MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

sábado, 28 de março de 2015

DESVIOS ÉTICOS E OS PODERES DA REPÚBLICA


ZERO HORA 28 de março de 2015 | N° 18115


RODRIGO TRINDADE DE SOUZA*





No sábado passado, ZH publicou artigo tratando de juízes acusados de desvios éticos. Como poder de uma República em que irregularidades de conduta não são fenômenos nem recentes, nem raros, não podemos estranhar, mas entender que, se cada parcela da administração carrega suas características de mau uso de atribuições, também o Judiciário tem as suas.

Apesar de recorrências bastante diferentes no Executivo e no Legislativo, os desvios dos magistrados não se justificam porque os demais poderes têm assiduidade astronomicamente superior. Se estatísticas não podem ser ignoradas, também é certo que a redução de descaminhos passa por um processo geral de conscientização e modulação de meios de fiscalização conforme agentes e campos de atuação.

Como bem lembrado no artigo, a questão central é como o Judiciário trata, fiscaliza e pune seus agentes: aí está a efetiva preocupação com o tema.

Refere quatro juízes que teriam agido de forma indevida e todos ou tiveram penas de cassação de aposentadoria, ou prisão, ou foram afastados de suas funções e amargaram sindicâncias. As faxinas em partidos e administração pública apenas há alguns anos ensaiam doses parecidas de asseio e toda a sociedade espera por ampliações na transparência e punição de culpados.

Parte da baixa recorrência de transvios de juízes pode ser encontrada na estrutura de supervisão do Judiciário. A se iniciar pela seleção em concurso público, imunizada da influência de poder econômico e compadrios, passando pela fiscalização da jurisdição por parte da advocacia, do Ministério Público e de seus órgãos de representação. Segue com a grande estrutura de controle administrativo: corregedorias regionais, nacionais, tribunais superiores e CNJ.

Não há estruturas de fiscalização acabadas, nem vacinadas de desvios éticos. A probidade é conceito moral e somente estará de acordo com a moral quando realizada espontaneamente. Mas não basta acreditar em complexas estruturas policiais, é preciso um processo de conscientização para diminuir tolerância e reduzir impunidade. Nas mentes e em todos os poderes da República.



*Juiz, professor e vice-presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 4ª Região – Amatra-4


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não concordo. As punições no Judiciário são também corporativas e brandas, contribuindo para os baixos índices de confiança no poder. Além disto, o "processo de conscientização para diminuir tolerância e reduzir impunidade" não depende só de "mente" ou educação de casa, mas de um sistema de justiça capaz de prevenir, apurar, processar e punir com celeridade, para educar e promover uma cultura de respeito às leis, à justiça, às autoridades, ao poder que representa, às funções que exercem e aos direitos do outro. Sem este sistema "a grande estrutura de controle administrativo" fica isolado e inoperante, submetido ao corporativismo.

quinta-feira, 26 de março de 2015

CNJ ANALISARÁ CASO DE CORPORATIVISMO DE JUÍZES


JUS BRASIL, 26/03/2015


Repercutiu mal! CNJ reanalisará decisão do TJ que absolveu magistrado reincidente - Corporativismo detectado?

Leonardo Sarmento





Conceituamos como uma decisão que embriaga-se no ardil corporativo àquela impregnada de motivações politicas de autofavorecimento de uma categoria, quando o prestador e o sujeito passivo encontram-se incluídos nesta determinada categoria, quando abdica dos fundamentos jurisdicionais que lhe seriam próprios, que tergiversa em sua finalidade e que pode vir a alcançar a qualificação de teratológica, à depender.

Os princípios da imparcialidade, impessoalidade, da moralidade, da eficiência, da probidade, regra geral, acabam violados, e, a nosso pensar, decisões políticas como estas devem ser declaradas nulas ou reformadas "in totum", conforme o caso.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai revisar a decisao do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ) que absolveu o juiz João Carlos de Souza Corrêa em 2013. Corrêa foi parado em uma blitz em 2011, no Rio de Janeiro, e deu voz de prisão à agente do Detran que fez a abordagem. A conduta do magistrado não foi considerada passível de punição pelo TJ/RJ.

A decisão, no entanto, não foi unânime. À época, o relator, desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto, votou pela aplicação da pena de aposentadoria compulsória. Houve ainda desembargadores que votaram pela aplicação da pena de censura e de advertência. Isso motivou uma revisão do caso no CNJ.

“As discrepâncias entre os votos são tais que conduzem, no mínimo, a uma dúvida razoável capaz de ensejar a revisão disciplinar por este órgão”, disse o conselheiro Guilherme Calmon em seu despacho. Em seu voto, a corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, explicou que no processo do TJRJ, os depoimentos são contraditórios sobre a postura de Corrêa e da agente, Luciana Tamburini. Segundo o CNJ, não há dúvidas, porém, que ele deu voz de prisão a ela e conduziu o próprio carro à delegacia, mesmo após Luciana ter determinado a apreensão do veículo.

No dia da abordagem, ela determinou que o carro do juiz fosse rebocado ao verificar uma série de irregularidades na documentação. Ao se identificar como magistrado, a agente disse a João Carlos que ele “era juiz, mas não Deus”. O magistrado então deu voz de prisão à agente e a processou. Em decisão judicial, Luciana acabou condenada a pagar R$ 5 mil ao juiz por danos morais, o que foi mantido em segunda instância.

Não é a primeira vez que o juiz se envolve em polêmicas. De acordo com o CNJ, existem outros episódios atribuídos a ele e que podem caracterizar violação à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). Dentre eles, dirigir em alta velocidade e com uso de giroflex(luminoso utilizado em viaturas) e usar o cargo para tentar atracar um transatlântico que estava na região para que ele pudesse fazer compras no free shop da embarcação. “Os indícios de que há violação à LOMAN se mostram suficientes para embasar o pedido de revisão por esse plenário”, concluiu Nancy Andrighi.

Não temos dúvidas ao infirmarmos a necessidade de um magistrado ser um paradigma para sociedade de probidade, transparência, cortesia, prudência, dignidade, honra e decoro, nos termos da LOMAN. As exigências de uma conduta ilibada e “paradigmável”, que sirva como exemplo, são alguns dos ônus correspectivos pela posição diante da sociedade que ostentam.

Entendemos que deva sim, o CNJ cumprir o seu papel constitucional e estatutário, que dentre outros concernentes, o de fazer cumprir o Estatuto da Magistratura sem que se reverbere nuances de corporativismos. Deve sim, controlar qualquer indício de decisão que possa se mostrar corporativa, e desta forma andou muito bem o CNJ ao avocar o processo e a competente decisão absolutória proferida em favor do magistrado João Carlos de Souza Correia.

Apenas com o fito de esclarecer, é o Plenário do CNJ que delibera se a absolvição de um juiz merece ser ou não reexaminada. No caso em tela, o Plenário entendeu que a decisão deve sim, ser revisitada pelo Conselho Nacional de Justiça.

Aproveito para anunciar que amanhã trarei aos nobre jurisconsultos um artigo extremamente crítico e que aconselharia a visita. O título será:

"A política e o “direito de mentir”: Nossa democracia representativa na tutela dos políticos profissionais".






Leonardo Sarmento

Professor constitucionalista


Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo de Trabalho pela FGV. Autor de algumas...

terça-feira, 24 de março de 2015

O ROJÃO E A PRAÇA



ZERO HORA 24 de março de 2015 | N° 18111


NAELE OCHOA PIAZZETA*



Os movimentos de junho de 2013, inicialmente pelo passe livre, pouca ou nenhuma repercussão encontraram no governo federal. Muito barulho por nada. A presidente da República reelegeu-se e a vida seguiu como antes.

De concreto, uma praça e um corpo envolto em chamas. Uma vida perdida e a população chocada pelo ato de dois indivíduos, Caio Silva e Fábio Raposo, que deflagraram o rojão que marcou para sempre a atuação anárquica e irresponsável de membros do movimento conhecido como Black Blocs.

Presos preventivamente por homicídio triplamente qualificado, obtiveram a liberdade graças à desclassificação do crime para outra figura típica, a de explosão seguida de morte. Por esse serão julgados.

Afora a trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade, restou a tormentosa discussão acerca do dolo eventual.

Enquanto no dolo direto é necessário, no momento anterior ao crime, que o autor queira o resultado e obre no sentido de produzi-lo, no eventual, o resultado mais grave não é desejado, mas previsível ao agente, que a ele adere e assente. Exemplo do motorista que, imprimindo velocidade excessiva, avista o pedestre, sabe que poderá atingi-lo e não deixa de agir, assumindo o risco do atropelamento.

Mas o resultado morte ou lesão corporal pode não se situar no âmbito volitivo do agente e aí entra-se na seara do crime preterdoloso. O sujeito quer um determinado resultado e o obtém, mas consegue também outro, que não queria. O exemplo é o tapa desferido, a queda e a morte inesperadas.

O que moveu Caio e Fábio ao levarem o rojão à praça densamente ocupada, e o artefato, em sua trajetória errática, vir a atingir a cabeça de Santiago Andrade? Pode-se afirmar que queriam a morte ou com ela concordaram, ou objetivavam a explosão e a morte foi a sua consequência?

A resposta ficará para sempre no recôndito da consciência dos acusados. Resta-nos almejar, segundo Amós (5:25), que a justiça flua como as águas e o bem como caudaloso rio.

*Desembargadora do TJRS

domingo, 22 de março de 2015

CADÊ LALAU



ZERO HORA 22 de março de 2015 | N° 18109


JUSTIÇA. O que aconteceu com Lalau, o mais famoso juiz corrupto



O juiz que protagonizou o maior escândalo de corrupção foi Nicolau dos Santos Neto:

Lalau foi condenado em 2006 a 26 anos de prisão pelo desvio de R$ 170 milhões durante a construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, na década de 1990. À época, era presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

Ele deixou em junho do ano passado a Penitenciária de Tremembé (SP), aos 85 anos. Foi beneficiado com indulto concedido a presos com mais de 60 anos com problemas de saúde que já tenham cumprido mais de um terço da pena.

