MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

sábado, 22 de outubro de 2016

DESMONTE DO CNJ, COMPADRIO, APADRINHAMENTO E NEGOCIATAS PARTIDÁRIAS

REVISTA ISTO É, Edição 21.10.2016 - nº 2446


Por Débora Bergamasco

Foto: Paulo Giandalia/Agência Estado; Marcelo Camargo/Agência Brasil

NO ATAQUE: Aos 71 anos e fora da vida pública há mil dias, a advogada não tem meias palavras: “Eu piso no tomate”

Primeira mulher no Superior Tribunal de Justiça e famosa por acusar a existência de “bandidos de toga” quando ocupou por dois anos o cargo de corregedora nacional do Conselho Nacional de Justiça, a ex-ministra Eliana Calmon, 71 está aposentada do serviço público há cerca de mil dias, mas segue disparando críticas ao sistema político e ao Judiciário. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, a advogada diz que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, é “o pai do desmonte do CNJ” e o acusa de apoiar o “inoportuno” reajuste salarial de magistrados para “ficar bem com o Poder Judiciário”. E declara que a medida só teve sucesso no Congresso Nacional porque ninguém quis brigar com o setor: “Está todo mundo com o rabo na cerca com essa Operação Lava Jato”. Candidata ao Senado em 2014, ela diz que a experiência foi rica para “conhecer a política por dentro” e afirma que ninguém quer melhorar a situação partidária.


O que a senhora acha do aumento salarial para o Judiciário?


Sou absolutamente contra. É inoportuno. O magistrado está ganhando muito bem. Vamos fazer o seguinte? Uma tabela comparativa mostrando quanto ganha um médico do Exército, por exemplo, com dedicação exclusiva. Ou um dentista, um advogado… Mas, não, eles só querem se comparar com o que ganha um milionário, aí não é possível.


Por que esse aumento obteve sucesso no Congresso Nacional?


Houve um lobby muito grande. Mas também porque ninguém quer brigar com o Poder Judiciário.


Por quê?


Por quê? Não precisa nem eu dizer. Um juiz que trabalhava comigo dizia “ministra, está todo mundo com o rabo na cerca”. É uma expressão de matuto. O animal preso pelo rabo fica desesperado, faz qualquer coisa para sair. Então, está todo mundo com o rabo na cerca com essa operação Lava Jato. Então, é melhor não brigar com ninguém que tenha saia. Não se briga com mulher, com amante, nem com juiz, nem com padre. Usou saia, meu amigo, faça as pazes.


O ministro Ricardo Lewandowski lutou muito por esse aumento…


Pois é. Ele prometeu isso. Brigou muito para se contrapor a Joaquim Barbosa (ex-ministro do STF), que era absolutamente contra, então ele se colocou a favor. Quando os juízes foram pedir aumento a Joaquim, e eu estava presente, ele passou uma descompostura. E o Lewandowski se colocou inteiramente contrário àquela posição e aí teve de manter isso até o fim.


Há “bandidos de toga”, como a senhora declarou quando era corregedora do Conselho Nacional de Justiça?


Opa, muitos. Depois que eu saí da Justiça vi que há mais do que eu pensava. Porque eu estou do outro lado do balcão e as pessoas contam para mim as coisas que se passam. Quem conta são os advogados, que são os maiores conhecedores, os empresários e muitos dos que são achacados.

“Foi feito um desmonte do Conselho Nacional de Justiça. O ministro Ricardo Lewandowski nunca aceitou bem a interferência do CNJ no Poder Judiciário”


O que a senhora acha do trabalho do CNJ atualmente?


É como se ele tivesse encolhido. Foi feito um processo de desmonte do CNJ desde que saí. A partir da administração do ministro Gilson Dipp e em seguida, a minha, fizemos um trabalho de enfrentamento e isso deu muita projeção ao CNJ. E a partir daí o corporativismo tentou imoedir que o órgão tivesse interferência nas correições, nas atividades administrativas dos Tribunais — e isso contou com o entendimento que tinha o ministro Lewandowski. Ideologicamente, ele nunca aceitou bem essa interferência do CNJ no Poder Judiciário.


