurisprudência do Habeas Corpus de ofício e de um endurecimento na aplicação da Súmula 691. O senhor concorda?
Ministro Marco Aurélio — Se arrependimento matasse, hoje eu estaria morto.

ConJur — Como assim?
Marco Aurélio — Pela tese que eu suscitei de não se admitir o Habeas Corpus substitutivo do recurso ordinário constitucional, para três meses depois eu próprio chegar ao meio termo. E os antigos diziam que a virtude está no meio termo. As posições extremadas devem ser abandonadas. Mas de que forma? Admitindo o Habeas Corpus toda vez que estiver em jogo a liberdade de ir e vir do paciente, quer por estar na rua um mandado de prisão ou por ele já ter sido implementado. Mas a partir desse entendimento, a ótica de se adotar um rigor maior na adequaçaõ caiu tão a gosto que passaram, por exemplo, a apontar: se já transitou em julgado não cabia Habeas Corpus; se a decisão poderia ter sido impugnada, é o caso de ir para o STJ mediante o Recurso Especial. E se a parte não manejou o especial não cabe Habeas Corpus. Aí é diminuir muito a importância dessa ação nobre, de envergadura maior, porque prevista na Constituição, que é o Habeas Corpus.

ConJur — Então os advogados têm razão: tem havido restrição à jurisdição criminal.
Marco Aurélio — A meu ver está havendo certo exagero na racionalização dos trabalhos em prejuízo da cidadania e dos cidadãos em geral. Ou seja, se está potencializando, para utilizar um português bem claro, a mais não poder, a autodefesa, tendo em conta a sobrecarga de processos. Mas a sobrecarga de processos não autoriza o órgão julgador a forçar a mão para se ver livre destes ou daqueles processos. O jurisdicionado não pode ser prejudicado.

ConJur — O que o senhor quer dizer com “exagero na racionalização dos trabalhos”?
Marco Aurélio – Ocorreu, e os impetrantes têm que admitir, um abuso no manejamento do Habeas Corpus. Para utilizar uma expressão que ouvi pela primeira vez do ministro Francisco Rezek, o Habeas Corpus foi muito barateado. Passou a ser praticamente Bombril. E cabia uma racionalização, mas sem chegar a extremos. Ou seja, adotando-se uma posição intermediária, que é a mais aceitável. Por isso é que eu disse que houve uma racionalização num enxugamento do número de Habeas Corpus. E em Direito o meio justifica o fim e não o fim o meio. Se você pode chegar a um resultado tendo em conta o direito posto você chega. Se não pode, tem que recuar.

ConJur — Ano passado o senhor voltou a criticar os colegas por atraso no início das sessões. Isso continua?
Marco Aurélio – Precisamos ser um pouquinho mais afeitos ao cumprimento dos horários. Mas hoje temos dois fenômenos que preocupam. Há uma cadeira vaga, reconheço. E tarda a designação daquele que a ocupará, porque o ministro Joaquim Barbosa se aposentou em agosto. Mas há duas coisas que me preocupam muito. O problema do horário, porque nós temos outros compromissos, o nosso trabalho não se limita à sessão. E a outra questão é a existência de varias cadeiras vazias no Plenário.

ConJur — Falta de quórum?
Marco Aurélio — Hoje, por exemplo, havia uma tropa de advogados para julgar uma matéria importantíssima, tendo em conta a inconstitucionalidade ou não – foi declarada a inconstitucionalidade pelo TJ do Rio – da possibilidade de se ter o contrato de alienação fiduciária registrado apenas no Detran. Ou seja, a notícia da alienação no certificado de propriedade. Os advogados vieram dos estados para o julgamento dessa ação. Por que não julgamos? Porque não havia oito integrantes no Plenário que participassem do julgamento. À época da velha guarda dificilmente se tinha uma cadeira vaga.

ConJur — O senhor atribui isso a alguma coisa?
Marco Aurélio — Atribuo à quadra vivenciada pelo Brasil. É uma quadra de abandono a princípios, de perda de parâmetros, de inversão de valores, em que o dito passa pelo não dito, o certo pelo errado. E o Supremo é a última trincheira da cidadania, ele deve dar o exemplo.

ConJur — O princípio da insignificância pode ser aplicado a réu reincidente?
Marco Aurélio — Veja, geralmente se articula o princípio da insignificância no caso de furto. Mas quanto ao furto, o juiz pode inclusive deixar de aplicar a pena e aplicar apenas a pena de multa, em se tratando de coisa furtada de pequeno valor. Também no campo da autodefesa se passou a confundir o problema do instituto da ausência de interesse na persecução criminal com uma disciplina que houve na Fazenda quanto às execuções fiscais. E aí essa disciplina apontou que em se tratando de execução menor do que R$ 20 mil, o processo de execução fica suspenso para aguardar-se outros débitos e aí haver a cumulação. Mas é uma disciplina administrativa que não repercute no campo penal. Mas passou-se a proclamar. A minha turma conclui dessa forma, por exemplo, no caso de descaminho, em que, quando o valor do tributo devido é inferior a R$ 20 mil, não há interesse do Estado acusador em ingressar com ação penal.

ConJur — Esse valor antes era de R$ 10 mil, não era?
Marco Aurélio — Era R$ 10 mil e majoraram. Mas nós sabemos que a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa são distintas da responsabilidade penal. O pronunciamento no campo penal repercute nos outros campos se você declarar inexistente o fato ou que não houve autoria. Mas a recíproca não é verdadeira. O que decidido no campo administrativo ou civil não repercute no campo penal. As responsabilidades são diversas.

ConJur — Então não deveria haver critério objetivo para a insignificância?
Marco Aurélio — Não, não, não. E temos que perceber que há certos crimes em que não se pode cogitar da insignificância. Por exemplo, o crime praticado que se revele um crime militar. Nós não podemos, ante dois predicados das Forças Armadas, a hierarquia e a disciplina, cogitar de insignificância. Senão vai virar uma babel o quartel. Em segundo lugar, o instituto da insignificância é uma construção jurisprudencial. Então não podemos exacerbar essa construção.

ConJur — A discussão da exacerbação é recorrente, principalmente quando se trata de controle de constitucionalidade. O senhor acha que o Supremo tem exacerbado seu próprio papel?
Marco Aurélio — Há um princípio que tem de estar presente, que é o da autocontenção. Quanto mais escassa a possibilidade de se reverter o quadro decisório, maior tem que ser o cuidado da decisão. Não é o fato de o Supremo não ter acima dele um órgão para rever as respectivas decisões que o levará a atuar fora das balizas reveladas pelo arcabouço normativo. E eu costumo dizer, principalmente quando em jogo outros Poderes, que quando o Supremo avança e extravasa certos limites ele lança um bumerangue que poderá voltar e bater na teste dele, o Supremo.

ConJur — A repercussão geral vem sendo tratada como um gargalo. O Supremo reconhece mais casos do que pode julgar. Deve haver limite para o reconhecimento?
Marco Aurélio — De inicio, não. Tem que haver uma conscientização quanto ao fato de que a repercussão geral veio como um filtro, para o Supremo de certa forma pinçar o que ele acha que deve julgar. Mas quando surge um instituto, a tendência é de se potencializar, de se acionar e se ter vários casos reconhecidos. Foi o que ocorreu. Estávamos numa situação crítica no Plenário que já foi resolvida: o Plenário não tinha tempo pra julgar recurso extraordinário com repercussão geral. Agora nós temos julgado e muito, numa produção que está surpreendendo a todos, porque deslocamos o que podíamos deslocar via regimento para as turmas, que são o Supremo dividido.

ConJur — Então o Plenário hoje está livre para discutir as questões mais importantes
Marco Aurélio — A tendência é que o Plenário só discuta questões de controle concentrado — processo objetivo pra declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei — e recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida.

ConJur — Na discussão sobre a existência ou não da repercussão geral, a divergência deve ser fundamentada? Ou basta que se diga “sim” ou “não”?
Marco Aurélio — Hoje é sim ou não. Eu fundamento todos e não deixo de me pronunciar, porque o tribunal admite que, em se omitindo o integrante no prazo de 20 dias, que é o prazo em que o processo fica na telinha do denominado Plenário Virtual, esse ato omissivo, como se pudesse haver, em termos de voto, ato omissivo, é no sentido de admitir-se a repercussão. Mas isso é muito ruim. Agora, claro que antes de o relator colocar o processo no Plenário Virtual ele deve exercer um crivo quanto aos pressupostos de recorribilidade.

ConJur — Era isso o que estava sendo discutido no caso do Seguro de Acidente de Trabalho, não é?
Marco Aurélio — Isso, estamos votando essa matéria no caso do SAT, o Seguro de Acidente de Trabalho. Entre os pressupostos de recorribilidade tem um formal, que é capítulo próprio versando a repercussão nas razões do extraordinário. No caso concreto não havia. Mas mesmo assim temos quatro votos querendo julgar de qualquer forma. Se julgarmos de qualquer forma estaremos adotando uma posição conflitante com o que todos os gabinetes fazem. Agora mesmo acabei de julgar uma lista do presidente, de seis processos, em que ele negou o seguimento do extraordinário por não ter esse capítulo. Nesse caso nós presumimos o que normalmente ocorre, que o relator tenha apreciado e tenha concluído de forma positiva. Como é que num caso, só porque passou pelo Plenário Virtual e nós não apreciamos se há ou não o capítulo, podemos julgar um recurso extraordinário em que não há, como disse em Plenário, sequer uma vírgula, num arroubo de retórica eu disse isso, sobre repercussão geral?

ConJur — O uso do Plenário Virtual tem que ser ampliado?
Marco Aurélio — Não. Fui voto vencido quanto ao Plenário Virtual para essa finalidade. Passaram posteriormente a entender que poderia haver confirmação da jurisprudência num plenário virtual. Se você entende que pode haver confirmação, pode haver também suplantação. Entendo que o Plenário Virtual está, considerada a maioria, de bom tamanho e deve usar só a definição se há ou não a repercussão geral.