Aposentado desde o fim dos anos 1990, cumpriu a maior parte da pena em regime domiciliar.

Sua condenação definitiva, sem possibilidade de recursos, só ocorreu em 2013 pela Justiça, 14 anos após o surgimento do escândalo.

Advogados de Lalau ingressaram na Justiça para tentar recuperar sua aposentadoria, cassada em 2000, alegando que deixou de ser paga antes da condenação definitiva, o que configuraria “enriquecimento ilícito do Estado”. Mas o Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho tribunal manteve a decisão, em fevereiro deste ano.

Em 2013, a Justiça da Suíça autorizou a repatriação de US$ 6,8 milhões que estavam bloqueados, desde 1999, na conta de Lalau.

SOB JUÍZO PÚBLICO




ZERO HORA 22 de março de 2015 | N° 18109

POR LETÍCIA DUARTE 


JUSTIÇA. “A lei está fracassando para todo mundo”. Punições brandas e falta de formação ética e humana são apontadas como fatores que favoreceriam abusos protagonizados por magistrados


Faz parte do desenvolvimento de qualquer ser humano pensar que é Deus no princípio de sua existência. O fato de certas autoridades continuarem se acreditando divinas, pelo contrário, é um sintoma que pode se tornar uma doença social.

A interpretação é da psicanalista Lisia Leite, integrante do Centro de Estudos Psicanalíticos e da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre e uma das autoras do livro Novos Tempos, Velhas Recomendações sobre a Função Analítica – Freud 100 Anos Depois (Sulina, 2013).

A seguir, a síntese da entrevista:

Como a psicanálise vê o caso de abusos de autoridades praticados por magistrados, como juízes que se acham deuses?

Podemos pensar em termos de autoridade, que é mais amplo do que pensar só no caso de juízes. Do ponto de vista da psicanálise, qualquer ser humano passa por uma fase da vida em que se acha Deus. É natural, normal, necessário, faz parte do desenvolvimento psíquico. Isso costuma acontecer quando o bebê tem uma experiência de fusão com a mãe. É a ilusão de que pode tudo. Para que o psiquismo possa atingir um estado de bom funcionamento, é necessário que isso seja em algum momento interditado. Aí entra a função paterna, que pode ser exercida por qualquer pessoa, e coloca limites. É preciso uma interdição que faça com que cada um de nós reconheça que existe uma lei maior do que nós. Qualquer profissional adulto que ocupe o lugar da lei precisa conseguir se submeter a uma lei e se dar conta de que ele não é a lei, é um representante dela, que é o que falha nesses casos que tu mencionas.

Diante da sucessão de casos de abusos cometidos por autoridades, o que isso revela sobre nossa sociedade?

A sociedade está doente disso. Todas as figuras de autoridade estão tendo o mesmo tipo de problema. As instituições, a Presidência, o hospital, a escola, etc. Qualquer instituição que deveria se ocupar de ser a representante da lei está com a lei em fracasso. Por isso a gente está vivendo a situação caótica do país atualmente. O caso desses juízes é um exemplo disso, um fracasso de algo que deveria conter a transgressão. Na sociedade atual, estamos coletivamente vitimizados por um fracasso da lei. Aí ficamos pensando, por exemplo, que tem um grande corrupto, mas aquele pequeno corrupto, ou o que faz delação premiada, quase merece elogio. Não é assim. A lei está fracassando para todo mundo. Isso indica que o limite está em falência na sociedade.

Por que esses casos parecem estar aumentando?

No Brasil a gente saiu de um período de ditadura para um período de abertura. Saímos de um exercício de lei na base da força e da repressão, que se desfaz para virar uma terra sem lei. Me parece que isso faz parte de um processo. Saímos de uma determinada ordem, que era ruim, para uma desordem que tambem é ruim. Mas sou otimista: espero que isso nos leve para um momento de reorganização. Antes não se podia nada, na ditadura. Agora podemos tudo. Temos que poder julgar o que pode e o que não pode. É um valor ético que se coloca como medida da tua ação. Estamos em uma época em que ninguém acha que a ação tem limite. É uma questão do poder. Toda vez que alguém ocupa um lugar de autoridade, é convocado a exercer esse lugar. Se não houver algo que barre isso, a pessoa pensa que pode tudo.

Em quatro meses, pelo menos três manchetes desequilibraram a balança da Justiça:

O caso mais recente foi o do juiz federal Flávio Roberto de Souza, que foi flagrado dirigindo o Porsche de Eike Batista – e reagiu dizendo que sua conduta era “absolutamente normal”. Semanas depois, confessou ao Ministério Público também ter desviado US$ 150 mil e 108 mil euros dos cofres da 3ª Vara Criminal do Rio (dessa vez, ao menos, não disse que isso era normal).

Dois meses antes, seu colega Marcelo Baldochi, titular da 4ª Vara Cível de Imperatriz, no Maranhão, chegou atrasado a um voo da TAM e foi impedido de embarcar. Inconformado, deu voz de prisão aos funcionários.

Já João Carlos de Souza Corrêa, titular do 18º Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro, processou a agente de trânsito que disse que ele “era juiz, mas não Deus”. E ganhou a causa – julgada pelos seus pares –, em novembro de 2014.

A sucessão de polêmicas envolvendo integrantes da magistratura provoca debates acalorados, permeados pela dúvida se seriam casos isolados ou tendência nacional. Mas há pelo menos um consenso: mesmo que sejam minoria entre os 16.812 juízes em atividade no país, os desvios de conduta praticados por quem deveria ser exemplo de retidão abalam a imagem de todo o Judiciário.

– O dano à credibilidade da magistratura é instantâneo. É uma sangria institucional – define Joaquim Falcão, professor de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.

Conhecida por denunciar os “bandidos de toga” quando era corregedora nacional de Justiça (2010-2012), a ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon acredita que a corrupção no Judiciário está em curva ascendente. Uma das origens seria o crescimento do papel e do tamanho da magistratura, que teria ocorrido de “forma desordenada”.

– Depois da Constituição de 1988, tudo passa pelo Judiciário. E isso fez com que a magistratura crescesse muito na base, mas não cresceu com qualidade – opina.

Um dos calcanhares de Aquiles seria o processo de seleção dos juízes, considerado “muito técnico”. Ao ser aprovado com base em uma prova teórica, o candidato pode demonstrar amplo conhecimento sobre leis, mas estar desconectado de princípios éticos e sociais. Eliana observa, por exemplo, que até o exame psicotécnico deixou de ser eliminatório em alguns tribunais, como o Tribunal Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro.

– Já vi três casos de pessoas que passaram pelo concurso e tiveram de ser afastadas por insanidade mental – argumenta.

A essa falha nos processos seletivos soma-se uma tradição de impunidade. Para Eliana, a ausência de punição adequada resulta em aumento dos desvios éticos entre a categoria:

– O juiz tem a certeza de que pode fazer qualquer coisa e que não vai acontecer nada. A falta de controle permite que a corrupção se instale.

Não que inexistam punições. Desde a criação do Conselho Nacional de Justiça, há 10 anos, a fiscalização sobre os tribunais aumentou. De 2005 até hoje, 69 magistrados e quatro servidores foram punidos, num total de 75 penalidades aplicadas. Ainda assim, a natureza das medidas é tão branda que há quem questione se podem ser consideradas propriamente punição.

Diretora de pesquisas do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, a professora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Tereza Sadek observa que, mesmo que o juiz seja afastado de suas funções por irregularidades, o máximo que pode acontecer é ser aposentado. Ainda assim, continuará recebendo salário.

– É uma punição muito leve. Essas pessoas são privilegiadas. Se você no jornalismo comete alguma falta grave, é despedida com justa causa. Eu também, como professora, tenho que arcar com as consequências. Mas com os juízes é diferente – analisa.

Na avaliação da pesquisadora, o número de condutas inidôneas não necessariamente estaria aumentado no Judiciário. A diferença é que teriam se tornado mais públicas. O que tem um lado positivo.

– Antes da existência do CNJ não se sabia o que acontecia dentro dos tribunais, nunca teve punição para essas pessoas. Agora temos. Tivemos, inclusive, um ministro do STJ punido. A CNJ mudou a imagem do Judiciário – opina Maria Tereza.

O ministro do STJ afastado foi Paulo Geraldo de Oliveira Medina, acusado de beneficiar, por meio de sentenças, empresas que solicitavam liberação de máquinas caça-níqueis à Justiça. Sua aposentadoria compulsória ocorreu em agosto de 2010, durante a gestão do ministro gaúcho Gilson Dipp à frente da Corregedoria Nacional de Justiça. Embora concorde que as sanções administrativas existentes sejam brandas, Dipp afirma que só podem ser revistas se houver uma modificação na Lei da Magistradura, datada de 1974.

– Muita gente critica, dizendo que a aposentadoria compulsória não é sanção, é prêmio. Mas é o que está na lei. Toda a Lei da Magistratura deveria ser atualizada porque está obsoleta, é anterior à Constituição. Está no Supremo um projeto de elaboração de uma nova lei orgânica, para ser enviada ao Congresso, mas isso não anda há 10 anos – diz.

O advogado Sérgio Renault, que foi secretário da reforma do Judiciário no Ministério da Justiça entre 2003 e 2005, lembra que a criação do Conselho Nacional de Justiça, como fruto da reforma do Judiciário, encontrou resistências no início. Mas representou uma conquista em termos de transparência, permitindo que desvios éticos começassem a aparecer.

