MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

TERRA DE DESMANDOS




"Uma nação perdida não é aquela que perdeu um governo, mas a que perdeu a Lei e a Justiça."
Lição de antigos mestres chineses



ZERO HORA 09 de dezembro de 2016 | N° 18710


GUILHERME RIZZO AMARAL



Bastaria vergonha na cara para impedir o presidente de qualquer um dos três poderes da República de exercer tal função na condição de réu em processo-crime. Mas é pedir demais aos nossos políticos, não? Por isso, a Constituição prevê expressamente que o presidente da República ficará suspenso de suas funções caso venha a se tornar réu em processo-crime. Ocorre que a Constituição nada diz sobre aqueles que estão na linha sucessória da Presidência da República, como, por exemplo, os presidentes da Câmara ou do Senado. Como faltou vergonha na cara a Eduardo Cunha e, agora, a Renan Calheiros, o STF teve de fazer um duvidoso “puxadinho” no texto constitucional para incluir seus casos.

O ministro Dias Toffoli, contudo, decidiu “segurar” o processo, impedindo que fosse finalmente julgado. Então, o ministro Marco Aurélio Mello resolveu determinar, sozinho, o afastamento de Renan, sem nenhuma urgência que o justificasse. O desmando foi respondido com outro ainda mais grave: a mesa do Senado decidiu, simplesmente, descumprir a decisão do STF, não sem antes o ministro Gilmar Mendes questionar publicamente a sanidade mental de seu colega de Supremo.

Corte para outra cena. Procuradores da República e o juiz Sergio Moro, agindo de maneira competente, correta e muito à vontade no território que dominam, sujeitam implacavelmente ao direito aqueles que antes estavam à sua margem. Porém, animados com o sonoro apoio da população, resolvem levar a batalha para o terreno inimigo, propondo mudanças legislativas de toda ordem, algumas boas, outras absurdas. E, lá, são batidos como um time de várzea jogando contra o Barcelona: não só veem o projeto desfigurado, como são acuados com a inclusão da hipótese de responsabilização de juízes e membros do Ministério Público por abuso de autoridade. Em choque, ameaçam, infantilmente, renunciar à condução da Operação Lava-Jato.

Vivemos, perigosamente, numa terra de desmandos. Não nos surpreendamos se futuros mandados de prisão da Lava-Jato vierem a ser resistidos pelos acusados com milícias armadas pagas com dinheiro público.

Advogado, doutor em Direito

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

A IMPUNIDADE E O CUSTO BRASIL DA APOSENTADORIA DE JUÍZES CONDENADOS

 
Brasil gasta R$ 16,4 mi ao ano com aposentadorias de juízes condenados pelo CNJ
 

Nivaldo Souza


Colaboração para o UOL, em São Paulo 05/12/201606h00





Uso do cargo para beneficiar loja maçônica, vendas de sentenças, relações pessoais com traficantes e assédio sexual a servidoras de tribunais. É grande a lista de crimes cometidos por juízes e desembargadores em todo o país que levou o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a determinar a aposentadoria compulsória de 48 magistrados desde 2008. A punição por aposentadoria compulsória custa aos cofres públicos anualmente R$ 16,4 milhões em pensões vitalícias e valores brutos, conforme levantamento inédito feito pelo UOL.

O montante gasto com os 48 magistrados condenados pelo CNJ daria para pagar com folga durante três anos os salários dos 11 ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Eles custam, juntos, cerca de R$ 5 milhões por ano entre vencimentos e impostos.

Em valores líquidos, após o desconto de impostos, a folha salarial dos ministros cai para R$ 3,2 milhões por ano. A remuneração dos magistrados punidos pelo CNJ fica em R$ 11,85 milhões anuais.

O valor médio recebido anualmente por juiz ou desembargador condenado com a aposentadoria compulsória varia de R$ 237 mil a R$ 329 mil, conforme a diferença entre vencimentos líquido e bruto. Os valores mensais foram multiplicados por 13 meses para chegar ao total anual, considerando o 13º salário.

Os dados foram coletados pelo UOL nos sites de transparência dos tribunais brasileiros e, em alguns casos, em valores informados pelas assessorias de imprensa dos órgãos judiciários.

Duas resoluções do CNJ determinam total transparência na folha de pagamentos dos tribunais. Mas nem todos cumprem a determinação. Os Tribunais de Justiça da Paraíba e do Rio de Janeiro não disponibilizam os dados.

A reportagem procurou as assessorias para acessar os números, mas não obteve resposta. Uma servidora que pediu para não ser identificada disse que foi "repreendida" por solicitar os dados internamente.

Para o ex-corregedor do CNJ Gilson Dipp, a dificuldade em ter acesso a informações que deveriam ser públicas ocorre porque "a Justiça não tem muita transparência".