ConJur — O que acha da proposta de se redistribuir o caso depois que o tribunal reconhece a repercussão geral?
Marco Aurélio — Essa é a proposta do ministro Luis Roberto Barroso, e eu não concebo termos no mesmo processo dois relatores. Um para veicular o tema no Plenário Virtual e outro para relatar, uma vez admitida a repercussão, o recurso extraordinário. Não vejo em que ponto haveria o aspecto positivo nessa dualidade.

ConJur — Não faria diferença?
Marco Aurélio — O problema não está aí. Eu, por exemplo, me recuso a receber votos antes do pregão do processo e a remeter meus votos para os colegas. Disse outro dia, pilheriando, que eu não recebo porque sou um juiz muito sugestionável, sou muito voluntarioso. Não é o caso. Eu quero, na bancada, estar solto, sem ideia preconcebida. E se eu recebo algo já estruturado qual é a minha tendência? A lei do menor esforço, acompanhar o relator. E quero ouvir principalmente os senhores advogados, a sustentação da tribuna tem eficácia. E perceber as discussões no Plenário. O que eu noto atualmente é que a maioria já vai com o voto escrito. Eu prefiro, em termos de participação, o voto oral ou espontâneo.

ConJur — Isso de levar o voto pronto é um fenômeno recente, não é?
Marco Aurélio — Os vogais sempre votaram no Supremo de improviso. Mesmo porque, devo confessar, não tenho tempo nem para confeccionar votos nos processos nos quais eu sou o relator, o que direi quanto a processos de colegas. A rigor se passa a ter, com confecção prévia, revisão em recurso em que não há a figura do revisor.

ConJur — E mesmo nos votos em que o senhor é relator, o senhor vota falando num gravador, não é?
Marco Aurélio — Desde 1977. Eu estava na Procuradoria do Trabalho e comecei a utilizar o Ditafone e me adaptei muito a isso. O segredo de gravar é não querer ver o que você já gravou. Se ficar retroagindo a fita você se perde, e ao invés de ganhar tempo, você perde tempo. A gravação é uma marcha. E depois que eu gravo, tem uma moça aqui no gabinete que é a moça que mais me ouve na vida, porque ela degrava, o voto vai para um setor sensível do gabinete, que é o de revisão. Lá só trabalham moças, tem uma chefe, que tem um curso superior em português, e o setor faz a revisão do estilo, substitui palavras que não foram bem percebidas pela degravadora. E com isso, enquanto eu faço cinco votos, por exemplo, de processos nos quais sou o relator, porque não faço voto prévio em processo alheio, o colega talvez não faça um digitando ou escrevendo a mão. Por isso é que eu consigo atuar e agora mesmo estou na dianteira da estatística.

ConJur — Ano passado o senhor falou que tinha mais de 100 casos prontos pra julgar que não eram levados à pauta.
Marco Aurélio — Hoje eu tenho cerca de 85 casos. Já diminuiu bem, porque o atual presidente passou a me dar preferência, porque estou na reta final para a expulsória. De qualquer forma sou o juiz que tem mais casos liberados para julgamento. Eu nunca pedi a presidente algum pra colocar na pauta um processo meu, porque eu busco tratamento igualitário dos jurisdicionados.

Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

PEQUENOS DELITOS, GRANDES PROBLEMAS E GRAVES CONSEQUÊNCIAS

Revista Consultor Jurídico, 28 de dezembro de 2014, 10h20



Por Luiz Flávio Borges D'Urso e Adriana Filizzola D'Urso



É notório que as regras harmonizam e possibilitam o convívio social, e que a sua inobservância fragiliza o Estado Democrático de Direito. Porém, o povo brasileiro vive em uma sociedade, na qual se verifica, cada vez mais, um significativo desprezo pelas regras e a perda de valores como a ética, honestidade, generosidade, gentileza e educação.

No dia a dia, poucas são as pessoas que cumprimentam o próximo, que desejam um sincero “bom dia”, ou que costumam utilizar o “por favor”, “obrigado” e “com licença”. Até porque atualmente as pessoas pouco interagem pessoalmente. Ao se caminhar pelas ruas ou utilizar o transporte público, constata-se que cada indivíduo está abstraído pela tecnologia, com seu celular nas mãos, fone nos ouvidos, em seu mundo particular e privado, sem se relacionar — e muito menos sem se preocupar — com o próximo.

Isso tudo aliado a uma realidade na qual o reconhecimento vem do resultado obtido com o mínimo esforço, somado ao “jeitinho brasileiro” e à cultura de tolerância com os escândalos que infringem os valores acima mencionados e fazem com que as pessoas éticas, honestas, generosas, gentis e educadas se sintam cada dia mais indignadas.

Nesse contexto, surgem os pequenos delitos. Com a ideia errada de que “todo mundo faz”, alguns comportamentos — antiéticos e até criminosos — passam a ser praticados por alguns sem qualquer tipo de vergonha ou pudor.

Para se coibir os grandes comportamentos errados, é preciso começar coibindo os pequenos. Assim, se faz necessário combater os pequenos delitos e, de alguma forma, educar a população para que não pratique condutas que atrapalham a convivência harmônica de toda a sociedade, como por exemplo: estacionar em local proibido, colar na prova, trafegar pelo acostamento das estradas, furar a fila, utilizar as vagas ou assentos reservados exclusivamente aos deficientes, gestantes e idosos, comprar produtos piratas, parar em fila dupla, pular a catraca do ônibus ou metrô, utilizar atestado médico falso, pagar o agente público para se livrar da multa pela infração, copiar trabalho da internet, atravessar fora da faixa de pedestre, dentre muitos outros comportamentos.

É preciso entender que o mundo não é dos espertos, mas sim dos honestos. E que se a vantagem for individual, o coletivo será prejudicado, com reflexos negativos para todos, inclusive para si mesmo. Não se pode querer tirar vantagem em tudo sem suportar as consequências nefastas deste tipo de comportamento. A sociedade não pode transigir com os nossos valores!

Pesquisa feita no último trimestre de 2013 e no primeiro trimestre de 2014, pela Faculdade de Direito da FGV, em sete estados (Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Amazonas) mais o Distrito Federal, denominada “Índice de Percepção do Cumprimento da Lei” (IPCLBrasil), que, segundo definição em seu relatório, é “um índice de percepção que procura retratar o sentimento da população em relação às leis, bem como analisar a percepção dos brasileiros sobre o respeito às leis e o respeito às autoridades que devem fazer cumprir a lei”, escancara o tamanho do problema a ser corrigido.

Segundo este levantamento, feito numa escala de 0 a 10, sendo que 0 representa nenhum comprometimento e 10 representa um total comprometimento com o cumprimento das leis, o IPCLBrasil é de 6,8. Constatou-se, ainda, que quanto menor a renda e maior a escolaridade, maior é o IPCL.

Interessante ressaltar que, dentre os entrevistados, 72% admitiram ter atravessado a rua em local inadequado e 63% admitiram ter comprado produtos piratas ao menos uma vez nos últimos doze meses.

Outros números extremamente preocupantes são o de que 82% dos entrevistados concordam com a afirmação de que “é fácil desobedecer à lei no Brasil” e 80% dos brasileiros, sempre que possível, acaba optando pelo “jeitinho”, em vez de obedecer à lei.

Infelizmente, o que também se verifica na pesquisa é o baixo índice de reprovação social dos pequenos delitos (50% em média), se comparado aos 88% do furto e aos 82% do ato de dirigir embriagado.

O mais curioso é que atualmente alguns críticos dos grandes delitos, que fazem a censura ferrenha aos corruptos, revelam-se pessoas que quando são paradas em uma blitz e estão alcoolizadas oferecem dinheiro ao policial para se livrar do problema, sem se dar conta que ao praticar este pequeno delito, por assim dizer, estão se igualando ao grande corrupto, pela violação consciente da lei.

Tal fato fica explícito na colocação feita pelo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, que afirmou em evento na Associação dos Magistrados Brasileiros, que “o mesmo empresário que por vezes protesta, e com razão, dos desmandos dos nossos governantes é aquele que quando chega um fiscal de rendas diz: ‘bem, como podemos acertar isto?’”.

Imperioso destacar que mesmo sendo pequeno, trata-se de um delito, de um comportamento ilegal ou imoral, o qual não pode e nem deve ser mais aceito pela sociedade. A desculpa de que “todo mundo faz” não dá o direito de fazer também! Ora, se algo é praticado por alguns, ou até mesmo por muitos, isto não faz com que tal ato deixe de ser considerado errado, desonesto ou criminoso, dependendo do caso. Simplesmente, não se deve realizá-lo.

É urgente uma mudança de paradigma, para fazer o que é certo e do jeito certo. A retomada da gentileza e da cordialidade no trato pessoal e a intolerância aos pequenos delitos podem ser os primeiros passos para que se retomem os valores perdidos, a fim de que, no futuro, o Brasil seja reconhecido como o país que parou de dar “jeitinho” e deu um jeito de vez em todos os seus problemas.


Luiz Flávio Borges D'Urso é advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, Conselheiro Federal da OAB, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), presidente do LIDE Justiça. Foi presidente da OAB-SP por três gestões (2004/2012).

Adriana Filizzola D'Urso é advogada criminalista, mestre e doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) e integra o escritório de advocacia D’Urso e Borges Advogados Associados.

AS JUÍZAS



ZERO HORA 29 de dezembro de 2014 | N° 18027



MOISÉS MENDES



Eu queria ver um encontro das juízas Carine Labres e Lizandra Passos. Carine envolveu-se na controvérsia nacional da cerimônia coletiva de casamento com a participação de gays, no CTG de Livramento.