– É muito bom que esses casos venham a público, para que tenhamos conhecimento. O juiz é um servidor público. Hoje, além de os casos serem mais visíveis, temos base legal para puni-los – ressalta Renault, atualmente presidente do Instituto Inovare, que reconhece boas práticas na Justiça brasileira.

O afastamento do juiz que usou o carro de Eike Batista e as investigações abertas contra ele na Corregedoria são citados como indícios de avanços contra a impunidade. Para o professor Joaquim Falcão, da FGV-RJ, o maior desafio não é a descoberta de focos de irregularidade entre os magistrados, o que pode ocorrer em qualquer setor. A questão central é como o Judiciário vai tratar, fiscalizar e punir os desvios encontrados.

– O problema é que todos os abalos mostram a lentidão da Justiça, a lentidão em punir os próprios magistrados. E isso é ruim para os bons juízes – analisa.

A expansão dos meios tecnológicos, que permite hoje a qualquer cidadão fotografar e filmar cenas cotidianas, é outro fator que facilita o flagrante de condutas irregulares. Na era pré-celular, o juiz que dirigia o Porsche de Eike Batista talvez passasse despercebido. Com órgãos de controle atuantes, canais para documentar e cobrança pública por providências, ficou mais difícil ignorar deslizes.

– A divulgação do fato dá possibilidade para que se faça juízo de seu valor, senão não poderíamos fazer – analisa Gilson Dipp, ex-vice-presidente do STJ.

Com 35 anos de magistratura, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça gaúcho Breno Beutler Júnior acredita que um dos caminhos para coibir deslizes éticos seria garantir maior formação humana aos juízes. Assim como “há médicos maravilhosos que são um desastre na relação médico-paciente”, haveria juízes extremamente cultos que seriam um “desatre nas salas de audiência”. Anos atrás, ele lembra ter participado de uma reunião de juízes federais, no CNJ, em que um grupo discutia questões relativas a crianças, quando um colega comentou: “Isso é similar ao decreto que trata dos combustíveis”.

– Falta conhecimento emocional. Tinha que ter uma disciplina humanista, porque o juiz sai magistralmente formado na sua área, mas o trabalho é destinado a quem? – questiona Beutler.

O magistrado lembra que o Judiciário não é uma categoria à parte do tecido social. Como os juízes são recrutados na sociedade, seriam também o seu espelho. E suscetíveis a deslizes. Não há olimpo para ninguém, apesar de vozes isoladas insistirem no contrário. Quando os próprios juízes perdem o juízo, a lei precisa ser maior.

– A sociedade não entende. E não tem que entender – reconhece Gilson Dipp.

sexta-feira, 13 de março de 2015

TOFFOLI, O PT E A LAVA JATO!

EV ESPAÇO VITAL Publicação em 13.03.15

Artigo de Edison Vicentini Barroso, desembargador do TJ-SP.
O autor assina o texto como “magistrado (de carreira) e cidadão brasileiro”.




Dados biográficos. Dias Toffoli, 47 anos, ex-advogado do PT (em três campanhas presidenciais de Lula), levado à subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, então comandada por José Dirceu, chegou à Advocacia-Geral da União em 2007, a convite de Lula – seu ‘padrinho’ – e por este indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009. É o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ou seja, um homem de indiscutível digital petista, tornado juiz pelas mãos do representante maior do PT, com cuja história se confunde. Hoje, integrante da 1ª Turma do STF, está a migrar para a 2ª Turma, competente à análise de possíveis futuras ações penais relativas à Operação Lava Jato no âmbito do Tribunal.

Não se discute da possibilidade regimental da medida, para suprir vaga deixada por Joaquim Barbosa e diante da omissão de Dilma Rousseff na nomeação de seu substituto, com vista a evitar empate nos julgamentos (a sempre beneficiar os réus) – já que a 2ª Turma está composta por quatro ministros, número par.

Todavia, nem sempre o que é legal/regimental é oportuno e moralmente aceitável. Até pelas preexistentes intervenções de Toffoli nas coisas afetas às questões político/eleitorais, a pender para o lado do PT, haver-se-ia de dar por impedido de participar de julgamentos afetos a políticos atrelados a Partido e aliados vinculados a governo de sua percebida predileção.

Como homem, que também o é, o ministro não está isento de influências, inda que inconscientemente, suscetíveis de repercutir no seu juízo de valor,levando à eventual dúvida justificável quanto da imparcialidade de sua atuação naqueles julgamentos específicos. Mais que isto, pela dinâmica do STF, com a breve cessação da presidência de Teori Zavascki frente àquela 2ª Turma, Toffoli passará a ser o presidente, encarregado de coordenar seus julgamentos.

No mínimo estranha a conduta de Toffoli, pelos antigos aparentes laços com o PT e seus integrantes, aos quais as decisões muito interessam, ligação que, inda hoje, também aparentemente, persiste. No meio jurídico, sabe-se da total conveniência de que um magistrado, nas condições aqui enfocadas, procure não participar de julgamentos que possam pôr em xeque sua atuação. Isso decorre, até, de regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece.

Seria natural, pois, não procurasse ele a dita migração de Turma, por aspecto contextual visceralmente ligado a seu passado recente. É pôr lenha na fogueira, dar munição à crítica oportuna e eventualmente fundada. E o faz, veja-se bem, na véspera de reunião de última hora agendada com a presidente da República, a durar cerca duma hora e meia.

A opção, associada a esse encontro – que, na aparência, de casual nada tem –, fala desfavoravelmente ao ministro, pelas ligações de sempre com o Partido no Poder, a dar pano pra manga. De fato, o encontro pode ter sido fruto de coincidência – ou não. Mas, uma coisa é inegável: qual acontecido, circunstancialmente, dá no que pensar.

Aqui, não se está a levantar teoria conspiratória, tão-só a refletir e ponderar sobre atitudes razoáveis ou não, recomendáveis ou não – por situações que hoje permeiam a vida nacional. Fica a observação, assim, do inusitado do acontecimento, a fugir do padrão comum do que normalmente sucede.

E isso permanecerá, enquanto não se criem mecanismos novos e justos de nomeação de ministros dos tribunais ditos superiores, baseados não na indicação política de um presidente da República, mas no mérito real daqueles que se candidatem ao cargo.

JUSTIÇA MANDA PRENDER E EM SEGUIDA MANDA SOLTAR

ZERO HORA 13/03/2015 | 06h49


Cesare Battisti consegue habeas corpus para aguardar decisão sobre deportação. Decisão foi tomada pelo desembargador Cândido Ribeiro




Pedido de extradição do italiano havia sido recusado por Lula em seu último dia como presidente Foto: Evaristo Sá / AFP


O ex-ativista italiano Cesare Battisti foi solto por volta da meia-noite na Superintendência da PF em São Paulo depois de o desembargador Cândido Ribeiro ter concedido em caráter liminar habeas corpus determinando a soltura imediata. O desembargador também estabeleceu a nulidade do ato de cassação do visto de permanência de Battisti, porque não compete à Justiça Federal essa decisão. Battisti havia sido preso na tarde de quinta-feira em Embu das Artes, São Paulo.

— Conseguimos um habeas corpus de um tribunal de Brasília. Está livre como qualquer cidadão e vamos apresentar um recurso de apelação ao tribunal regional federal de Brasília que concedeu o habeas corpus — disse o advogado Igor Sant'Anna Tamasauskas.Mais cedo, por volta das 20h15min, o advogado que defende Battisti, Igor Tomasauskas, chegou a dizer na portaria da PF em São Paulo que tinha obtido a libertação de seu cliente. Mas, 15 minutos depois, ele se corrigiu e afirmou que foi confundido pelo oficial de Justiça que trouxe o alvará de soltura de outro italiano.



Relembre o caso

Battisti foi sentenciado à prisão perpétua na Itália por matar quatro pessoas nos anos 1970, crimes dos quais se diz inocente. Em 2004, ele apareceu no Brasil, depois de três décadas fugindo da Justiça.

Trata-se "de um estrangeiro em situação irregular no Brasil e que, por ser um criminoso condenado em seu país por crime doloso, não tem direito a permanecer", avaliou a juíza federal, que determinou sua deportação para o México ou a França, países por onde Battisti passou após fugir da Itália.

Sua extradição para a Itália foi negada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia de seu mandato, em 31 de dezembro de 2010, uma decisão que foi confirmada posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal.

Mas a juíza que ordenou sua deportação considerou nulo o trâmite que lhe concedeu a residência permanente em 2011 porque, segundo a legislação brasileira, não se pode dar esta permissão "a um estrangeiro condenado ou processado em outro país por crime doloso".

* Zero Hora com agências


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Esta divergência comum na justiça brasileira revela um país sem lei,  nada sério, sem sistema e sem harmonia, onde as decisões dos juízes são desmoralizadas por por decisão pessoal de seus pares. Urge uma reforma legislativa, judicial e jurídica para mudar as contradições legais e o status quo na justiça brasileira para recuperar a confiança, a moralidade e a legalidade.

quinta-feira, 12 de março de 2015

TRIBUNAL DE JUSTIÇA NEGA RECURSO DE AGENTE QUE DISSE QUE JUIZ NÃO É DEUS



JORNAL JURID 11 de Março de 2015

TJ-RJ nega recurso de agente que disse que "juiz não é Deus" . Em 2011, Luciana parou o juiz João Carlos de Souza Corrêa numa blitz da Lei Seca. A 3ª vice-presidência não admitiu os recursos que ela pretendia propor

Fonte: G1



A agente de trânsito Luciana Tamburini não conseguiu recorrer da decisão que a condenou a pagar R$ 5 mil a um juiz parado por ela em uma blitz da Lei Seca. A 3ª vice-presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não admitiu os recursos que ela pretendia propor ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.