Quem é o pai desse desmonte?


Eu acho que foi o Lewandowski. O CNJ está para se transformar em uma figura completamente figurativa se for aprovado um projeto que cria os conselhos dos Tribunais de Justiça. Eles fariam uma filtragem de todas as denúncias que deveriam ir para o CNJ.


Qual seu balanço da Lava Jato?


Foi um divisor de águas, que começa com o mensalão e chega com mais profundidade na Lava Jato. Até porque encontrou uma legislação mais evoluída, como a lei da improbidade empresarial que traz diversos instrumentos como o acordo de leniência, a delação premiada, os acordos de compliance.


Há críticas de que estaria havendo abuso para obter delações, prendendo o investigado para forçá-lo a delatar.


Quando eu estava na Justiça, eu não tinha delação premiada. Mas confesso que quando participava das minhas grandes operações policiais eu fazia a mesma coisa. Eu entendia que nos crimes de colarinho branco, de organizações criminosas, você consegue ter um avanço nas investigações quando o sujeito deprime e fica com medo de ser condenado. Os mais duros não abriam o bico. Os mais acessíveis terminavam falando o que se passava naquela organização criminosa. Vejo a Lava Jato com bons olhos. Não se trata de ser justiceiro, mas usar o meio adequado previsto na lei.


O ex-presidente Lula diz estar sendo perseguido pelo juiz Sergio Moro. A senhora concorda?


O ex-presidente Lula e o PT ficaram com essa ideia de perseguição, essa cantilena, mas com o passar do tempo foi arrefecendo. Porque estão pipocando denúncias de tudo quanto é parte, de juízes, de São Paulo, de Curitiba, de Brasília. Isso não é uma perseguição nem de Sergio Moro nem de ninguém.


Moro é apontado pelo PT como arbitrário e autoritário…


Mas isso era de se esperar, porque todas as vezes que uma autoridade está tendo sucesso na punibilidade começa a ser desqualificada, porque essa desqualificação quer tirar o foco do réu e colocar no juiz. Bastante previsível.


O ex-senador Delcídio do Amaral disse em delação premiada que o governo Dilma Rousseff nomeou Marcelo Navarro ao STJ para atender interesses de presos da Lava Jato. A senhora acha que isso pode ter acontecido?


Eu não acho que seja mentira dele, não. Porque, quando se está pleiteando um cargo de ministro, se pede a todo mundo. E as pessoas menos fortes fazem, inclusive, algumas promessas. Agora, entre fazer a promessa e cumpri-la, está uma grande diferença. Eu acredito que seja verossímel, que houve ingenuidade por parte do governo e acho que houve leviandade por parte dos atores do Poder Judiciário.


Como assim, “se pede a todo mundo”?


Todo mundo (que pleiteia o cargo) promete, todo mundo tem padrinho político e esses padrinhos cobram e cobram. Ou seja, nesse mundo de poder, cada um tem um dono. Por isso eu sempre achei execrável essa forma de escolher ministro, porque fica com o pires na mão pedindo a todo mundo. E os advogados sabem exatamente, quando querem alguma coisa, a quem pedir. Pedem aos padrinhos políticos, para que peçam (aos magistrados) por eles. Quem quebra esse ritual termina ficando na vitrine. Começam a dever favor a partir da entrada na lista. Aí os colegas dizem assim: “Eu votei no seu nome, portanto você tem que contratar fulano para o seu gabinete, tem que empregar tantos assessores.” É assim que funciona no poder.


A senhora também teve padrinho político.



Sim. Quando cheguei ao Senado para a sabatina e me perguntaram o que eu achava desse sistema de escolha, eu disse: “Acho terrível, porque as pessoas ficam nas mãos dos padrinhos políticos”. Aí me perguntaram se eu havia tido padrinho. Respondi: “Lógico, se não eu não estaria aqui. São fulano, ciclano e beltrano”. Assim que disse quem eram, eles já não podiam me pedir nada.