Carine não disse: sou magistrada, cumpro as leis e apenas observo de longe o que se passa. Não. A juíza defendeu o evento pelo seu significado, enfrentou o conservadorismo e o moralismo de superfície e fez valer uma obviedade também do Direito: a neutralidade é a mais antiga conversa fiada da humanidade.

Sob censura dos “neutros”, Carine participou depois da Parada Gay em Porto Alegre. Embarcou num carro alegórico ao lado de Solange Ramires, 24 anos, e Sabriny Benites, de 26, as moças que se casaram em Livramento. Os “neutros” acharam estranho. Se Carine estivesse no carro de Baco, na Festa da Uva, tudo bem. Mas num carro de gays?

A outra juíza, Lizandra Passos, também se envolveu em controvérsia nacional ao rejeitar no fim de semana o pedido de prisão preventiva de Leonam dos Santos Franco. O homem dirigia o carro que destruiu uma moto, em Capão, matando Manoela da Silva Teixeira, de 19 anos, e deixando Francieli da Silva Mello, de 22, em estado grave.

Manoela e Francieli também formavam um casal. Leonan estava bêbado, em alta velocidade e na contramão. A juíza negou o pedido de prisão porque não havia recebido o atestado de óbito de Manoela. Policiais e testemunhas disseram que a moça estava morta, mas isso não importava. A juíza queria o papel.

As duas juízas, Carine e Lizandra, podem dizer que cumpriram o que a lei determina. Carine foi acusada de ser proativa demais, como se existissem juízes absolutamente alheios a tudo e a todos.

A “neutralidade” conservadora só preserva interesses e costumes nem sempre explicitados. Carine usou a lei para fazer valer os direitos de quem se dispõe a enfrentar o atraso para ser feliz.

No caso de Capão, as moças da moto eram a expressão do avanço civilizatório que Carine vem ajudando a consagrar. Um motorista bêbado acabou com os sonhos de Manoela e Francieli.

O atropelador é o atraso posto em liberdade por falta de um atestado. A juíza Lizandra tinha à mão uma lei que o favoreceu. Há leis e leis. E há juízas e juízas.

sábado, 27 de dezembro de 2014

MENSALÃO TUCANO, DEZ ANOS SEM JULGAMENTO




ZERO HORA 27 de dezembro de 2014 | N° 18025


MENSALÃO TUCANO. Após quase 10 anos, ninguém foi julgado


COM RENÚNCIA DE AZEREDO, processo retornou para primeira instância e nenhum réu foi ouvido



Em junho de 2015 completam-se 10 anos da descoberta do mensalão tucano, que antecedeu o mensalão petista. Enquanto o julgamento do mensalão do PT já foi concluído, o do PSDB de Minas Gerais se arrasta.

Somente agora o processo do então governador Eduardo Azeredo, que desde março de 2014 está pronto para ir a julgamento, deverá ser analisado pela primeira instância da Justiça mineira. A data ainda não foi marcada. Azeredo renunciou ao mandato de deputado federal e perdeu o foro privilegiado. Com isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) encaminhou o processo para a primeira instância.

Apesar de a renúncia ter ocorrido em 19 de fevereiro deste ano, somente no dia 4 de dezembro a ação penal chegou à 9ª Vara Criminal, em Belo Horizonte, onde já tramita outro processo, esse com oito réus.

Essa outra ação tinha 10 réus, mas a morosidade da Justiça permitiu que o crime prescrevesse para dois deles, que completaram 70 anos. Os favorecidos foram Walfrido dos Mares Guia (PSB), ex-ministro do Turismo (2003 a 2007) e das Relações Institucionais (2007) do governo Lula, e Cláudio Mourão, tesoureiro da campanha de Azeredo ao governo mineiro.

Esse processo ainda se arrasta, e nenhum réu foi nem sequer ouvido. A última audiência do ano não aconteceu porque os advogados dos acusados não foram notificados do depoimento com a última testemunha de defesa, o réu José Afonso Bicalho. A audiência foi remarcada para 21 de janeiro.

Há ainda um terceiro processo, que envolve o ex-senador Clésio Andrade (PMDB). Ele também renunciou ao mandato, o que levou o processo para a primeira instância.

COMO FOI
-O foco do processo é a campanha eleitoral do então governador de Minas, Eduardo Azeredo (PSDB), em 1998.
-Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), um esquema de arrecadação ilegal de recursos abasteceu a tentativa de reeleição do tucano.
-Teriam sido desviados R$ 5,1 milhões (valores da época) de empresas públicas estaduais e fraudados empréstimos para pagar despesas da campanha.
-Marcos Valério, que foi condenado no mensalão petista, seria o articulador do esquema.

MAIS LEGALISTA QUE A REALIDADE




ZERO HORA 27 de dezembro de 2014 | N° 18025


SUA SEGURANÇA


HUMBERTO TREZZI




Vai ser difícil a juíza Lizandra Passos convencer os leitores que mandam enxurradas de e-mails questionando a decisão de soltar o homem que atropelou e matou Manoella da Silva Teixeira em Capão da Canoa, ferindo ainda a companheira da vítima, Franciéli da Silva Mello.

Direito de libertar o detido a magistrada tem, claro. Até porque o homem não possui antecedentes criminais. Poderia ser mais um caso em que a Justiça entende que não há perigo em soltar o atropelador, já que não planejou a morte, não fez esse tipo de coisa antes, não há sinais de que pretenda repetir o gesto ou fugir.

Mas não. A juíza justificou a decisão pela ausência do atestado de óbito, junto ao auto de prisão em flagrante. No despacho, ela diz textualmente: “...inexiste qualquer prova idônea que efetivamente demonstre a materialidade do delito (o homicídio), já que a autoridade policial não acostou no expediente o atestado de óbito da vítima”. Fosse o caso, a juíza poderia aguardar a chegada do sacrossanto documento antes de liberar o motorista da Ecosport.

Formalismo, esbravejam os leitores nas redes sociais. Ora, nas fotos é possível ver o corpo da vítima, coberto pelo lençol. Policiais atenderam a ocorrência e tentaram socorrer Manoella. Outros policiais prenderam o atropelador, Leonan Franco. Atestaram que o homem estava embriagado. Atenção: pouca gente sabe, mas a palavra de policial, promotor e juiz tem fé pública, isto é, mais valor que a de uma pessoa que não exerça função de autoridade pública.

Para a juíza, no entanto, não bastam as fotos do corpo, o depoimento dos policiais que tentaram salvar a garota, o testemunho de quem assistiu ao atropelamento. Não. Com todo o respeito: o importante, para a magistrada, parece ser a ausência do papel escrito “óbito”. Sem ele, nada de prisão. “Não demonstrável sequer a existência do fato com prova idônea, é impositivo o relaxamento da prisão em flagrante”, alegou a magistrada.

Deduzo que o testemunho dos policiais e transeuntes que se horrorizaram com o duplo atropelamento não é idôneo. Ou é? Difícil de entender. Duro para um jornalista explicar aos leitores.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Nada mais é do que o retrato brasileiro de uma justiça assistemática, soberba, cartorária e leniente, onde a burocracia e o isolamento técnico judicial segregam as forças policiais, desmoralizam as leis e submetem a finalidade e o interesse público, este último  considerado como princípio supremo e obrigatório na administração das decisões públicas.Por uma urgente e ampla reforma judicial!


PRESO EM FLAGRANTE, SOLTO EM SEGUIDA




ZERO HORA 27 de dezembro de 2014 | N° 18025

HUMBERTO TREZZI JOSÉ LUÍS COSTA


ACIDENTE EM CAPÃO DECISÃO POLÊMICA

ALEGANDO FALTA DE ATESTADO DE ÓBITO, juíza mandou libertar motorista que colidiu com uma moto no Natal, no Litoral Norte. Ato desconsiderou outras evidências, como testemunho de policiais e guia de recolhimento do corpo da jovem morta. Outra vítima ficou gravemente ferida e está na UTI



Um documento vale mais que a palavra de policiais e testemunhas de um crime? Pela segunda vez em dois meses, os gaúchos deparam com essa questão frente a polêmicas decisões da Justiça. Desta vez, foi em Capão da Canoa, no Litoral Norte. Há dois meses, em Porto Alegre, um juiz libertou um suspeito de estupro, preso por policiais, provocando também grande controvérsia.

A juíza Lizandra dos Passos mandou libertar Leonan dos Santos Franco, 30 anos, condutor da Ecosport que matou Manoella da Silva Teixeira, 19 anos, na manhã de quinta-feira e feriu gravemente a companheira dela, Franciéli da Silva Mello, 22. O motivo do relaxamento da prisão foi comunicado no despacho judicial: a morte não teria sido comprovada, pois a polícia não apresentou atestado de óbito.

A juíza de Capão, ao libertar o preso, ignorou testemunhas e policiais que atestaram a embriaguez de Franco. A Ecosport que ele dirigia invadiu a pista contrária e atingiu a motocicleta na qual estavam as duas jovens. O acidente ocorreu no cruzamento da Avenida Paraguassú com a Rua Divisória.

Franco se negou a fazer teste de bafômetro, mas foi indiciado por homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio. Ele preferiu falar só em juízo, foi encaminhado à Penitenciária Modulada de Osório e teve comunicada a prisão ao Judiciário.

O expediente policial tinha os seguintes documentos: declarações de dois policiais militares que atenderam à ocorrência, auto de prisão em flagrante narrando a morte, guia de recolhimento do corpo por uma funerária ao Departamento Médico Legal (DML) e ofício assinado pela delegada plantonista Priscila Salgado, requisitando ao DML o auto de necropsia.

Apesar da farta documentação, a juíza de Capão não homologou a prisão do motorista. Enquanto Manoella era velada – prova de sua morte –, Franco era solto. “No caso dos autos, verifico que, como se cuida de homicídio, infração material que deixa vestígios, e inexiste qualquer prova idônea que efetivamente demonstre a materialidade do delito, já que a autoridade policial não acostou no expediente o atestado de óbito da vítima, é inviável a homologação do flagrante”, diz a decisão.