Em 2011, Luciana parou o juiz João Carlos de Souza Corrêa numa blitz da Lei Seca. O magistrado estava em um carro sem placas e não portava a habilitação. Ela determinou a apreensão do veículo, e Corrêa protestou. Ela respondeu dizendo que ele “não era Deus”.

Na época, o juiz disse que a agente foi "debochada". Já Luciana alegou que o juiz agiu com abuso de autoridade e o processou. No entanto, o juiz responsável considerou que quem "se excedeu no exercício de suas funções" foi a agente.

Durante a discussão, a agente teria questionado João Carlos: “Você é juiz e desconhece a lei?”. Para o desembargador Celso Ferreira Ferreira Filho, 3º vice-presidente do TJ-RJ, Luciana zombou do juiz.

"Ao desdenhar do conhecimento jurídico do réu, afirmando 'você é juiz e desconhece a lei?', a autora zombou dolosamente da condição do autor, menosprezando seu saber jurídico e a função por ele exercida na sociedade, se distanciando da seriedade e urbanidade que se exige de um servidor público no exercício de suas funções", escreveu o desembargador, na decisão que rejeitou os recursos.

A 3ª vice-presidência do TJ-RJ é responsável por avaliar os recursos que vão para instâncias superiores. Apesar da negativa, A agente de trânsito ainda pode entrar com recurso diretamente no STJ e STF, em Brasília.

TRANSFERIDO DE TURMA, TOFFOLI ENCONTRA DILMA



ZERO HORA 12 de março de 2015 | N° 18099


ESCÂNDALO DA PETROBRAS


MINISTRO PRESIDIRÁ GRUPO que julgará processos da Lava-Jato, mas diz que não tratou do tema com a presidente em reunião ontem, em BrasíliaUm dia após requerer transferência da Primeira para a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgará os processos contra políticos investigados pela Operação Lava-Jato, o ministro Dias Toffoli se reuniu com a presidente Dilma Rousseff ontem por cerca de uma hora e meia. Os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Casa Civil, Aloizio Mercadante, também participaram do encontro, no Palácio do Planalto.


Ao final da reunião, Toffoli negou que tenha tratado sobre as investigações de desvios de recursos na Petrobras com Dilma e não quis comentar a demora do governo em indicar um ministro para a Corte – a vaga de Joaquim Barbosa está disponível desde que ele se aposentou, em julho do ano passado. A partir de maio, Toffoli presidirá a Segunda Turma. O atual presidente, Teori Zavascki, continuará como relator dos processos que tratam dos casos de corrupção na estatal.

O ministro, que foi advogado eleitoral do PT e assessor da Casa Civil no governo Lula, apresentou na noite de terça-feira requerimento ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que o aceitou ontem à tarde. Toffoli diz que atendeu a sugestão do ministro Gilmar Mendes de que um dos integrantes da Primeira Turma migrasse para a Segunda para evitar que os inquéritos da Lava-Jato começassem a ser analisados com o quórum reduzido, o que aumentaria as chances de empate.

MIGRAÇÃO SEGUIU O REGULAMENTO DO STF

A mudança de turma foi uma articulação de membros da Corte para evitar que Dilma nomeasse um ministro para atuar no caso. A intenção foi evitar que o indicado à vaga de Joaquim Barbosa prometesse “matar no peito” o julgamento, que envolve políticos de proa da base aliada do governo.

O encontro de Toffoli com Dilma foi incluído de última hora na agenda oficial da presidente. Uma alteração foi divulgada às 8h30min, para informar que a reunião seria às 9h. Já a agenda de Toffoli, publicada na noite de terça-feira, trazia o registro do encontro. Segundo o ministro, a agenda já havia sido solicitada ainda em dezembro passado.

– Foi apenas uma questão de circunstância e coincidência – disse Toffoli.

Oficialmente, o ministro apresentou para Dilma um projeto para unificar o cadastro do cidadão brasileiro em um único documento, o Registro Civil Nacional. A proposta estabelece que todos os registros sejam feitos pela Justiça Eleitoral – Toffoli é, atualmente, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A migração de uma turma para outra é definida pela ordem de antiguidade dos ministros do colegiado, segundo o regimento interno. Como o ministro Marco Aurélio Mello, que está na Primeira Turma há mais tempo, rejeitou migrar para a Segunda, a preferência era de Dias Toffoli.

Toffoli será presidente da Segunda Turma a partir de maio porque a função é sempre ocupada pelo ministro mais recente na turma que ainda não esteve no cargo. Cabe a ele decidir quais assuntos serão levados à mesa para julgamento.


 

terça-feira, 10 de março de 2015

UM SERVIDOR EXEMPLAR



ZERO HORA 10 de março de 2015 | N° 18097



JOSÉ LUÍS COSTA*



A profissão de jornalista é uma daquelas que permitem acesso a todas as camadas da sociedade. Num dia, você pode estar em um lixão, entrevistando o mais humilde dos catadores de papel. No outro, pisando em tapete vermelho palaciano diante de uma realeza.

Admito que nunca entrevistei reis ou rainhas. Até poderia, durante a Copa do Mundo, quando recebi a missão de acompanhar o casal real holandês que esteve em Porto Alegre, mas foi impossível.

Meu contato diário é com setores da segurança. Delegacias, quartéis, fóruns, presídios. Em tantas andanças, que já passam de duas décadas, cruzei com incontáveis servidores públicos. Gente simples, gente de nariz empinado, pessoas que trabalham de verdade e outras nem tanto assim.

São inúmeros personagens que até renderiam livro. Mas vou contar a história de um deles aqui. Trata-se de Roberto Vucetic, assistente social da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre. Roberto é um servidor Público, assim, com P maiúsculo. Sua vida é ajudar apenados descamisados, adoentados, sem condições de sustentar a si e muito menos à família.

No balcão da VEC, surgem problemas aos pacotes trazidos por mulheres de presos, mães de presos e filhos de presos. É quase um muro de lamentações. E Roberto se esforça para resolver todos. É comum ele alegrar rostos sofridos com um prato de comida. Sim, aparece muita gente na VEC de estômago roncando. Se uma refeição não basta, ele compra uma cesta básica. Arruma dinheiro para remédios, para o ônibus, para o gás. Tudo do próprio bolso. Se não tem, faz uma vaquinha pelos corredores do fórum.

De folga, aos finais de semana, Roberto “faz plantão” no Hospital Vila Nova, auxiliando famílias que chegam do Interior para visitar presos internados. Ano passado, um detento morreu. De tão pobre, não tinha nem roupa para vestir o corpo. Roberto providenciou. E comprou um buquê de flores.

Aos presos que querem recomeçar a vida, Roberto os incentiva. Agiliza carteira de trabalho, indica emprego. Nas vilas mais perigosas ele entra sem medo. O respeito é tão grande, que convence foragidos a voltar para a cadeia e cumprir a pena com dignidade. Tempos atrás, saiu faceiro, às 10 da noite de um domingo, de uma cadeia feminina. Depois de horas, conseguiu instalar uma pia em uma cela, comprada com recursos tirados do bolso e levada em seu carro particular. Em um país em que a roubalheira na Petrobras envergonha o serviço público, ainda é possível se orgulhar dos muitos Robertos que existem por aí.



Jornalista, repórter de Zero Hora

MASSACRE DE REPUTAÇÕES



ZERO HORA 10 de março de 2015 | N° 18097


MIGUEL TEDESCO WEDY*



O bem mais precioso de uma pessoa é sua reputação. Sua honra, sua integridade, aquele valor que a faz respeitada entre seus pares, perante seus familiares e diante de toda a sociedade. Aqueles bens que a fazem caminhar de cabeça erguida, com dignidade. Tudo isso se constrói em décadas ou com o sacrifício de uma vida.

Tudo, porém, pode se perder em uma manchete de jornal. E quantas vezes já vimos isso. Não escrevo aqui para defender corruptos nem o cerceamento da liberdade de imprensa. A imprensa deve publicar o que lhe é divulgado e os corruptos devem ser punidos. Escrevo pensando naqueles que a covardia esqueceu, aqueles que, após uma investigação ou um processo, serão inocentados. Mas, então, já será tarde, a vida foi devassada, o nome exposto, a reputação arrasada e, para sempre, serão apontados como “suspeitos” ou “processados”.

É possível que a covardia e o medo das pressões libere para a sanha popular e punitiva meros elementos indiciários, que não servem sequer para uma denúncia criminal??? Porém, estrategicamente, muito estrategicamente, tudo ou “parte de tudo” é publicizado, tornando difícil, para não dizer insustentável, qualquer análise minimamente ponderada e equilibrada acerca dos elementos de investigação. O que é isso? Medida imponderada ou cortina de fumaça???

Há países democráticos nos quais a reputação de pessoas meramente investigadas é respeitada. O medo, a covardia, o temor, a sanha popular não estão acima de direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. O direito de informação não deve superar, por qualquer motivo ou pelo temor de pressões, o direito à honra. Mas é compreensível que, por vezes, a Justiça se deixe “emparedar” pela opinião pública, mormente quando a escolha de certos cargos se dá por indicações políticas e, assim, a sanha punitiva seja o caminho mais fácil e rápido para galgar popularidade e poder.

E muitas vezes é uma estratégia. Uma estratégia para trucidar e massacrar reputações, forjar carreiras, desviar atenções, construir popularidades... Oxalá a isenção, o equilíbrio e a coragem não pereçam na consciência dos que devem decidir, a fim de que os culpados ou inocentes tenham um destino e julgamento justos.