Como foi sua experiência como candidata do PSB ao Senado em 2014 pela Bahia?


Extremamente rica para conhecer a política por dentro. Conheci a verdade dos partidos para saber que são casas de negócio onde não há proteção para os próprios candidatos bem desempenharem suas candidaturas. O partido trabalha para os interesses econômicos do partido. E ninguém está querendo melhorar a situação partidária, ao contrário. Querem igualar os partidos para que todos sejam casas de negócio, cada um com sua casa mais bem estruturada para vender o nome do partido, o fundo partidário, o tempo de televisão. Vender “vendido” mesmo: eu troco apoio na minha base e você me dá cargos; ou você fica como candidato do partido a prefeito na cidade tal e me paga R$ 100 mil. Eu vi isso por dentro.“Gilmar Mendes é um pouco descuidado. Mas não conheço nenhum ato dele que possa ser considerado de improbidade”



A senhora pode dizer onde isso aconteceu?


Não, eu chegava em algumas capitais e perguntava como estava o partido tal e aí me contavam. Tinha um cara decentíssimo que era presidente do diretório, mas tiraram e botaram um sujeito safado por R$ 70 mil.



Qual sua opinião sobre o pedido de impeachment de Gilmar Mendes?


Ele é um pouco descuidado, emocional. Quando se zanga, fala de uma forma muito desabrida e isso pode dar uma conotação política. Mas não conheço nenhum ato dele que possa ser considerado de improbidade. Acho uma demasia, fruto de pessoas que querem neutralizá-lo.


Um ministro do Supremo pode dar opiniões políticas?


Não é comum, não deveria, mas ele faz. Até aqui, o que ele fez, não pode ser considerado criminoso. Ele fala, mas e aqueles com atos muito mais profundos de identidade ideológica e que não falam e a gente só vê as consequências do seu agir? Esses é que são perigosos.


A senhora nominaria algum?


Não. Assim também já é demais. Eu piso no tomate, mas não nessa velocidade (risos).


Nossos presídios estão à beira do colapso. O que pode ser feito, dentro do atual contexto orçamentário?


Quando os recursos são escassos, é preciso definir prioridades — e a questão carcerária é um tema que não pode ser relegado a segundo plano. O Ministério da Justiça precisa aperfeiçoar a gestão de projetos que já vêm sendo implementados pela área técnica e trabalhar de forma integrada com o judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Importante ainda não insistir em ideias mágicas, fáceis e equivocadas, como foi a da privatização dos presídios, que não deu certo nem nos Estados Unidos.




quarta-feira, 12 de outubro de 2016

JUSTIÇA, IMPRENSA E A LIBERDADE

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ZERO HORA 12 de outubro de 2016 | N° 18658


ARTIGOS


 POR MIGUEL TEDESCO WEDY*




Se há duas instituições essenciais para a democracia, essas são a imprensa e um Poder Judiciário independente. A imprensa investiga, publica, debate, critica, opina, desnuda os fatos, mas para isso necessita de liberdade e de informação. Cerceada a sua liberdade ou a sua informação, ela morre. Por certo que sofre críticas em determinadas situações, mas é melhor criticar os eventuais excessos da imprensa do que garrotear e restringir a liberdade de imprensa. Atacar a garantia do sigilo da fonte de um jornalista, como recentemente se fez, é enfraquecer a sua autonomia por pressões políticas, econômicas ou ainda legais. No fundo, por certo, é um ato que ameaça a liberdade de expressão e de imprensa, o que pode ser um primeiro passo para fazer decair a liberdade. Lutar contra isso, pois, é um imperativo da democracia.