ARGUMENTOS PARA A PRISÃO

Inconformada com a libertação do motorista, a delegada de polícia de Capão da Canoa Walquíria Meder encaminhou à Justiça, ontem, atestado de óbito de Manoella e cópias dos mesmos documentos anteriores, pedindo a prisão preventiva de Franco.

– A juíza considerou que esses documentos não serviram como prova da morte. Se a palavra do delegado e dos policiais não é idônea, não temos o que comentar – desabafa Walquíria.

O promotor de Justiça Sávio Vaz Fagundes, de Capão, também protocolou um pedido de prisão preventiva. Ele discorda da juíza e ressalta que, na maioria dos casos de homicídios, é decretada prisão sem constar o auto de necropsia porque o documento demora alguns dias.

– É necessário analisar outros elementos. Existe a palavra dos policiais que ouviram dos socorristas que a jovem estava morta. A prova testemunhal, nesse contexto, substitui o atestado de óbito – afirma Fagundes.

A decisão da magistrada foi defendida pelo presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Eugênio Couto Terra, que considera a posição correta do ponto de vista legal. Mesmo que sujeita a interpretações, como tudo no Direito, ressalva ele:

– A juíza podia fazer o que fez, pela ausência do atestado de óbito. O Código de Processo Penal estabelece esse documento como fundamental. Ela considerou insuficientes as provas testemunhais. Mas também poderia ter outra atitude: decretar a prisão de ofício (por livre vontade). Agiu dentro da sua autonomia. Entendo que haja clamor das pessoas em razão do fato, que sempre consterna, mas a decisão foi absolutamente técnica.

Advogados têm dúvida sobre a decisão da juíza. Ricardo Breier, integrante da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, acredita que a juíza tomou uma decisão excessivamente formal. Considera que, diante do que leu a respeito, a prisão poderia ser decretada, até para efeito pedagógico contra a impunidade de quem bebe e dirige.

A juíza Lizandra dos Passos não quis falar a Zero Hora. Em decisão divulgada ontem à noite, ela manteve Franco em liberdade argumentando que ele não oferece risco à ordem pública e que o protesto da população não justifica sua prisão. O motorista deverá entregar a carteira de habilitação no fórum de Capão da Canoa.








Sobrevivente continua em estado muito grave


Franciéli da Silva Mello, 22 anos, sobrevivente do acidente de trânsito que matou a companheira dela, Manoella da Silva Teixeira, 19 anos, segue internada em estado muito grave na Unidade de Tratamento Intensivo do Hospital Santa Luzia, em Capão da Canoa.

Conforme Luís Fernando Severino, padrasto da jovem, Franciéli foi operada assim que deu entrada no hospital e ontem apresentou leves sinais de melhora.

– Ela murmurou que sente dor nas pernas. O que é um bom sinal. O nosso grande temor é que perdesse os movimentos inferiores porque quebrou a bacia e o fêmur de uma das pernas. Ela está se recuperando, mas sabemos que vai demorar. O médico disse para a gente rezar muito e entregar nas mãos de Deus – disse Severino.

Por causa da gravidade do caso, a família pensou em transferir a jovem para um hospital de Porto Alegre ou de Torres, mas desistiu, pois não haveria vagas e a remoção seria arriscada. Franciéli poderia não resistir à viagem.

Ao saber da soltura de Leonan dos Santos Franco, decidida pela Justiça, o motorista da Ecosport que bateu na motocicleta das jovens, Severino fez um desabafo:

– Estamos indignados. Queremos Justiça. Ele matou uma pessoa e deixou outra em estado muito grave.

Manoella e Franciéli eram companheiras havia dois anos e também colegas de trabalho em um restaurante. Na manhã do Natal, as duas seguiam para o serviço em uma motocicleta, dirigida por Manoella, quando a Ecosport de Franco avançou pela pista contrária e colidiu com a moto. Manoella morreu instantes depois. O corpo da jovem foi sepultado no final da manhã de ontem, no cemitério municipal de Capão da Canoa.




O QUE DIZ A LEI
Trechos do Código de Processo Penal
-Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
-Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O CRIME DE CAPÃO DA CANOA E A JUSTIÇA


CORREIO DO POVO Porto Alegre, 27 de Dezembro de 2014


JUREMIR MACHADO DA SILVA



O homem comum, como eu, espera da justiça decisões com critérios. Os homens incomuns, categoria na qual se inserem os especialistas e os membros do judiciário, trabalham com uma noção mais sinuosa: a justiça é uma só, mas os juízes são muitos. Cada um pode ter um entendimento diferente. É isso. O que torna a justiça incompreensível para os leigos é o entendimento. Eu, por mim, abolia o entendimento. Seria melhor um robô julgando. Ficaríamos livres do entendimento. O judiciário gaúcho vai ao STF pedir a manutenção do imoral auxílio-moradia para a magistratura alegando que a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul não pode derrubar medida do STF.

Faz sentido. Mas continua indecente. O que deve prevalecer? A decência.

Enquanto isso, uma desembargadora anulou o aumento do salário mínimo regional. O governador deveria ter mandado o projeto de aumento no primeiro semestre de 2014 por ser ano eleitoral. Não mandou, segundo se sabe, para não parecer eleitoreiro (ou, segundo a oposição, para não fechar as portas das empresas financiadoras de campanha). Mandou depois das eleições. Eleitoreiro não ficou. Mas as empresas, que não querem pagar, arranjaram motivo para contestar. Faz sentido. Mas continua chocante. O mesmo judiciário que luta pelos seus privilégios encontra motivos para atrapalhar a vida da plebe.

Um motorista bêbado entrou na contramão e matou uma jovem em Capão da Canoa. Houve flagrante. A juíza não homologou o flagrante por faltar o atestado de óbito. Está de brincadeira. O que pensa o homem comum, o sujeito, que como eu, quer um papo reto: o motorista era branco e de classe média alta. Dirigia uma EcoSport. A moça que morreu era pobre e homossexual. Ia para o batente cedo num feriado. Um leitor me pergunta: como quem se identifica quem tem a tarefa de julgar? O criminoso vai responder em liberdade. A família está revoltada. O homem comum também. O sujeito não quis fazer o teste do bafômetro. Para o homem comum, como eu, isso tem valor de confissão. Ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Então ninguém poderia ser obrigado a passar no Raio-X de aeroporto. É diferente? Não vejo como. É a máquina que produz a prova? Fala sério, cara!

A lei precisa mudar. Envolveu-se em acidente: bafômetro. Estou cansado do entendimento. Li a minuta do projeto que altera a Lei Orgânica da Magistratura. Está no STF. Os juízes querem uma dúzia de bolsas (creche, alimentação, inclusive em férias, educação para filhos até 24 anos, formação em nível de pós-graduação, tudo). Se ganharem, virarão semideuses. Não digo deuses para evitar um processo e o pagamento de indenização. Devo ter entendido mal. O problema é sempre o entendimento. A gente não entende o judiciário com tantos juízes e tantos entendimentos. Sou positivista. Acredito que é possível ter regras claras aplicáveis objetivamente para situações equivalentes. Entendo que a razão humana permite saber quando as situações são equivalentes. É um mistério da natureza humana. Pretendo dedicar o resto da minha vida a combater o entendimento, inclusive o meu.

Quando há muito entendimento, ninguém entende mais.

TRANSPARÊNCIA NO JUDICIÁRIO




ZERO HORA 26 de dezembro de 2014 | N° 18024


RODRIGO TRINDADE DE SOUZA*



Participar do único poder de Estado sem sufrágio universal atrai ônus, e alguns agentes têm dificuldade de lidar com isso. Que o digam episódios de carteiraços e outros abusos. Se o rarefeito controle do Judiciário pela sociedade civil obriga magistrados a levar vida exemplar, também demanda que seus órgãos mantenham atuação mais transparente possível.

Na democracia, todo poder é representativo, exercido em nome do povo e visando à promoção do bem comum. A seleção por concurso não exclui premissas de agentes políticos, e também os tribunais se submetem a mecanismos de controle democrático. Apenas em situações raras, como intimidade de envolvidos e segurança do Estado, é que a publicidade pode ser restringida.

No âmbito legislativo, o voto secreto é justificado, podendo ser o único instrumento das minorias para resistir à maioria, ao governo e às vinganças. Nos tribunais, a decisão a portas fechadas viola a confiança, diminui a moral social e chama o descrédito. A opção nacional pelo voto aberto decorre do princípio geral da publicidade dos atos do poder público, assegura ciência da decisão e permite fiscalização e legitimidade dos próprios atos. Além disso, torna-se importante instrumento para conhecimento democrático e combate expressões de efeito e pouco conteúdo, como “caixa- preta dos tribunais” e “despotismo de toga”.

Em decisões internas, a publicidade nos tribunais é ainda mais importante. E não apenas porque decisões secretas restringem a fiscalização da cidadania. Sem dar a entender suas motivações, os próprios envolvidos ficam enfraquecidos na defesa. Como saber se as autoridades estão cumprindo lei e Constituição? Como descobrir quais argumentos e provas podem se contrapor a um ato secreto e imotivado?

A decisão aberta não é opção fácil, como qualquer demanda de democracia e de transparência. O fim da cultura do segredo faz parte de um grande projeto de República e eliminação de tradições arcaicas. E que, se algo tiver de continuar sendo escuro e antigo, que sejam as togas; não mais as decisões dos juízes.

*Juiz do Trabalho, vice-presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 4ª Região (Amatra-4)

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

JUÍZES SONHAM COM BOLSA DIVINDADE



CORREIO DO POVO Porto Alegre, 23 de Dezembro de 2014



JUREMIR MACHADO DA SILVA


Um leitor me envia esta contribuição que realmente vale a pena ser lida. Se tudo se confirmar, teremos definitivamente uma casta togada no país. Será a vitória do corporativismo sobre a racionalidade e a igualdade. Juízes, que pretendem ir ao STF para manter o auxílio-moradia indecente que recebem para espanto dos mortais, dão liminar contra salário mínimo regional. Ninguém racionaliza mais do que juiz. No bem bom, o deles primeiro.