*Advogado criminalista e professor da Unisinos

segunda-feira, 9 de março de 2015

PARTE DO DINHEIRO DE EIKE SOME NA JUSTIÇA



ZERO HORA 09 de março de 2015 | N° 18096


ONDE FOI PARAR

RECURSOS ESTAVAM SOB guarda de juiz que foi afastado do caso contra empresário. Outras pessoas tinham acesso a cofre e investigação é aberta



Uma junta de juízes designada pela Corregedoria do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região detectou o sumiço na 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro de parte de R$ 116 mil apreendidos na casa do empresário Eike Batista, além de R$ 600 mil recolhidos do traficante espanhol Oliver Ortiz de Zarate Martin, preso no Rio em junho de 2013, de acordo com informações da revista Veja. A reportagem não esclarece qual valor retido de Eike desapareceu.

Os recursos estavam sob a guarda do juiz Flávio Roberto de Souza, que foi responsável pelo caso Eike. Está sendo feita uma investigação, uma vez que Souza não era o único a ter acesso aos cofres.

Conforme a reportagem, rumores sobre o desaparecimento foram oficialmente levados pelo corregedor Guilherme Couto ao juiz, que teria informado que o dinheiro estava em um armário. Foi detectado que faltava uma parte, que ainda não teria sido localizada.

Souza foi afastado das funções do cargo pelo Órgão Especial do TRF na última quinta-feira, e foi aberto processo administrativo disciplinar contra o magistrado. O titular da 3ª Vara Federal Criminal do Rio já havia sido retirado do caso Eike, após ser flagrado dirigindo o Porsche Cayenne apreendido na casa do empresário. Os processos contra Eike foram suspensos, até que se defina qual vara e juiz serão responsáveis pelo caso.

O tribunal também iniciou investigação para apurar indícios de irregularidades na atuação do juiz. Os fatos que embasaram as medidas foram colhidos pela Corregedoria Regional durante correição extraordinária realizada nesta semana. Os fatos investigados envolvem atos relacionados aos processos criminais que têm Eike como réu, mas também a outras ações.

CONDUTA INDEVIDA
-O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afastou no final de fevereiro o juiz federal Flávio Roberto de Souza do caso Eike Batista depois que fotos revelaram o magistrado dirigindo um Porsche, um dos veículos de luxo apreendidos.
-Como consequência da decisão do CNJ e da repercussão negativa, o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal (TRF) no Rio e Espírito Santo decidiu na quinta- feira passada destituir Souza das funções do cargo de titular da 3ª Vara Federal Criminal.
-Além de suspender o juiz, o TRF anulou todos os atos do magistrado nos processos. Apenas os bloqueios de bens do empresário foram mantidos pelos desembargadores do tribunal.
-Eike é réu por supostamente ter cometido “insider trading” (negociação de ações com informação privilegiada) e manipulação de mercado, na venda de ações da OGX e da OSX.
A A defesa do empresário Eike Batista nega as acusações.

domingo, 8 de março de 2015

AGORA É COM ELES


REVISTA ÉPOCA, 06/03/2015 22h54


O procurador Rodrigo Janot não acusou apenas os políticos do petrolão. Acusou o sistema de financiamento de campanhas do Brasil. Agora, cabe ao Supremo definir como prosseguir num enredo essencial do aperfeiçoamento da democracia brasileira

FLÁVIA TAVARES E FILIPE COUTINHO





>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana

Era perto de 8 da noite da terça-feira quando dois procuradores da República, Douglas Fischer e Eduardo Pelella, estacionaram a bordo de duas caminhonetes, uma preta e uma branca, ambas sem identificação, na garagem do Supremo Tribunal Federal. Eles vinham escoltados por seguranças. Traziam na bagagem cinco caixas brancas lacradas. Discretamente, tomaram o elevador privativo para o 3º andar. Os seguranças transportaram as caixas em carrinhos de mão. Chegando ao gabinete de Teori Zavascki, os procuradores e o ministro trocaram saudações formais. Estavam na sala, além dos três, um funcionário do protocolo e Marcio Schiefler Fontes, juiz-auxiliar do ministro. Zavascki aguardou enquanto os demais protocolaram os papéis na sala ao lado. O primeiro carimbo foi batido às 20h11. Fischer e Pelella voltaram ao gabinete e fizeram um rápido resumo do conteúdo das cinco caixas: 28 pedidos de abertura de inquérito, atingindo 54 pessoas, entre políticos graúdos e seus satélites, além de sete requerimentos de arquivamento e uma tese jurídica controversa – a de que o esquema de corrupção das grandes empreiteiras do Brasil contaminou irreversivelmente o caixa oficial das campanhas no país; e, com ele, o atual modelo de financiamento eleitoral. Zavascki abriu as caixas e folheou os papéis, sem se deter muito em nenhum deles. Preferiu guardar o material numa sala cofre em seu gabinete. Nascido na pequena Faxinal dos Guedes, em Santa Catarina, o ministro chegou a seu apartamento funcional por volta das 22h30. Bebericou um vinho tinto e foi dormir. Mas Brasília permaneceu insone.

Faz um ano que muitos estão insones em Brasília. Desde a manhã de 20 de março do ano passado, no início da Operação Lava Jato, quando a Polícia Federal prendeu Paulo Roberto Costa, o poderoso ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, os políticos mais ladinos da capital percebiam que esse desfecho era possível. Eis o desfecho: o procurador-geral, Rodrigo Janot, finalmente relacionou os políticos com foro privilegiado apontados pelos dois principais delatores do petrolão, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef, como beneficiários do esquema de corrupção na estatal.


A lista de Janot foi divulgada na sexta-feira, dia 6, à noite, e relacionou os maiores chefes da base aliada: os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, respectivamente, mais sete senadores, cinco políticos com passagem pelo ministério de Dilma Rousseff, dois governadores e muitos, muitos deputados. Ficaram de fora os dois candidatos presidenciais da última campanha. A petista Dilma Rousseff, pela Constituição, não pode ser investigada por crimes anteriores ao mandato – mesmo que pudesse, os procuradores consideraram fracos os elementos que pesam contra ela. No caso do tucano Aécio Neves, a delação de Youssef trazia mais detalhes – mas os crimes já prescreveram, na avaliação dos procuradores. Segundo o doleiro disse ao MPF dias antes da eleição (fato que pesou contra a credibilidade da acusação), Aécio e uma de suas irmãs, Andréa Neves, receberam propina por participar de um esquema em Furnas, ao lado do empresário Ayrton Daré, morto em 2011, cuja empresa detinha contratos na estatal. Youssef disse que o dinheiro foi pago no começo do anos 2000, ainda no governo FHC. Na avaliação dos procuradores, o depoimento de Youssef não é elemento suficiente para pedir uma investigação contra o tucano.

JUDICIÁRIO PRECISA SE APROXIMAR DO CIDADÃO

ZERO HORA 07/03/2015 | 16h01

Gilson Dipp: "Delação premiada não é para ladrão de galinha". Ex-ministro do STJ fala sobre a Operação Lava-Jato e afirma que o Judiciário precisa se aproximar do cidadão

por Guilherme Mazui



Dipp levanta o questionamento filosófico sobre se a verdade, por si só, dever ser premiada ou é uma obrigação Foto: Guilherme Mazui / zero hora


Poucos brasileiros conhecem tão bem as entranhas do Judiciário como o ministro Gilson Langaro Dipp. Defensor da transparência e da independência dos magistrados, este gaúcho de Passo Fundo promoveu na função de corregedor nacional de Justiça uma auditoria nos tribunais do país. Traduziu em números e exemplos as falhas do sistema e apontou metas para corrigi-las.

– O Judiciário precisa estar perto do cidadão –repete o ex-magistrado.

Aposentado desde setembro de 2014, quando completou 70 anos de idade e 25 de magistratura, Dipp dedica as novas horas livres à família, sem abandonar o Direito. Dá palestras, faz estudos e prepara livros sobre a lei anticorrupção e a delação premiada, termo da moda com a Operação Lava-Jato.

Dipp tem muito a contar e ensinar. Além de corregedor, foi desembargador, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por 16 anos, ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidente do grupo que elaborou o anteprojeto do novo Código Penal e integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Experiência suficiente para reconhecer avanços, mas também para dizer sem titubear que o Judiciário “ainda está deixando muito a desejar”.

Entre o escândalo do mensalão e o começo do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), correram sete anos (2005 a 2012). Com os políticos da Operação Lava-Jato, deve levar tanto tempo?
Tenho a impresso de que não. Com a mudança no regimento do Supremo, quem preside o inquérito é o ministro em uma das duas turmas, ou seja, não mais no plenário, o que já acelera a tramitação. A Procuradoria-Geral da República (PGR) apenas pediu aberturas de inquéritos, ainda vai demorar, mas creio que será mais rápido do que o mensalão.

Antes de protocolar os pedidos de abertura de inquérito no STF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, avisou políticos sobre a lista de possíveis investigados, informação que chegou a Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), presidentes da Câmara e do Senado. Essa comunicação poderia ter sido feita?
Não há obstáculo para que o procurador-geral faça a informação. Pelo o que se lê na imprensa, em ocasiões passadas de casos relacionados a parlamentares, procuradores informaram ou notificaram por escrito o investigado. Não vejo problema de informar os presidentes da Câmara e do Senado. Leio que não foi dado conhecimento do conteúdo dos pedidos, foi informado apenas de que haveria pedido de inquérito. Não influenciará a investigação.

Quais os reflexos de os presidentes da Câmara e do Senado serem investigados por corrupção?
Esta é apenas a fase de pedido de abertura do inquérito, é para que se aprofunde a investigação. A denúncia pode nem ocorrer, mas institucionalmente não é uma situação confortável.