Do mesmo modo, o Poder Judiciário, em razão de seu imenso poder e independência, aqui e ali, pratica os seus excessos. E, quando o faz, é sinal que descurou da ponderação, do equilíbrio e da serenidade. E, assim, coloca a si próprio em perigo, pois perde o seu principal sustentáculo: a credibilidade e a ideia de que irá operar com isenção e imparcialidade. Por isso é importante que as partes atuem devidamente no processo, com seus recursos e suas garantias, a fim de restabelecer-se o equilíbrio. Quando isso se perde, quando a isenção, a ponderação e a imparcialidade não são senão quimeras e devaneios, não se perdem apenas as garantias, como o sigilo bancário, a presunção de inocência, a liberdade, o sigilo da fonte dos jornalistas, um processo com provas lícitas, perde-se, fundamentalmente, a crença na ideia de um Poder Judiciário que respeita as leis e a Constituição. E isso é deletério para a democracia.

Importa, pois, que a imprensa e o Poder Judiciário tenham asseguradas as suas garantias, mas que não descurem nunca dos seus imensos poderes, pois, se assim o fizerem, o que cairá será a própria democracia, não apenas os seus poderes. E, importa não esquecer, a democracia trazida pela Constituição de 1988, construída com enormes sacrifícios, após tantos anos de arbítrio e opressão.

*Advogado, professor da Unisinos

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A BUSCA DA JUSTIÇA



ZERO HORA 10 de outubro de 2016 | N° 18656



ARTIGO | MILTON R. MEDRAN MOREIRA*





Os leitores de Zero Hora se comoveram ao ver o desabafo de um pai, em página inteira, no dia em que se completavam 11 anos do assassinato do filho, sem que se tenha sequer identificado o responsável.

Em país onde só cerca de 8% dos homicídios dão origem a processos criminais, diz-se: a justiça dos homens falha, mas a divina jamais. A dicotomia justiça divina/justiça humana pode ser consoladora, mas não aplaca a dor de quem vê perenizar-se a impunidade. Afinal, nem todos creem em Deus ou em algum sistema infalível de justiça a se operar após a morte.

Seria possível conceber uma justiça infalível? Só mesmo numa sociedade em tudo o mais infalível, e composta de infalíveis indivíduos. Aí estamos falando em perfeição, que ninguém ousa atribuir a um indivíduo ou a qualquer comunidade deles.

Estaríamos, então, condenados ao caos? Se os mecanismos da vida não asseguram a realização da justiça, a vida não tem sentido. Parafraseando Dostoiévski, cujos personagens de Os irmãos Karamazov afirmam que “se não existe Deus, tudo nos é permitido”, poderíamos apregoar: se a justiça não existe, tudo está liberado.

O jeito de sair disso não está exatamente na fé numa divindade apta a compensar, tão logo morramos, todas as injustiças aqui cometidas, mas na crença da perfectibilidade do ser humano, sujeito a uma lei natural de evolução a se operar gradualmente pelas instâncias todas da vida. Superar o dualismo vida/morte pela dialética nascer/morrer/renascer/progredir sempre permite vislumbrar a perfectibilidade da justiça. Fora disso, só restam duas alternativas: negar a existência da justiça como valor inerente à vida ou relegá-la a dimensões para além do humano. Se inviável sua realização, inviáveis também o perdão e a tolerância que o humanismo nos legou. Quando não alcançável a justiça, sobrará apenas o desejo de vingança, mesmo que dissimulado em justiça.

Por certo, não é o que quer aquele pai, mas é o que a sociedade estimula, quando descura do dever de, permanentemente, buscar a justiça, alimentando a crença de ser ela humanamente viável sem que, para isso, se tenha de ferir a dignidade humana.

*Advogado e jornalista, diretor do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre

sábado, 8 de outubro de 2016

PUNIÇÃO RÁPIDA É UM DIREITO DA SOCIEDADE



ZERO HORA 08 de outubro de 2016 | N° 18655



EDITORIAL




Ao decidir que os réus podem ser presos depois de condenados por um tribunal de segunda instância, o STF contrariou o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado.