*

Juízes efetivamente como Deuses em uma realidade próxima

Por Leonardo Sarmento

A minuta do novo Estatuto da Magistratura, que substituirá a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979, promete surgir garantindo mais do que prerrogativas aos juízes, com efetividade parecem conceder-lhes a divindade. O STF se pronunciará antes de seu envio para o Congresso Nacional.

Em alguns momentos as “prerrogativas” mais parecerão ao leitor, de fato, superpoderes, em outros parece que se quer oferecer dignidade, como um programa governamental concessivo de benefícios a uma categoria excluída, uma espécie de “Bolsa-Magistratura”. Veremos que é sociologicamente curioso, interessante, a proposta do novo Estatuto da Magistratura.

Verbas que são contestadas no Supremo e que repousam à espera de uma resposta. Auxílio-transporte para o magistrado que não tiver carro oficial, prêmio por produtividade, indenização de transporte de bagagem e mobiliário, auxílio-moradia, auxílio-creche, auxílio-educação para quem tiver filho em escola privada, auxílio-funeral, extensível aos aposentados, auxílio plano de saúde, ajuda de custo para capacitação, ajuda de custo por hora-aula por participação em bancas de concurso público, reembolso por despesas médicas e odontológicas não cobertas pelo plano de saúde, ajuda de custo para cursos, como especialização, retribuição por acúmulo de funções.

Os benefícios farão aumentar a remuneração de suas divindades, os Senhores magistrados e, pagamentos que afrontam o regime de subsídio previsto na Carta de 1988. Na última sessão administrativa, vale dizer, os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso fizeram críticas ao pagamento de adicionais, especialmente verbas deferidas judicialmente, inclusive pelo STF.

Os benefícios se somam a outros que encontram previsão na lei desde 1979, como diárias, ajuda de custo para mudança, férias de 60 dias, salário-família, verba de representação, gratificação por exercício de atividade em comarca de difícil acesso. E se juntam a outro rol de benefícios criados, mas sem previsão de pagamentos. Como licença paternidade de 8 dias, licença-prêmio, afastamento para tratar de assuntos particulares.

O texto estabelece as regras para o pagamento de todos esses benefícios:

– O prêmio por produtividade será pago ao magistrado uma única vez por semestre, em janeiro e em agosto de cada ano. Para isso, basta ao juiz, nos seis meses anteriores, proferir mais sentenças do que o número de processos recebidos mensalmente. Cumprida a meta, o juiz recebe um salário a mais por semestre.

– O auxílio-transporte para o juiz que não dispuser de carro do tribunal será equivalente a 5% do valor do subsídio mensal do magistrado, e será pago para os deslocamentos entre o trabalho e a casa do juiz.

– O auxílio-educação, também equivalente a 5%, será devido ao magistrado que tiver filho com idade entre 6 e 24 anos e que esteja cursando o ensino fundamental, médio ou superior, em instituição privada.

– O auxílio-alimentação será pago mensalmente ao magistrado, inclusive no período de férias, no montante correspondente a 5% do subsídio.

– O auxílio-creche será devido mensalmente ao magistrado, no valor de 5% do subsídio por filho, desde o nascimento até os seis anos de idade.

– O auxílio-plano de saúde será pago mensalmente ao juiz no valor de 10% do subsídio para o magistrado e para sua mulher, e a 5% do subsídio para cada um dos seus dependentes.

– Além disso, cada tribunal deve proporcionar serviços de assistência médico-hospitalar aos juízes, incluindo serviços profissionais médicos, paramédicos, farmacêuticos, fisioterapêuticos, psicológicos e odontológicos.

– A ajuda de custo para capacitação será paga ao magistrado, mensalmente, para o pagamento de cursos de aperfeiçoamento, especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado, correspondendo a 10% nos casos de instituições situadas no Brasil, e a 20% quando se tratar de instituição situada no exterior.

– Será paga indenização de permanência ao juiz que tiver completado tempo de serviço para aposentadoria, mas que permanecer trabalhando. O benefício corresponderá a 5% do total da remuneração, por ano de serviço excedente, até o limite de 25%.

– O juiz receberá o adicional por prestação de serviços de natureza especial se participar de mutirões de conciliação, treinamentos, projetos sociais, fiscalização de concursos públicos.

O texto prevê ainda que todo magistrado que fizer uma viagem a trabalho ao exterior terá direito a portar passaporte diplomático, livrando-os de passar pela alfândega e tirando-os das filas da imigração.

Ainda, caso aprovado o texto da divindade, terão os juízes prioridade “em qualquer serviço de transporte ou meio de comunicação” quando em serviço de caráter urgente. O estatuto ainda garante aos magistrados “livre trânsito em portos, aeroportos e rodoviárias, quando em serviço”.

Outra prerrogativa divina do novo texto garante ao juiz “dispor de vigilância especial, a ser prestada pelos órgãos de segurança pública federal e estadual, para a preservação de sua integridade física, de sua família e de seus bens”. Para isso, deverá requisitar justificadamente a segurança especial.

Mas se o juiz considerar que a situação revela-se emergencial, requisitará diretamente a proteção especial à polícia. E se o órgão de segurança se recusar, “incorrerá em infração disciplinar grave, ato de improbidade administrativa ou ilícito penal no caso de recusa, negligência ou sonegação dos meios necessários à efetivação das medidas requisitadas”.

Os Senhores juízes também poderão usar carteira funcional expedida pelo tribunal a que estiverem vinculados. A “carteira de juiz” terá força de documento legal e servirá como porte de arma de defesa pessoal e aquisição de munições, “independentemente de providências administrativas”. Mais do que nunca, apta para a famosa “carteirada”, ato que Deuses, e mesmo Semi-Deuses, aqui no Brasil, já costumam praticar com certa constância, e que se aprovado o texto praticarão, mais do que nunca com razão, sob o fundamento da expressão “em nome da fé”.

Os juízes inativos (aposentados) contarão com as mesmas prerrogativas dos ativos. O texto não esclarece se todas as prerrogativas do cargo são mantidas para os aposentados. Informa apenas que serão mantidas as que couberem.

Segue as prerrogativas da Loman e em sequencia, a lista de prerrogativas do novo estatuto.

Lei Orgânica da Magistratura, de 1979:

Art. 33 – São prerrogativas do magistrado:

I – ser ouvido como testemunha em dia, hora e local previamente ajustados com a autoridade ou Juiz de instância igual ou inferior;

II – não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão especal competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado (vetado);

III – ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final;

IV – não estar sujeito a notificação ou a intimação para comparecimento, salvo se expedida por autoridade judicial;

V – portar arma de defesa pessoal.

Parágrafo único – Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

Minuta do novo Estatuto da Magistratura:

Art. 92. São prerrogativas do magistrado:

I – não ser preso senão por ordem escrita do tribunal ou do órgão especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável e quando não se permitir liberdade provisória sem pagamento de fiança, casos em que a autoridade, sob pena de responsabilidade, fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do tribunal a que esteja vinculado, a quem remeterá os autos referentes à prisão, vedada a condução do magistrado a delegacia de polícia ou estabelecimento semelhante;

II – ser recolhido em sala especial de Estado-Maior, com direito à privacidade e à disposição do tribunal competente para o julgamento, quando sujeito a prisão antes da decisão final, inclusive na prisão em flagrante, e em dependência separada no estabelecimento prisional em que tiver de ser cumprida a pena;

III – ser ouvido como testemunha ou parte autora de uma ação em dia, hora e local previamente ajustados com a autoridade administrativa, policial ou judiciária;

IV – não ser interrogado em processo disciplinar ou criminal, a não ser por magistrado de instância igual ou superior, ainda que integrante ou designado pelo Conselho Nacional de Justiça;

V – não ser indiciado em inquérito policial, observado o disposto no § 1o deste artigo;

VI – usar carteira funcional expedida pelo tribunal a que estiver vinculado, com força de documento legal de identidade, e expressa autorização, pelo Presidente do respectivo tribunal, quando for o caso, para porte de arma de defesa pessoal e aquisição de munições, independentemente de providências administrativas;

VII – ter ingresso e livre trânsito, em razão de serviço, em qualquer recinto público ou privado, respeitada a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio;

VIII – ter prioridade, em qualquer serviço de transporte ou meio de comunicação, público ou privado, no território nacional, quando em serviço de caráter urgente;

IX – ter livre trânsito em portos, aeroportos e rodoviárias, quando em serviço;

X – portar passaporte diplomático, quando em viagem a serviço no exterior;

XI – dispor de vigilância especial, a ser prestada pelos órgãos de segurança pública federal e estadual, para a preservação de sua integridade física, de sua família e de seus bens, quando justificadamente requisita-la ao respectivo tribunal, salvo em situação de emergência, hipótese em que o fará diretamente à autoridade policial, que incorrerá em infração disciplinar grave, ato de improbidade administrativa ou ilícito penal no caso de recusa, negligência ou sonegação dos meios necessários à efetivação das medidas requisitadas, informando o magistrado, de imediato, a instância superior.

§ 1o Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá imediatamente os autos ao tribunal ou órgão especial competente, para os devidos fins.

§ 2o O magistrado aposentado mantém, no que couber, a titulação e as prerrogativas do cargo, não podendo utilizá-las em eventual exercício da advocacia.

De todo exposto percebemos que, o Brasil está em um momento em que se procura a formação de verdadeiras castas dentro da sociedade, buscando conferir às que se pode alcunhar como “castas de poder” muito além de prerrogativas funcionais, verdadeiros privilégios que, de tão distantes da realidade da nossa sociedade, estas passam a ostentar poderes próprios de “Deuses inseridos na Terra”.