Janot fez 28 pedidos de abertura de inquérito, que envolvem pessoas com e sem foro privilegiado. Será possível manter a tramitação de todos os citados no STF?
Vai depender da decisão do relator e do próprio Supremo, porque podem aparecer fatos e atuações de pessoas com e sem foro que estão umbilicalmente ligados. Seria quase impossível produzir provas em separado.



Gaúcho de Passo Fundo, Gilson Dipp presidiu o Conselho Nacional de Justiça de 2008 a 2010 (Foto: José Cruz, ABR, BD, 23/07/2010)

O procurador descartou a investigação contra a presidente Dilma Rousseff e o senador Aécio Neves. No caso de Dilma, ele citaria como justificativa o argumento de que o presidente só pode ser investigado por fatos relacionados ao exercício do cargo. Rodrigo Janot acertou?
Não conheço os detalhes do caso. Se os fatos que estão sendo apurados forem anteriores ao exercício da Presidência, o procurador-geral está muito certo. Em princípio, estaria coerente com as leis e a jurisprudência.

Causou polêmica a suspeita de pressão do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no procurador-geral da República. É a atuação que se espera de um ministro?
O ministro da Justiça deve ter contatos institucionais. Não posso afirmar que foram feitos contatos com o procurador-geral no sentido de pressioná-lo. Estamos falando sobre hipótese, que não acredito que se confirme, porque conheço Cardozo e Janot. Se ocorreu, não foi um ato correto. E acredito que não teve efeito.

O ministro Cardozo defendeu sua ação ao receber advogados de empreiteiras investigadas na Lava-Jato, que reclamaram de excessos da Polícia Federal (PF). Em tese, terá de manter essa postura com todo advogado que achar que a PF se excedeu?
Em tese, se ele recebeu alguém que queira falar sobre excessos na atuação da Polícia Federal, deveria receber todos aqueles que fizerem o mesmo pedido, não importando a dimensão ou a grandiosidade dos envolvidos.

O senhor é estudioso da legislação de combate aos crimes financeiros. Qual o impacto da Operação Lava-Jato nesse tema para o país?
É uma situação sui generis porque envolve a maior empresa estatal do Brasil e porque o mesmo processo está tramitando no STF e na primeira instância. É a primeira vez que o Judiciário enfrenta este problema, não há doutrina, não há jurisprudência que diga como vai se colocar uma colaboração premiada que está sendo feita no primeiro grau, mas tem de ser homologada pelo ministro do Supremo. Ainda há um aspecto ético e filosófico: a verdade, por si só, deve ser premiada ou é uma obrigação?

A delação premiada pode virar rotina?
A colaboração premiada não é para qualquer crime, ela está no contexto da lei que tipifica a organização criminosa. Delação premiada não é para ladrão de galinha. Dependendo da gravidade, e se o crime for praticado por organização criminosa, possivelmente seja mais utilizada. A delação premiada tem de ser voluntária, com acordo entre investigação, polícia, acusado e advogado. A delação é um método de investigação para obtenção da prova, por isso que é sigilosa no primeiro momento e não pode ser compartilhada nas CPIs do Congresso.

Qual a avaliação da atuação do juiz federal Sergio Moro, responsável pela Lava-Jato na primeira instância?
Conheço o Sergio de palestras. Ele é um juiz competente, técnico, culto e sério. Ele está aplicando a lei. Se ele está sendo justo, quem poderá dizer será um tribunal superior ao examinar sua decisão em grau de recurso.

E no Supremo, as ações da Lava-Jato estão em boas mãos com o ministro Teori Zavascki?
Teori é um cara isento, sério, competente, ponderado e discreto. É um exemplo de magistrado. O processo está em boas mãos.

Como corregedor nacional de Justiça, o senhor insistiu na transparência. O Judiciário melhorou ou segue fechado?
Tive a felicidade de pegar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com uma boa composição e um presidente muito atuante, o Gilmar Mendes. Vimos que até 2008 o CNJ não tinha realizado os propósitos para os quais havia sido criado. O Judiciário brasileiro era ininteligível. Na Justiça Militar, Federal, Estadual, do Trabalho não havia diálogo e planejamento. Com as inspeções em tribunais, audiências públicas e verificações de metas, o Judiciário ficou muito mais transparente do que era.


Em 2012, Dipp (à direita) foi o primeiro coordenador da comissão que resgatou os crimes da ditadura (Foto: Roberto Stuckert Filho, PR, BD, 16/05/2012)

O magistrado, em geral, aceita a transparência? Ministros do Supremo reclamam para abrir salários, gastos com diárias e passagens áreas.
Teve resistência e tem em todos os setores do serviço público das três esferas de poder. Fica mais chocante quando o Judiciário, exemplo de guardião das liberdades e da lei, tenta se manter incólume. Talvez no Judiciário, por corporativismo, por aquela posição antiga do magistrado se considerar acima das questões terrenas, houve uma maior dificuldade para a transparência. Vale lembrar que subsídio de um juiz e suas vantagens são legais. Não se justifica a resistência da abertura plena de todos os aspectos administrativos.

O juiz está acostumado a julgar. Ele tem dificuldade quando é julgado?
É chocante para o próprio magistrado, para a instituição e para a sociedade quando um juiz que, em tese deveria zelar pela atividade disciplinar e pela conduta, tenha de ser julgado pelos seus pares. É chocante.

Causou polêmica o caso do juiz federal Flávio Roberto de Souza que usou o Porsche apreendido de Eike Batista. O magistrado errou?
Fatos como esse são graves. Hoje, qualquer ato de ferimento da conduta do magistrado é detectado. Qualquer pessoa tira uma foto com um celular, a imprensa está vigilante, a sociedade, mais exigente, o que é bom. O juiz que usou o Porsche, o juiz que não quis ser alvo da blitz da Lei Seca e o juiz que deu ordem de prisão no aeroporto cometeram atos prepotentes, que mancham a magistratura. Sempre existiram atos assim, mas hoje a reação é maior. Os tempos mudaram.

No CNJ, o senhor foi entusiasta do começo das inspeções. O que mais lhe impressionou?

A magistratura ficou chocada com a falta de gestão, principalmente nos tribunais dos Estados menos desenvolvidos. Verificou-se ausência de concursos públicos, falta de efetividade das corregedorias, subjetivismo e falta de clareza nas promoções. Fiz uma brincadeira uma vez, principalmente, sobre os tribunais de segundo grau. Falei que eles eram compostos por duques, barões, condes, viscondes e um rei que reina por dois anos, o presidente do tribunal.

O Judiciário atende com qualidade o cidadão?

O Judiciário ainda está deixando muito a desejar. A eficiência da qualidade de um serviço é medida pelo grau de satisfação da população. A cidadania brasileira acredita no Judiciário. Isso se traduz no número de processos, mas ela não acredita na sua efetividade. Temos um Judiciário mais autônomo, mas ainda temos de melhorar a gestão de processos. O Supremo tem a chamada repercussão geral, mas não se debruça sobre as questões mais importantes. O processo continua muito individual e pessoal.

Como é possível mudar esse predomínio do individual?
Debruçando-se mais sobre questões de repercussão geral, divulgando melhor os métodos alternativos de solução. Fala-se que a arbitragem é necessária e saudável, mas arbitragem é cara, não é para pobre, é para grandes empresas. A mediação é um instituto que não é divulgado, enquanto a conciliação vem desde a Justiça do Trabalho.

O senhor coordenou a Comissão Nacional da Verdade e se afastou por motivo de saúde. Por que não retornou?
Todas as comissões da verdade da América Latina tiveram divergências. Entre 2012 e 2013, fiquei quase seis meses hospitalizado. Voltei ao STJ, mas não quis retornar à comissão porque a saúde pesou. Antes da internação, ao mesmo tempo eu coordenava a Comissão da Verdade, presidia a comissão do anteprojeto do Código Penal, seguia no STJ e no TSE.

Qual a avaliação do relatório final da comissão?

Tínhamos décadas de bibliografia, de documentos, de material que já estavam colocados à disposição. A comissão não tinha obrigação de encontrar um corpo a cada dia. Ela conseguiu compilar todos os acontecimentos, dar um sentido histórico na recomposição da verdade e na restauração da memória de um período ditatorial. Não foi mais além porque não pôde.

Por que não pôde?
Acho que o ambiente político não era propício. Não sei se havia unanimidade entre os membros, mas a comissão foi dentro do possível até o limite que poderia chegar, nominando operadores, desaparecidos. Não gosto de falar sobre isso, porque participei e poderia ter voltado, mas creio que a comissão poderia ter dado uma configuração mais forte, compilar e se integrar mais com as diversas comissões da verdade que foram criadas no país.

As Forças Armadas cooperaram?
A cooperação direta não chegou a ser feita. Houve muito diálogo, muita educação, mas todos nós sentimos que poderia ter havido maior colaboração. As Forças Armadas não são as mesmas da ditadura, a nova geração tem um compromisso com a democracia, mas há uma preocupação de proteger a instituição de desvios ilícitos ou crimes praticados num determinado período. Todos sabemos que a ditadura foi uma política de governo num determinado período, que teve apoio de parte da sociedade civil e empresarial.

O relatório recomendou rever em parte a Lei de Anistia. É possível?
Pessoalmente, acho que a Lei de Anistia deve ser revista. Do ponto de vista técnico, já está em parte revogada, independentemente de decisão do Supremo. A emenda Constitucional 26 retirou do texto os crimes de qualquer natureza. Não há palavras vagas em emenda constitucional. O conceito de crime abrangido pela anistia é o de crime político e conexo. No sentido técnico, muitos destes antigos crimes conexos poderiam, em tese, ser objeto de ação penal.

A tortura não pode ser considerada um crime conexo?
Não pode. No anteprojeto do novo Código Penal, colocamos a figura de crimes contra a humanidade, definimos o que é tortura, desaparecimento forçado de corpos.