A Constituição brasileira diz que uma pessoa não pode ser considerada culpada enquanto puder provar sua inocência, mas a distância entre a condenação e a punição foi abreviada pelo Supremo Tribunal Federal na última quarta-feira. Ao decidir por seis votos a cin co que os réus podem ser presos depois de condenados por um tribunal de segunda instância, o STF contrariou os defensores da presunção de inocência até o trânsito em julgado, mas fechou uma das comportas da impunidade e, de quebra, reforçou a Operação Lava-Jato. Na visão do juiz Sergio Moro, a Suprema Corte mostrou que o Brasil não é uma sociedade de castas, pois possibilitou que os crimes cometidos por poderosos também tenham pronta resposta na Justiça criminal.

Tem lógica esta interpretação. O revogado modelo de administração da Justiça permitia que condenados em condições de custear defesas caras apresentassem dezenas de recursos e procrastinassem a punição indefinidamente. São inúmeros os casos de criminosos confessos que permaneceram em liberdade durante anos, valendo-se da sobrecarga de trabalho dos tribunais superiores.

A execução antecipada da pena chegou a vigorar até 2009, mas foi alterada pelo próprio Supremo para a observância do trânsito em julgado. Agora, no rastro de sucessivos escândalos de corrupção e diante do clamor da opinião pública por punição para os corruptos, volta-se ao entendimento anterior como alternativa para combater a procrastinação.

Não é uma decisão pacífica, tanto que só foi tomada depois do voto de Minerva proferido pela ministra Cármen Lúcia. Mas sua argumentação foi tão simples quanto convincente: “Tendo havido a fase de provas com duas condenações, a prisão não me parece arbítrio”. Mais contundente ainda foi o ministro Luiz Fux ao lembrar que o direito do condenado à presunção de inocência não pode se sobrepor ao direito da sociedade de ver o crime ser punido em tempo razoável.

O mais importante é que o novo entendimento não interfere na autonomia dos juízes de primeira e segunda instâncias, que mantêm a prerrogativa de decidir se o condenado deve ser preso imediatamente ou permanecer em liberdade até que os recursos sejam julgados.

STF E O SISTEMA CARCERARIO



ZERO HORA 08 de outubro de 2016 | N° 18655


OUTRA VISÃO | ANDRÉ LUÍS CALLEGARI



POR ANDRÉ LUÍS CALLEGARI*



A polêmica sobre a execução provisória da pena foi julgada na última quarta-feira. O Supremo Tribunal Federal ratificou o entendimento de que após o reexame do recurso por um órgão colegiado já será possível o início do cumprimento da pena determinada pelo juiz de piso.

O fato de alguns recursos serem meramente protelatórios pesou a favor da execução provisória, bem como o fato de que, em vários países, é comum a execução da pena após a decisão de uma corte superior. Contra a decisão tomada pela maioria, um dos principais argumentos era a presunção da inocência, que seria desrespeitada caso executada provisoriamente a pena.

O argumento baseado na comparação com outros países é frágil, eis que esses sistemas citados como paradigma contemplam uma segurança jurídica desde a investigação até o julgamento final, onde todos os órgãos estatais são bem aparelhados e dotados de um equilíbrio de controle que permite uma paridade de armas no julgamento dos processos, fato esse que não é regra absoluta no Brasil.

Ao contrário de alguns dos países citados nas declarações de votos, nosso sistema de cumprimento de penas está colapsado, um dos piores da América Latina. Não há vagas nos presídios, as pessoas dormem amontoadas. Há rodízio para comer e dormir e o controle das casas prisionais pelas facções criminosas. O sistema semiaberto faliu e, no aberto, não há mais lugar também. O próprio CNJ tem esses dados e a contradição do recente julgamento do STF reside justamente aqui, ou seja, reconhece que o sistema faliu, porém, quer mais gente dentro dele. Qual será a mágica que será feita para colocarmos todos os condenados em segunda instância na prisão?