Fica a crítica para reflexão, quando queremos dizer que não é o distanciamento, mas a aproximação que nos trará uma sociedade mais cooperativa, justa e solidária nos termos da Constituição Brasileira de 1988.

Pensei por parquíssimos segundos em momento de puro devaneio na possibilidade de propor uma ação popular, quando retornei rapidamente à realidade e lembrei-me que seria Deus, ops, um magistrado, o julgador da ação.



Leonardo Sarmento. Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo de Trabalho pela FGV.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

JUÍZES EFETIVAMENTE COMO DEUSES EM UMA REALIDADE PRÓXIMA



JUS BRASIL, 21/12/2014



Leonardo Sarmento




A crença na existência de Deus é sempre mais forte em países onde a fé religiosa costuma transcender as forças mais racionais, sejam Estados laicos ou confessionais. O Brasil, constitucionalmente laico, embora de fato ainda se encontre em um processo de laicização, nos termos do espírito que a Constituição, pode vir a estabelecer, em caráter de definitividade que teremos novos Deuses para dirigirmos nossa fé. A minuta do novo Estatuto da Magistratura, que substituirá a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979, promete surgir garantindo mais do que prerrogativas aos juízes, com efetividade parecem conceder-lhes a divindade. O STF se pronunciará antes de seu envio para o Congresso Nacional.

Em alguns momentos as "prerrogativas" mais parecerão ao leitor, de fato, superpoderes, em outros parece que se quer oferecer dignidade, como um programa governamental concessivo de benefícios a uma categoria excluída, uma espécie de "Bolsa-Magistratura". Veremos que é sociologicamente curioso, interessante, a proposta do novo Estatuto da Magistratura.

Verbas que são contestadas no Supremo e que repousam à espera de uma resposta. Auxílio-transporte para o magistrado que não tiver carro oficial, prêmio por produtividade, indenização de transporte de bagagem e mobiliário, auxílio-moradia, auxílio-creche, auxílio-educação para quem tiver filho em escola privada, auxílio-funeral, extensível aos aposentados, auxílio plano de saúde, ajuda de custo para capacitação, ajuda de custo por hora-aula por participação em bancas de concurso público, reembolso por despesas médicas e odontológicas não cobertas pelo plano de saúde, ajuda de custo para cursos, como especialização, retribuição por acúmulo de funções.

Os benefícios farão aumentar a remuneração de suas divindades, os Senhores magistrados e, pagamentos que afrontam o regime de subsídio previsto na Carta de 1988. Na última sessão administrativa, vale dizer, os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso fizeram críticas ao pagamento de adicionais, especialmente verbas deferidas judicialmente, inclusive pelo STF.

Os benefícios se somam a outros que encontram previsão na lei desde 1979, como diárias, ajuda de custo para mudança, férias de 60 dias, salário-família, verba de representação, gratificação por exercício de atividade em comarca de difícil acesso. E se juntam a outro rol de benefícios criados, mas sem previsão de pagamentos. Como licença paternidade de 8 dias, licença-prêmio, afastamento para tratar de assuntos particulares.

O texto estabelece as regras para o pagamento de todos esses benefícios:

– O prêmio por produtividade será pago ao magistrado uma única vez por semestre, em janeiro e em agosto de cada ano. Para isso, basta ao juiz, nos seis meses anteriores, proferir mais sentenças do que o número de processos recebidos mensalmente. Cumprida a meta, o juiz recebe um salário a mais por semestre.

– O auxílio-transporte para o juiz que não dispuser de carro do tribunal será equivalente a 5% do valor do subsídio mensal do magistrado, e será pago para os deslocamentos entre o trabalho e a casa do juiz.

– O auxílio-educação, também equivalente a 5%, será devido ao magistrado que tiver filho com idade entre 6 e 24 anos e que esteja cursando o ensino fundamental, médio ou superior, em instituição privada.

– O auxílio-alimentação será pago mensalmente ao magistrado, inclusive no período de férias, no montante correspondente a 5% do subsídio.

– O auxílio-creche será devido mensalmente ao magistrado, no valor de 5% do subsídio por filho, desde o nascimento até os seis anos de idade.

– O auxílio-plano de saúde será pago mensalmente ao juiz no valor de 10% do subsídio para o magistrado e para sua mulher, e a 5% do subsídio para cada um dos seus dependentes.

– Além disso, cada tribunal deve proporcionar serviços de assistência médico-hospitalar aos juízes, incluindo serviços profissionais médicos, paramédicos, farmacêuticos, fisioterapêuticos, psicológicos e odontológicos.

– A ajuda de custo para capacitação será paga ao magistrado, mensalmente, para o pagamento de cursos de aperfeiçoamento, especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado, correspondendo a 10% nos casos de instituições situadas no Brasil, e a 20% quando se tratar de instituição situada no exterior.

– Será paga indenização de permanência ao juiz que tiver completado tempo de serviço para aposentadoria, mas que permanecer trabalhando. O benefício corresponderá a 5% do total da remuneração, por ano de serviço excedente, até o limite de 25%.

– O juiz receberá o adicional por prestação de serviços de natureza especial se participar de mutirões de conciliação, treinamentos, projetos sociais, fiscalização de concursos públicos.

O texto prevê ainda que todo magistrado que fizer uma viagem a trabalho ao exterior terá direito a portar passaporte diplomático, livrando-os de passar pela alfândega e tirando-os das filas da imigração.

Ainda, caso aprovado o texto da divindade, terão os juízes prioridade “em qualquer serviço de transporte ou meio de comunicação” quando em serviço de caráter urgente. O estatuto ainda garante aos magistrados “livre trânsito em portos, aeroportos e rodoviárias, quando em serviço”.

Outra prerrogativa divina do novo texto garante ao juiz “dispor de vigilância especial, a ser prestada pelos órgãos de segurança pública federal e estadual, para a preservação de sua integridade física, de sua família e de seus bens”. Para isso, deverá requisitar justificadamente a segurança especial.

Mas se o juiz considerar que a situação revela-se emergencial, requisitará diretamente a proteção especial à polícia. E se o órgão de segurança se recusar, “incorrerá em infração disciplinar grave, ato de improbidade administrativa ou ilícito penal no caso de recusa, negligência ou sonegação dos meios necessários à efetivação das medidas requisitadas”.

Os Senhores juízes também poderão usar carteira funcional expedida pelo tribunal a que estiverem vinculados. A “carteira de juiz” terá força de documento legal e servirá como porte de arma de defesa pessoal e aquisição de munições, “independentemente de providências administrativas”. Mais do que nunca, apta para a famosa “carteirada”, ato que Deuses, e mesmo Semi-Deuses, aqui no Brasil, já costumam praticar com certa constância, e que se aprovado o texto praticarão, mais do que nunca com razão, sob o fundamento da expressão “em nome da fé”.

Os juízes inativos (aposentados) contarão com as mesmas prerrogativas dos ativos. O texto não esclarece se todas as prerrogativas do cargo são mantidas para os aposentados. Informa apenas que serão mantidas as que couberem.

Segue as prerrogativas da Loman e em sequencia, a lista de prerrogativas do novo estatuto.

Lei Orgânica da Magistratura, de 1979:


Art. 33 – São prerrogativas do magistrado:

I – ser ouvido como testemunha em dia, hora e local previamente ajustados com a autoridade ou Juiz de instância igual ou inferior;

II – não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão especal competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado (vetado);

III – ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final;

IV – não estar sujeito a notificação ou a intimação para comparecimento, salvo se expedida por autoridade judicial;

V – portar arma de defesa pessoal.

Parágrafo único – Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

Minuta do novo Estatuto da Magistratura:


Art. 92. São prerrogativas do magistrado:

I – não ser preso senão por ordem escrita do tribunal ou do órgão especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável e quando não se permitir liberdade provisória sem pagamento de fiança, casos em que a autoridade, sob pena de responsabilidade, fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do tribunal a que esteja vinculado, a quem remeterá os autos referentes à prisão, vedada a condução do magistrado a delegacia de polícia ou estabelecimento semelhante;

II – ser recolhido em sala especial de Estado-Maior, com direito à privacidade e à disposição do tribunal competente para o julgamento, quando sujeito a prisão antes da decisão final, inclusive na prisão em flagrante, e em dependência separada no estabelecimento prisional em que tiver de ser cumprida a pena;

III – ser ouvido como testemunha ou parte autora de uma ação em dia, hora e local previamente ajustados com a autoridade administrativa, policial ou judiciária;

IV – não ser interrogado em processo disciplinar ou criminal, a não ser por magistrado de instância igual ou superior, ainda que integrante ou designado pelo Conselho Nacional de Justiça;

V – não ser indiciado em inquérito policial, observado o disposto no § 1o deste artigo;

VI – usar carteira funcional expedida pelo tribunal a que estiver vinculado, com força de documento legal de identidade, e expressa autorização, pelo Presidente do respectivo tribunal, quando for o caso, para porte de arma de defesa pessoal e aquisição de munições, independentemente de providências administrativas;

VII – ter ingresso e livre trânsito, em razão de serviço, em qualquer recinto público ou privado, respeitada a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio;

VIII – ter prioridade, em qualquer serviço de transporte ou meio de comunicação, público ou privado, no território nacional, quando em serviço de caráter urgente;

IX – ter livre trânsito em portos, aeroportos e rodoviárias, quando em serviço;

X – portar passaporte diplomático, quando em viagem a serviço no exterior;

XI – dispor de vigilância especial, a ser prestada pelos órgãos de segurança pública federal e estadual, para a preservação de sua integridade física, de sua família e de seus bens, quando justificadamente requisitá-la ao respectivo tribunal, salvo em situação de emergência, hipótese em que o fará diretamente à autoridade policial, que incorrerá em infração disciplinar grave, ato de improbidade administrativa ou ilícito penal no caso de recusa, negligência ou sonegação dos meios necessários à efetivação das medidas requisitadas, informando o magistrado, de imediato, a instância superior.