Sobre o novo Código Penal, quais são os avanços previstos?
O atual Código Penal é de 1940. Em sete meses, fizemos um anteprojeto atualizado à Constituição e à nova realidade do país. Trouxemos para o código os crimes ambientais e os eleitorais, propusemos a criação de tipos penais novos, como o enriquecimento ilícito, a tipificação do terrorismo com a preocupação de não criminalizar os movimentos sociais. Queremos um código que sirva para o executivo da Avenida Paulista e para o ribeirinho do Amazonas.

O Congresso adquiriu um perfil mais conservador nas últimas eleições. Visões progressistas poderão ficar de fora do novo Código Penal?
Tínhamos a ideia de ampliar as possibilidades do aborto legal, como em caso de feto anencéfalo, e de não criminalizar o uso pessoal de drogas numa determinada quantidade. Espero que o novo Congresso seja sensível à realidade social do Brasil. Não acredito que o parlamentar possa se guiar apenas por interesses corporativos, religiosos, filosóficos ou de representantes de alguma bancada. O anteprojeto já está sofrendo modificações no Congresso, o que é legítimo. Creio que a ideologia do código será mantida.

Qual a sua opinião sobre o auxílio-moradia aos juízes?

Votei a favor do auxílio-moradia em matéria administrativa, no sentido de que era devido, exceto para o aposentado. Não chegamos a discutir o caso do magistrado que já tem moradia própria. Posso ser juiz com imóvel em Porto Alegre, mas trabalhar em Quaraí. Isso é uma questão administrativa dentro dos limites reais a serem discutidos nos tribunais. Tem de se verificar caso a caso. É preciso uma interpretação equalizada do benefício. Certas situações poderão ser lapidadas com o decorrer do tempo e por decisão judicial daqueles que não se conformarem.


Após 16 anos no Superior Tribunal de Justiça, Dipp se aposentou no ano passado, ao completar 70 anos (Foto: STJ, divulgação)

A categoria não deveria levar em conta o cenário das contas públicas?
O juiz é um servidor público. Ele é encarregado a prestar um serviço essencial à população e tem de ser remunerado. Evidentemente que as reivindicações são legais e legítimas, mas é preciso sensibilidade social de que o país tem uma desigualdade social muito grande.

O Congresso deve aprovar a chamada PEC da Bengala, que vai esticar dos 70 para os 75 anos a aposentadoria dos ministros de tribunais superiores. O senhor se aposentou ano passado, aos 70. Qual a sua opinião a respeito dessa PEC?
Desde que entrei na magistratura se fala dessa PEC. Do ponto de vista dos avanços da medicina, do índice do tempo de vida das pessoas, da lucidez, é uma boa medida. Contudo, esse aumento inclui todo o serviço público federal, mediante lei complementar, que não acredito que seja apreciada nos próximos anos. Vai mexer com todas as carreiras, inclusive as que têm especificidades próprias, como os casos das Forças Armadas e do Itamaraty. Essa é uma discussão mais profunda.

Mas o senhor considera que seria capaz de manter a excelência do trabalho por mais cinco anos?
Tem vários ministros aposentados que dão exemplo disso. Me considero muito mais experiente, tanto que estou escrevendo, dando palestras aqui e no Exterior, reabilitei minha inscrição na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Particularmente, me sinto em melhores condições na atividade judicante do que quando eu deixei o STJ.

Qual a sua rotina de vida após a aposentadoria?
Aprendi na vida a virar a página. Tive a sorte de me aposentar dentro de um ciclo de palestras, elaboração de estudos e livros, me dedicando à interpretação da lei anticorrupção. Minha inscrição na OAB foi reabilitada, como já disse, mas não pretendo fazer uma advocacia convencional. Não tenho a pretensão de ficar dando pareceres. Só sei que de tédio ainda não sofri. E nem coloquei o pijama.

sexta-feira, 6 de março de 2015

AINDA UMA NOVA PERSPECTIVA DE JUSTIÇA



JORNAL DO COMÉRCIO 06/03/2015



Paulo Cesar Velloso Quaglia Filho |




Embora pareça evidente que o modelo de construção da Justiça estatístico, padronizado e robotizado seja aquele que vem sendo seguido gradativamente, veem-se algumas saídas, de modo que não podemos nos perder, mais, no seu aprofundamento. Destaquem-se as figuras da ação coletiva e do litisconsórcio, propícios para casos que envolvam direitos supraindividuais, caracterizados como "de massa"; as ações constitucionais e os (já nem tão novos) recursos representativos de controvérsia, de caráter concentrado, aptos a definir grandes questões jurídicas de modo definitivo (embora nem sempre com efeito vinculante); ou o art. 474 do CPC, que poderia impedir o fatiamento de uma só ação, fundada na mesma causa, em diversas (mini)demandas, por mera conveniência da parte ? enfim, institutos que, entre outros, se melhor (e mais) utilizados, reduziriam o volume avassalador de processos no País, permitindo fôlego para todos os operadores do Direito. A PGE/RS, há muito, adota a prática de não contestar questões já decididas pelo Judiciário; vem adotando o procedimento de extinção de execuções fiscais inviáveis, bem como a utilização da execução invertida para pagamento dos débitos estatais; orienta, por sua consultoria, os entes públicos para o cumprimento da lei e a composição prévia extrajudicial ou judicial de possíveis litígios, entre outras práticas que visam a auxiliar proativamente na desobstrução do sistema jurisdicional e na perene tarefa de construir o Estado Democrático de Direito.

O contexto desse surrealismo que contamina, na forma de (não) pensar, todas as demandas, é mal que, se não eliminado, acabará impondo um desligamento tão grande da argumentação jurídica em relação aos fatos reais da vida que se chegará ao ponto de se caracterizar, nos processos, verdadeira ilusão de "faz de conta". Nesse passo, se todos os operadores do Direito não cumprirem a função a que destinados ? aplicar o Direito como um instrumento de realização da justiça para os casos concretos ?, gerar-se-á inescapável descrédito pela sociedade, em efetivo prejuízo do Estado Democrático de Direito.

Procurador do Estado do Rio Grande do Sul

quinta-feira, 5 de março de 2015

JUÍZES E RÉUS



ZERO HORA 05 de março de 2015 | N° 18092


CLÁUDIO BRITO*


O discutível sistema brasileiro de acesso ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal ficará escancarado por estes dias. Ou por estes meses, que a demora é quase certa. Há uma vaga em nossa mais alta Corte, desde que Joaquim Barbosa surpreendeu a todos ao aposentar-se bem antes do que se esperava, em julho de 2014. E até agora não se sabe quando a presidente Dilma indicará o sucessor.

Na mesma época da saída de Joaquim, houve mudanças no Regimento Interno do STF. Por elas, entre outros temas, atribuiu-se às Turmas boa parte da competência do Pleno do Tribunal. São dois colegiados de cinco julgadores. O presidente do Supremo atua apenas nas sessões plenárias. Por essa divisão de tarefas, pretende-se agilizar a realização dos julgamentos.

Caberá à Segunda Turma decidir sobre os pedidos de investigação de políticos envolvidos nos fatos até aqui apurados pela Operação Lava-Jato. Havendo denúncias, será ali o processamento das ações penais. As decisões serão terminativas. E falta um juiz, reclamado há pouco por aqueles que serão seus pares um dia. Os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio protestaram recentemente e, sem escolher palavras, disseram que há um “atraso nefasto” na omissão da presidente da República, que já deveria ter encaminhado a nomeação de um novo ministro. Estava-se diante de um julgamento empatado, quando houve aquela manifestação indignada.

Pois vive-se agora a possibilidade de empates favorecedores dos interesses de quem for réu. Não há voto de desempate e isso representará decidir em favor do acusado. Mais ainda, estamos diante da hipótese indesejável de vermos os réus escolhendo seus juízes. Um dia, a presidente indicará um novo julgador. A nomeação dependerá de aprovação pela maioria absoluta do Senado. Dilma precisará de 41 senadores para confirmar a indicação do novo ministro. Dependendo do tempo que Dilma ainda demorar, quantos estarão na lista de investigados ou quantos terão sido denunciados pelo Ministério Público?



 Jornalista, comentarista da Rádio Gaúcha e TVCOM

terça-feira, 3 de março de 2015

OS MÉRITOS DOS MERITÍSSIMOS



Zero Hora 03/03/2015


por Carlos André Moreira 



Quem ocupa um cargo muitas vezes não consegue separar a atividade que exerce de sua própria pessoa. O problema não é exatamente restrito a uma categoria profissional, mas há uma questão interessante a se analisar nos recentes casos de micos judiciários protagonizados por magistrados flagrados em falta — de ética ou de noção.

O caso de Flávio Roberto de Souza, por exemplo, da 3ª Vara Federal Criminal, que não apenas dirigia por aí o Porsche Cayenne de Eike Batista, como concedeu a guarda de outro carro do empresário e de um piano de cauda a um vizinho, vem se juntar a outro recente triste momento na história do Judiciário nacional.

No ano passado, no Rio, João Carlos de Souza Correa ouviu de uma agente de trânsito durante uma blitz da Lei Seca que "juiz não é deus". Entrou com um processo pedindo indenização e levou, em sentença continuamente reconfirmada — como se para deixar claro que, sim, é deus sim.


Juízes são, por tradição e protocolo, e até mesmo por ordem direta, dependendo do quanto um magistrado fizer questão disso em uma sala de audiência, chamados de "meritíssimos", um superlativo que tem a função de comunicar que aquela é a pessoa mais "cheia de méritos" do recinto.

É uma fórmula de cortesia que beira a adulação, mas que se tornou, como toda palavra milhões de vezes repetida, um termo com significado em si mesmo: "sinônimo para juiz de Direito", como nossos dicionários mais populares a registram. Talvez fosse o caso de revirar a palavra do avesso até nos lembrarmos do ponto mais importante: de quem são os méritos que estamos exaltando.