A decisão do Supremo Tribunal Federal não trouxe uma solução, mas, sim, delegou ao Executivo a nada grata missão de criar vagas em todo o sistema carcerário para atender a essa nova demanda. Esse imbróglio, criado em nome do enfrentamento à impunidade no Brasil, trará à tona casos ainda mais graves do sistema carcerário falido.

*Advogado criminalista e professor de Direito Penal


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A polêmica só existe porque ninguém se atreve a apurar a devida responsabilidade pelo colapso no "nosso sistema de cumprimento de penas", que realmente é desumano, inseguro, sem controle, dominado pelas facções e "um dos piores da América Latina". O STF e o CNJ não podem delegar ao Executivo a missão de criar vagas para atender a demanda, porque esta atitude é de omissão, de jogo de empurra e de lavar as mãos para as questões de ordem pública e para a questão do preso cuja supervisão é do Poder Judiciário, ao qual incumbe também a apuração de responsabilidade e o devido processo legal para punir o culpado por esta "colapso". Infelizmente, o que mais se vê é o uso deste "colapso"  para soltar os presos e devolver a bandidagem às ruas para terror da população, para criar leis permissivas favorecendo os criminosos e para criar medidas alternativas sem estrutura de execução e de fiscalização, estimulando a impunidade e a reincidência ao invés de reeducar, ressocializar, reintegrar os apenados e exigir dos poderes e órgãos competentes responsabilidades num subsistema  prisional humano, seguro e objetivo.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

A QUEM INTERESSA PRECARIZAR O SISTEMA NACIONAL DE JUSTIÇA?




ZERO HORA 04 de outubro de 2016 | N° 18651


ARTIGOS



POR RODRIGO TRINDADE DE SOUZA*



Aniversários servem para comemorar o passado e firmar compromissos ao futuro. Nascida em outubro de 1988, a Constituição Federal marcou o anseio coletivo de superar experiência autoritária, reconquistar direitos e concretizar exigências de justiça social. Tudo fundamentado na dignidade da pessoa humana e no funcionamento de organismos independentes e habilitados a fazer valer seus valores.

De 1988 ao presente, em poucos momentos vivemos tamanhos ataques aos órgãos investidos de poderes para cumprir e fazer cumprir as promessas constitucionais.

No último ano, é inegável o crescimento da percepção popular de importância dos órgãos do sistema nacional de Justiça – especialmente na repressão à corrupção e ao abuso do poder econômico. Os êxitos do combate a malfeitos históricos não passam despercebidos e vêm acompanhados de forte e infame reação.

Chamam atenção os riscos de projetos legislativos para tentar amordaçar o Ministério Público e intimidar juízes. Especialmente com o PL 280-16, pretende-se reduzir a liberdade de investigar e aplicar a lei sem receio de desagradar a poderosos. Caso projeto como esse tivesse sido aprovado em anos anteriores, dificilmente importantes investigações em curso no país teriam ido adiante.

Recentemente, a tentativa de asfixia da Justiça do Trabalho, por redução ilegítima e injustificada de orçamento, demonstra intenção de reprimir os que cumprem função de distribuição de direitos sociais. Não haverá surpresa se, em breve, outros órgãos importantes de investigação e repressão a interesses poderosos sofrerem idênticos assaltos.

A nova tática de estrangulamento também é perversamente requintada na resistência de conceder reajustes inflacionários mínimos à remuneração dos agentes de Estado envolvidos no sistema nacional de Justiça, especialmente juízes e promotores.

Todas essas pretensões precarizantes, manejadas por diferentes grupos de poder, assinalam vontade de corte na matriz constitucional. Como ocorreu em 5 de outubro de 1988, cumpre à cidadania realizar sua opção: aceitar retrocessos ou manter viva a esperança de cumprimento das velhas e inacabadas promessas de justiça.

*Coordenador da Frentas/RS (entidade representativa da magistratura e do Ministério Público – estadual, federal e trabalhista – do Rio Grande do Sul)