§ 1o Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá imediatamente os autos ao tribunal ou órgão especial competente, para os devidos fins.

§ 2o O magistrado aposentado mantém, no que couber, a titulação e as prerrogativas do cargo, não podendo utilizá-las em eventual exercício da advocacia.

De todo exposto percebemos que, o Brasil está em um momento em que se procura a formação de verdadeiras castas dentro da sociedade, buscando conferir às que se pode alcunhar como “castas de poder” muito além de prerrogativas funcionais, verdadeiros privilégios que, de tão distantes da realidade da nossa sociedade, estas passam a ostentar poderes próprios de “Deuses inseridos na Terra”.

Fica a crítica para reflexão, quando queremos dizer que não é o distanciamento, mas a aproximação que nos trará uma sociedade mais cooperativa, justa e solidária nos termos da Constituição Brasileira de 1988.

Pensei por parquíssimos segundos em momento de puro devaneio na possibilidade de propor uma ação popular, quando retornei rapidamente à realidade e lembrei-me que seria Deus, ops, um magistrado, o julgador da ação. 





Leonardo Sarmento. Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo de Trabalho pela FGV.

sábado, 20 de dezembro de 2014

ESCALADA DAS DEGRADAÇÕES

REVISTA ISTO É N° Edição: 2352 | 19.Dez.14


Gilmar Mendes. "Vivemos uma escalada das degradações". Ministro do STF diz que a Lava Jato pode atingir outros órgãos do governo e que não adianta discutir financiamento de campanha antes da revisão do sistema eleitoral

Eumano Silva



ROTINA
Para o ministro do STF, é difícil imaginar que haja negócios sem irregularidades


Os brasileiros devem se preparar para viver, em 2015, um ano de grandes desafios nos três poderes da República. Esse é o diagnóstico do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A mais alta corte do Judiciário deverá julgar, por exemplo, várias questões relacionadas ao salário do funcionalismo público, assunto que tem reflexos no Executivo e no Legislativo. O caso que vai mobilizar as principais autoridades do País, no entanto, será o escândalo da Petrobras.


"Nós que tínhamos tanto orgulho da Petrobras estamos todos
constrangidos e envergonhados. Estamos sendo
apresentados como culturalmente corruptos"


As decisões do STF sobre as descobertas da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, podem atingir caciques políticos com mandato eletivo, executivos e donos de grandes empresas – em especial empreiteiras –, integrantes do governo atual e de gestões passadas. Pelo que viu, até agora, Mendes se diz “chocado e perplexo” com a extensão da rede criminosa que sangra os cofres da maior estatal do País. Na opinião do ministro, os tentáculos da poderosa organização ilegal podem chegar a outros órgãos do governo. “É difícil imaginar que haja negócios regulares nesse ambiente”, afirma Mendes.


"Temos de definir o custo de campanha. O Duda Mendonça disse que
é preciso acabar com as campanhas artificiais na TV. Vimos agora que,
dos gastos da campanha vitoriosa, mais de R$ 70 milhões foram para o João Santana"

Fotos: Adriano Machado/Agência Istoé; Lúcio Távora/Agência A Tarde; Felipe Barra


Istoé - O STF está preparado para essa situação?


Gilmar Mendes - Penso que sim. O tribunal tem crescido em momentos difíceis, isso é próprio de instituições com certa tradição. Muitas vezes o tribunal é maior do que a composição individual, que às vezes deixa a desejar. Mas a gente não pode atribuir essa missão exclusivamente ao tribunal. É fundamental que o estamento político realize sua missão. Por exemplo, a reforma política não pode ser obra de tribunal.

Istoé - O que mais chama sua atenção nesse processo deflagrado pela Operação Lava Jato?

Gilmar Mendes - Estou chocado e perplexo com as revelações em torno da Petrobras. Um dia desses um jornal publicou que, entre dirigentes da Petrobras, havia até um tipo de troca de créditos de propina. É difícil, diante da narrativa a que tivemos acesso até aqui, imaginar que haja negócios regulares nesse ambiente. Chega ao cidadão, mesmo aos mais simples, a ideia de que essa é a rotina. Isso choca. É a normalização do mal.

Istoé - Por que isso acontece?


Gilmar Mendes - Até pouco tempo atrás costumava-se dizer que a corrupção estava associada ao financiamento eleitoral. Mas estamos a ver que os recursos não fluem necessariamente para os caixas dos partidos. Há patrimonialização, contas no exterior em volumes elevadíssimos, até uma devolução de US$ 100 milhões. Fala-se também, nas delações, de pessoas que já assumiram compromisso de devolver R$ 500 milhões. No mensalão, nós orçávamos os valores dos desvios em torno de R$ 170 milhões e achávamos que aquilo era significativo.

Istoé - Qual é o grande ensinamento do processo do mensalão?


Gilmar Mendes - Do ponto de vista institucional, acho que mostrou que se encerrou um ciclo tendencial de impunidade. Virou um processo símbolo, por conta de todas as implicações, dos sujeitos envolvidos. Do ponto de vista processual, mostrou-se também que é quase impossível julgar um processo com 40 pessoas, aqui, no plenário do Supremo. Por isso, fragmentamos as competências do plenário, passamos para as turmas e estamos a exercitar essa segmentação de processos.


Istoé - Apesar das condenações do mensalão, o escândalo da Petrobras demonstra que as práticas corruptas continuaram. Houve mesmo esse aspecto educativo?

Gilmar Mendes - A gente percebe que tem algum efeito, talvez, tendo em vista a delação premiada agora. As pessoas viram, por exemplo, que os operadores, como o publicitário Marcos Valério ou Kátia Rabello, do Banco Rural, tiveram penas elevadas, se levarmos em conta as que foram aplicadas às pessoas do segmento político. Tenho a impressão de que isso estimulou esse ânimo de cooperação que nós estamos vendo e que está resultando positivo. Mas concordo que a práxis indica uma certa normalização desse tipo de conduta. Se imaginamos que essa rede de propinas se instalou há muitos anos na Petrobras, por que não estará também em outras estatais, nos fundos de pensão e em outros entes sob a influência desse Estado ocupado partidariamente?


Istoé - A Petrobras sobrevive a essa crise?

Gilmar Mendes - Esse é o grande desafio. Nós que tínhamos tanto orgulho da Petrobras, de suas façanhas históricas, estamos todos constrangidos e envergonhados. Essas investigações nos Estados Unidos são constrangedoras. Empresários que também têm raízes no exterior dizem que essas investigações se refletem também em outras empresas brasileiras. É a credibilidade do País que está sendo afetada. Estamos sendo apresentados como culturalmente corruptos. Isso é extremamente grave, precisamos reagir. Vivemos uma escalada das degradações.

Istoé - Por que o sr. pediu vista de um processo que acaba com as doações eleitorais das empresas privadas?

Gilmar Mendes - O discurso fácil é que a corrupção existe por conta do financiamento das empresas privadas. Parece que o petrolão está desmentindo isso. O Brasil chegou ao modelo do financiamento das empresas privadas depois do episódio do impeachment do presidente Fernando Collor. Foi a CPMI do Paulo César Farias e do Collor que recomendou a adoção do financiamento das empresas privadas, com um certo limite, para evitar o caixa 2. E agora se diz que o financiamento das empresas privadas rima com corrupção. Parece que se imaginava, com isso, mudar o sistema eleitoral. O partido que desenhou essa proposta (o PT) queria o financiamento público e o voto em lista. A minha objeção é que nós temos de discutir o sistema eleitoral para saber qual é o modelo de financiamento. E não discutir o modelo de financiamento para definir o sistema eleitoral.


Istoé - Nas contas eleitorais da presidente Dilma, o sr. chegou a suspeitar de doações feitas no caixa 1 com dinheiro ilegal...


Gilmar Mendes - Não se sabe, necessariamente. Chamo a atenção para o fato de que não adianta simplesmente vedar a participação das empresas privadas se nós não definirmos qual vai ser o modelo eleitoral. E, claro, temos de definir o custo de campanha. O publicitário Duda Mendonça disse que é preciso acabar com as campanhas artificiais na televisão. Vimos agora que, dos gastos da campanha presidencial vitoriosa, mais de R$ 70 milhões foram para o (marqueteiro) João Santana.

Istoé - O que os técnicos do TSE apontaram de mais importante no trabalho sobre as contas da presidente Dilma?

Gilmar Mendes - Os técnicos apontaram alguns desvios, mas um percentual alto estava no fato de não ter havido a prestação de contas no tempo certo, o que é um problema operacional sério para os partidos e, por isso, reconhecemos. Algumas incongruências nós apontamos. Por exemplo, o segundo maior gasto, de R$ 24 milhões, foi para aquela empresa de São Bernardo dirigida por um motorista. Surgiram dúvidas se determinada empresa fez doação porque é grande beneficiária de financiamento do BNDES. Há nisso uma condicionalidade, ou não? A mesma coisa vale para empresas prestadoras de serviço para o governo. Tudo isso não é suscetível de ser examinado no âmbito do TSE. Por isso, mandamos essas dúvidas para os órgãos competentes como Ministério da Fazenda, Coaf e TCU para que possam também fazer a devida avaliação.


Istoé - Além dos julgamentos de pessoas com direito a foro especial, que outros casos vão mobilizar o STF em 2015?

Gilmar Mendes -  Teremos a retomada das atividades nas causas de repercussão geral – algumas já foram colocadas este ano. Por exemplo, o direito a uma possível revisão geral anual dos salários dos funcionários públicos. Isso começou a ser julgado e está com um pedido de vista. Temos a desaposentação, também já colocada, várias questões de índole tributária e os planos econômicos, cuja votação ficou suspensa. Há também refregas corporativas. Nós temos muitas questões salariais tensionando o ambiente. Os próprios juízes estão mais reivindicativos. Nós temos essa questão do auxílio-moradia e certamente outras categorias vão tentar também obter algum tipo de vantagem. Vislumbro um ano muito tenso nesse ambiente corporativo, especialmente no STF.