Juízes de Direito são pessoas inegavelmente doutas, especializadas em um campo de conhecimento com poder de transformação efetivo na vida pública e que, para chegar aonde estão, passam por várias etapas de um dos concursos públicos mais árduos de um país cheio deles. O indivíduo que se torna juiz, portanto, é, sim, alguém que ingressa na carreira cheio de méritos, mas não é a eles que se alude ao declinar o "meritíssimo".

O que torna o meritíssimo tão cheio de méritos é sua responsabilidade de aplicar o conhecimento da Lei para a solução de conflitos e impasses a serviço da melhor justiça. É a função que é coberta de méritos, não as excelsas pessoas encarregadas de exercê-la. Algumas delas, pelo contrário, parecem querer subtrair méritos do cargo, ao não compreender diferença tão simples.

Não é um problema restrito a uma única categoria. Mas só uma delas arrisca-se a ser alvo do também superlativo "Demeritíssimo".

segunda-feira, 2 de março de 2015

USO DE PORSCHE POR JUIZ PODE TRANSFORMAR EIKE EM VÍTIMA

G1 FANTASTICO Edição do dia 01/03/2015


Procurador teme que uso de Porsche por juiz deixe Eike Batista como vítima. Juiz federal foi flagrado dirigindo o carro importado do empresário no Rio. Veículo tinha sido apreendido durante processo contra Eike.




Na terça-feira, o juiz Flávio Roberto de Souza foi flagrado chegando ao prédio da Justiça Federal, no Rio de Janeiro, dirigindo o Porsche Cayenne apreendido do empresário Eike Batista. Uma Range Rover e um piano de cauda, também apreendidos, estavam guardados no condomínio do juiz.

Segundo Flávio Roberto de Souza, ele guardou os carros em casa para preservar seu valor. O piano estava na casa de um vizinho do juiz, que foi designado fiel depositário.

“São pessoas que funcionam como depositários judiciais, ou depositário privados, que se comprometem pela conservação desses bens”, explica João Ricardo Costa, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. “Especificamente, no caso do Rio de Janeiro, não se demonstra ser uma conduta usual escolher um vizinho numa capital onde existem várias possibilidades de depósito judicial. Não é uma prática usual dos juízes. E é vedado por lei”.

“O doutor Flávio faz deliberadamente uma confusão entre juízo e juiz. Juiz é a pessoa. Juízo é o órgão. Apreendidos os carros e os pianos, estavam em poder do juízo e não do juiz”, declara Sergio Bermudes, advogado de Eike Batista.

Eike Batista responde a dois crimes na Justiça Federal: manipulação de mercado e uso de informação privilegiada. Ele está sendo investigado ainda pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Ele deve quase R$ 3,5 bilhões na praça. As apreensões de bens servem para garantir o pagamento de indenizações e multas caso Eike seja condenado.

“A decisão de apreensão dos bens, do sequestro dos bens, é uma decisão absolutamente legítima. Uma decisão que foi requerida pelo Ministério Público Federal, por mais de um procurador da República, e por mim ratificada. E é uma decisão que era necessária para resguardar os interesses daqueles lesados, aquelas pessoas que tiveram as suas economias perdidas dentro desse processo especulatório que o empresário é acusado”, afirma o procurador da República José Maria Panoeiro.

Para o advogado do empresário, a denúncia contra o Eike não se sustenta.

“Ela parte da afirmação de que Eike é culpado. E a partir daí ela vai buscar elementos para confirmar essa conclusão. A denúncia não tem nenhuma razão de ser”, argumenta Bermudes.

O juiz Flávio Roberto de Souza foi afastado do processo pela Corregedoria Nacional de Justiça na quinta-feira. E está impedido de dar qualquer declaração sobre o caso por ordem do Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

O Porsche Cayenne foi retirado do juiz. O piano e a Range Rover foram devolvidos para Eike Batista. Os leilões dos carros e de outros bens do empresário foram suspensos e aguardam uma nova data.

“A gente não pode pegar e, a partir de uma situação inconveniente, uma imagem muito ruim, que se apresentou nesse caso, que a gente acabe vitimizando o réu desse processo”, diz Panoeiro.

domingo, 1 de março de 2015

O PORSCHE É DO JUIZ

ZERO HORA 01 de março de 2015 | N° 18088


PAULO SANT’ANA






Foi merecido o estrépito feito pelos jornais no caso do juiz de Direito que usa o carro do réu apreendido no processo que ele mesmo preside.

O juiz usa o carro de luxo apreendido no processo, caramba, agora tudo o mais de absurdo é possível.

Tal escândalo propiciou que eu lesse as duas melhores piadas que li nesses 44 anos em que estou em ZH.

Primeira piada espetacular enviada por um leitor e publicada no Informe Especial de Zero Hora: “Acabei de receber importante ensinamento jurídico. Juiz passeando com carro apreendido: isso que se chama transitar em julgado”.

Segunda piada genial: “O magistrado levou ao pé da letra a noção de que cabe ao juiz conduzir os autos do processo”.

Em boa hora, a associação dos magistrados condenou energicamente a atitude do juiz.

E o juiz se defendeu dizendo que é normal e comum que a Justiça peça a utilização de carros apreendidos. Normal? Comum? E nós não sabíamos disso até hoje!

Quanto ao fato de que o mesmo juiz recolheu um piano pertencente ao réu para a casa de uma vizinha, se lá o piano está bem guardado, ótimo.

O juiz carioca não pode continuar judicando depois desse erro. Um juiz tem o dever de ser cioso com o processo, com seus autos, com suas coisas apreendidas. Ao usufruir do carro do réu, o juiz maltratou todos esses requisitos.

Esse juiz se julga divino, acima do processo, acima da Justiça: entende que pode fazer o que bem entender do carro do réu como poderia fazer o que bem entendesse com a mulher do réu.

Tem de ser punido o juiz. E tem de apreender o carro do juiz e permitir que o réu o use, como represália.

Pergunta: será que o juiz pagou a gasolina ao usar o carro do réu ou exigiu que o réu pagasse a gasolina para que o senhor respeitável juiz usasse o carro dele, réu?


JUÍZES DE BENGALA



ZERO HORA 01 de março de 2015 | N° 18088


CARLOS ROLLSING

PEC DA BENGALA. Indicações ao STF são novo foco de tensão


CÂMARA DEVE VOTAR nos próximos dias proposta que adia aposentadoria compulsória de ministros da Corte. Projeto é apoiado pela oposição e, se aprovado, vai impedir que Dilma faça seis nomeações



Articulada pela oposi­ção e por parcelas do PMDB, uma proposta de emenda à Constituição batizada de PEC da Bengala poderá ser votada pela Câmara nesta semana.

Se aprovada, elevará de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e demais Cortes superiores. A iniciativa poderá retirar da presidente Dilma Rousseff a prerrogativa de fazer mais seis indicações ao STF até o final do mandato.

As futuras nomeações se referem a cinco ministros que vão alcançar os 70 anos e à substituição de Joaquim Barbosa, que deixou antecipadamente a Corte em 2014. Se permanecerem as regras atuais – estabelecidas na Constituição de 1988 –, em dezembro de 2018 a Corte terá 10 dos 11 ministros indicados pelo PT.

O deputado Nelson Marchezan (PSDB-RS) admite que o ingrediente político alimenta o anseio de aprovação da PEC:

– A principal motivação é a forma como o PT utiliza a estrutura do Judiciário. As indicações para os tribunais seguem os critérios das nomeações para as estatais, e os resultados são conhecidos.

Das indicações petistas, a mais rumorosa foi a de Dias Toffoli, que havia sido advogado do partido. Outros governos também fizeram escolhas criticadas. Gilmar Mendes foi empossado em 2002 por escolha do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Antes, havia trabalhado em cargos da administração tucana.

ASSOCIAÇÃO PREGA CRIAÇÃO DE MANDATO

Para os governistas, a PEC é revanchista. O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) argumenta que qualquer alteração deveria valer só para futuros ministros. Mexer nas regras para os atuais magistrados, diz, seria quebra constitucional.

– Os indicados precisam ser aprovados em sabatina no Senado, não há caso de magistrado que não exerça com independência jurídica e intelectual suas funções. Veja a atuação de Barbosa, indicado por Lula, no caso da Ação Penal 470 (mensalão) – afirma Pimenta.

Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa classifica a PEC como “antidemocrática” por dificultar a renovação. Para o dirigente, a falta de alternância irá retirar a perspectiva de ascensão dos juízes, o que poderá gerar aposentadorias precoces e prejuízos à Previdência.

Para a AMB, uma alternativa seria a adoção de mandatos para os ministros, entre 10 e 15 anos, como ocorre em países como Itália e Alemanha. Já a retirada da prerrogativa da indicação do presidente, transferindo-a para eleições internas no Judiciário ou mesmo para consultas à população, não está em discussão.

O QUE ESTÁ EM JOGO
-Ministros que se aposentam até o final de 2018: Celso de Mello (novembro de 2015), Marco Aurélio Mello (julho de 2016), Ricardo Lewandowski (maio de 2018), Teori Zavascki (agosto de 2018) e Rosa Weber (outubro de 2018).
-Está ainda aberta a vaga de Joaquim Barbosa. Na semana passada, o ministro aposentado disse ser contra a PEC. Para ele, o STF “não é lugar para ficar 20 anos (...), senão fica muito viciado”.
-Presidentes que indicaram os 10 atuais ministros do STF: José Sarney (Celso de Mello), Fernando Collor (Marco Aurélio Mello), Fernando Henrique (Gilmar Mendes), Lula (Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli) e Dilma (Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Roberto Barroso).