Istoé - Até que ponto essas ações que aumentam os gastos públicos ameaçam as contas do governo?

Gilmar Mendes - Estou muito preocupado com esse quadro. Tenho a responsabilidade fiscal como um pressuposto de toda a ação estatal. Quando começamos a conceder vantagens sem base legal, em geral infringimos também a lei orçamentária e corremos o risco de, daqui a pouco, termos dado um benefício sem termos condições de assegurar a sua continuidade. Na magistratura federal nós já temos o auxílio-alimentação e, recentemente, o auxílio-moradia, baseado em uma liminar do ministro Luiz Fux, estendido pelo CNJ. Tem um valor único, de R$ 4.500, independentemente do local onde a pessoa vive, e de o sujeito ter ou não imóvel. Isso convida outras categorias a reproduzir a mesma prática, como já acontece no Ministério Público, que é paradigma dessa ação. A defensoria pública está fazendo a mesma coisa. Daqui a pouco, vêm auditores, delegados, consultores legislativos e assim por diante.


Istoé - A Comissão da Verdade recomenda uma reinterpretação da Lei da Anistia. O sr. acredita que possa haver uma mudança nessa questão?

Gilmar Mendes - Vamos aguardar a provocação. Existe um dado que, às vezes, escapa. A ideia da anistia ampla, geral e irrestrita veio também no próprio processo constituinte, no artigo 4° da emenda que convocou a Assembleia Nacional Constituinte. Está na base da nossa ordem constitucional. A emenda incorporou aquela regra básica. A mim me parece que esse debate foi levado a cabo com toda a competência em todos os sentidos pelo tribunal.

A VITÓRIA DOS FICHA SUJAS




ZERO HORA 21 de dezembro de 2014 | N° 18020


EDITORIAL

O desfecho de mais um caso envolvendo Paulo Maluf frustra todos os que acreditavam na efetividade da Lei da Ficha Limpa.



O político apontado como exemplo negativo de homem público, punido pela Lei da Ficha Limpa pela sua extensa trajetória de delitos, está livre para voltar a exercer atividades parlamentares. O deputado federal eleito Paulo Maluf (PP-SP), beneficiado por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, será diplomado e irá retomar sua cadeira na Câmara. A candidatura de Maluf havia sido cancelada, às vésperas da eleição, por decisão do mesmo TSE, em decorrência da sua condenação por improbidade administrativa quando era prefeito de São Paulo, nos anos 1990. Como cabia recurso, seu nome foi mantido nas urnas e ele recebeu votos suficientes para se eleger. Nesta semana, o Tribunal revisou a decisão anterior: para surpresa geral, Maluf foi considerado elegível, tomará o lugar de outro deputado eleito e retornará ao Congresso.

É um deboche, por mais que a deliberação tenha um controverso amparo legal. Alegam os ministros que, em maioria de quatro a três, votaram pelo registro da candidatura o fato de Maluf não ter sido condenado por atos dolosos no caso do superfaturamento de obras e desvio de recursos da prefeitura. Isso quer dizer que teria participado involuntariamente de um esquema de corrupção – ou, dito de outra forma, Maluf cometeu improbidade sem querer. É absurdo que um político condenado por envolvimento em caso amplamente comprovado – e com o dinheiro desviado localizado em paraísos fiscais – seja considerado participante distante ou passivo de um sistema de superfaturamento e desvio de dinheiro do município.

Está provado que Maluf participava de um conluio com empreiteiras, é dono das contas identificadas no Exterior e ainda responde a ações criminais no Supremo. Mas Maluf escapa quase sempre e dá sinais de que pode estar escapando mais uma vez, graças às manobras de interpretação das leis e às chamadas chicanas jurídicas, que manobram com prazos, prescrições e toda forma de recurso diversionista. É inacreditável que uma lei criada para evitar que políticos corruptos ou envolvidos em outros crimes continuem atuando livremente enfrente obstáculos pela falta de clareza. Por que o senhor Paulo Maluf dispõe do benefício de uma interpretação enviesada da Ficha Limpa, se é notório e provado seu envolvimento com a corrupção?

A desculpa de que o TSE está sendo rigoroso na obediência à lei deixa dúvidas. Primeiro, porque falta convicção à decisão. Maluf foi barrado na primeira vez pelo mesmo escore que agora o absolveu. Os eleitores e a população em geral têm abalada, com mais esse episódio, a esperança de que os políticos flagrados em delito deixariam de desfrutar a impunidade. Os legisladores e os tribunais terão de ser menos evasivos em questões decisivas para a moralização da atividade pública.

O LEITOR CONCORDA

Concordo plenamente com o editorial. Porém, o que é incompreensível e chama a atenção é uma criatura como o Paulo Maluf, com envolvimento comprovado em diversos casos de corrupção e improbidade administrativa, ainda receber uma numerosa quantidade de votos. Se o deputado é representante legítimo de uma parcela da sociedade que o elegeu, o Estado de São Paulo está precisando de mais presídios.
MOISÉS MACIEL, GRAVATAÍ (RS)

Tenho 52 anos de idade e é a primeira vez que vejo um embargo de declaração mudar o resultado de um julgado. Segue-se a isso a viagem a “serviço” do ministro Admar Gonzaga, que já havia condenado Maluf. O outrora prefeito biônico se mostra invencível nos tribunais e muitos processos a que deveria responder estão em “coma induzido” no Supremo. Esse deputado, em outros países, já estaria preso há décadas, mas no Brasil foi confortado pelo abraço de Lula, na sua mansão dos Jardins, na capital paulista. Não tenho estômago de cristal, e fico a me perguntar como se sentem os juristas de ofício, que têm de digerir essas aberrações jurídicas. Casuísmos no Judiciário? Operação Lava-Ficha? É desanimador, para dizer pouco!
CARLOS RENATO DOS SANTOS COSTA, SANTA CRUZ DO SUL (RS)

Concordo. Acho que “ficha limpa” deveria ser um argumento “sério” para elegermos um candidato, não deveriam aparecer brechas. Isso pra mim se chama falcatrua. Mas, em um país que reelege impitchimados, elege analfabetos... a impressão que se tem é de que “vale tudo”. É lamentável que o povo jogue fora a oportunidade que tem nas mãos de melhorar o país, votando para representá-lo em um candidato que além de ter a ficha “suja” não tem moral para fazê-lo.
ALDA PEGORARO ROEDER, NOVA PRATA (RS)

O LEITOR DISCORDA

Discordo, a questão é moral e não legal. Democracia é a vontade do povo, e o povo elegeu e quer Maluf. Quem pariu Mateus que o embale.
NIRTON VICENTE SCHERER, SÃO LEOPOLDO (RS)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

PRESCRIÇÃO PODE IMPEDIR REPRATRIAMENTO DE MILHÕES DE DÓLARES DEPOSITADOS NA SUÍÇA POR EX-JUIZ CORRUPTO

FOLHA.COM 19/12/14 08:05


Por Frederico Vasconcelos
Decisão do STF pode beneficiar ex-juiz . Prescrição dificultaria repatriamento de US$ 13 milhões depositados na Suíça pelo ex-juiz federal Rocha Mattos.



O Ministério Público Federal avalia que uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (17) pode dificultar o repatriamento de US$ 13 milhões depositados na Suíça pelo ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos.

Trata-se do julgamento de um recurso recurso extraordinário, decidindo que processos penais em curso não podem ser considerados maus antecedentes.

“A existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena”. Essa foi a tese firmada, por maioria, pelo Plenário do STF, durante o julgamento de Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina, com repercussão geral reconhecida.

Sobre a matéria, há pelo menos 73 processos nos quais deverá ser aplicado esse entendimento, provocando um grande número de prescrições e revisões criminais, uma vez que se aplica retroativamente. Um desses processos é um recurso interposto pelo ex-juiz Rocha Mattos, um dos réus da Operação Anaconda.

Por força da decisão do Supremo, o MPF acredita que poderá haver redução da pena numa ação em caso de corrupção promovida contra o ex-juiz. Como a prescrição ocorrerá em 2015, um dos efeitos será a perda dos valores bloqueados na Suíça em favor de Rocha Mattos.

O exame da questão no STF teve início no dia 5 de junho deste ano –depois de longa tramitação– e voltou na última quarta-feira à análise do Plenário para a sua conclusão com a leitura do voto do ministro Celso de Mello.

Ele acompanhou o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, pelo desprovimento do recurso, com base na garantia constitucional de que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória.

Segundo o relator, para efeito de aumento da pena somente podem ser valoradas como maus antecedentes decisões condenatórias irrecorríveis, sendo impossível considerar para tanto investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal.

Celso de Mello entendeu que não devem ser considerados como maus antecedentes: processos em andamento, sentenças condenatórias ainda não confirmadas (ou seja, recorríveis), indiciamentos de inquérito policial, fatos posteriores não relacionados com o crime praticado em momento anterior, fatos anteriores à maioriadade penal ou sentenças absolutórias.

Foram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Em 9 de agosto de 2012, a Procuradora Regional da República Maria Luísa Carvalho, da 3ª Região, enviou ofício a Marco Aurélio, pedindo preferência no julgamento do recurso. Um mês depois, o ministro determinou a devolução da petição à Procuradora, registrando que “junto ao Pleno do Supremo atua o Procurador-Geral da República”.

Somente em 23 de agosto de 2013, ao despachar em requerimento da Procuradoria-Geral da República –que manteve as mesmas razões expostas pela procuradora regional–, o relator determinou que fosse dada preferência, mandando a assessoria providenciar informações.

Na ocasião, Marco Aurélio disse que “não dá para imaginar liberar processos em tempo recorde, porque há as preferências legais, regimentais e os processos de pedidos de cautelar”.