Alan Marques/Folhapress
Gilson Dipp, ex-STJ, critica a atual forma de punir juízes 'Disparate'

O período de Dipp à frente da corregedoria nacional, entre os meses de setembro de 2008 e 2010, foi o de maior punição de magistrados. Ele participou de 18 afastamentos compulsórios, incluindo o do ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Paulo Medina por venda de sentenças para beneficiar empresários de bingos ilegais.

Dipp, que foi também ministro do STJ, considera o montante pago a magistrados afastados por atos ilícitos um "disparate" que contribui para reforçar na sociedade o sentimento de que a aposentadoria compulsória é um "prêmio" a corruptos.

Já o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), João Ricardo Costa, defende a manutenção das aposentadorias. "Essa regra traz muito mais ganhos para a sociedade do que fatos isolados que nós temos no país", diz.

A sociedade não perdoa juiz corrupto. É repugnante até para quem corrompe

Eliana Calmon, ex-presidente do CNJ

A aposentadoria compulsória é a pena máxima prevista na Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), criada em 1979 e incorporada pela Constituição de 1988. É uma medida administrativa, sem efeito penal imediato, e o pagamento só pode ser suspenso caso o magistrado seja condenado pela Justiça comum.

Embora desde 2012 o STF tenha decidido que magistrados aposentados não têm direito a foro privilegiado, a condenação no CNJ não gera uma ação penal automaticamente. É preciso que o Ministério Público, um tribunal ou mesmo um cidadão acione a Justiça para investigar o magistrado fora do âmbito administrativo. No geral, os casos envolvendo juízes e desembargadores caem no esquecimento após sair do CNJ.

Costa avalia que a punição administrativa é importante para evitar que os magistrados fiquem à mercê de pressões políticas e econômicas locais, uma vez que as investigações começam nos tribunais espalhados pelo país antes de chegar ao CNJ.

O dirigente da AMB cita um caso no Acre, onde um juiz endureceu nas decisões contra nepotismo e sofreu retaliações. "A punição administrativa é feita pela administração do tribunal, que pode ser pressionada pelo poder político local, pelo governo do Estado etc. Por isso tem toda uma justificativa para que o juiz não seja demitido pelo processo administrativo", diz.

Dipp sugere uma revisão na legislação para suspender os pagamentos em casos mais graves, como a venda de sentença. "O desejável é que não houvesse nenhum benefício [como a aposentadoria compulsória após comprovação de ilicitudes]. Isso é terrível, mas está previsto na lei. O Judiciário tem vantagens [financeiras] decorrentes de leis ou de decisões judiciais que não deveriam existir", afirma.

O dirigente da AMB defende uma reforma no sistema recursal, que permite um número elevado ações para protelar decisões definitivas. "O problema todo é que temos um sistema processual em que os processos não terminam nunca, principalmente em situações que envolvem agentes políticos, grandes empresários e também a magistratura", diz.

Elza Fiúza/Agência Brasil
A ex-corregedora do CNJ e ex-ministra do STJ Eliana Calmon 'Bandidos de toga'

A venda de sentença é a principal causa de afastamento de magistrados pelo CNJ, que inclusive já condenou três vezes o mesmo desembargador pelo crime.

Autora da expressão "bandidos de toga" para se referir aos magistrados corruptos, a ex-corregedora do CNJ e ex-ministra do STJ Eliana Calmon diz que pouca coisa mudou desde quando fez a afirmação, quando comandava a apuração de infrações cometidas por magistrados entre 2010 e 2012. "A sociedade não perdoa juiz corrupto. É repugnante até para quem corrompe", afirma.

Para Eliana Calmon, é preciso mudar a Lei Orgânica da Magistratura Nacional para haver mais rigor na punição de ilegalidades praticadas por juízes e desembargadores. "É necessário separar as maçãs podres para fortalecer o Judiciário com ainda mais credibilidade popular, como vem acontecendo depois da Lava Jato. Isso não exclui os juízes corruptos que se escondem, se protegem por detrás das garantias da magistratura. Este foi o sentido da frase que cunhei ao me referir aos bandidos de toga", recomenda.

A revisão da Loman, contudo, ganhou os holofotes recentemente depois que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pediu ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para "agilizar" a votação da proposta de emenda constitucional (PEC 53/2011).


Marcos Corrêa/Presidência
Temer (ao centro) faz reunião com Cármen Lúcia e Renan Calheiros após pressão no Congresso para mudar lei que permite demissão de magistrado A emenda foi aprovada no Senado em 2013, prevendo a cassação dos vencimentos de magistrados condenados pelo CNJ ao criar a possibilidade de "demissão" no âmbito da magistratura.

O texto dormitava nos escaninhos da Câmara, mas ressurgiu com a eclosão da Operação Lava Jato. Renan defendeu a PEC como "uma medida fundamental de combate à corrupção e à impunidade" dos magistrados e para acabar com o "prêmio" representado pela "aposentadoria por juiz e membro do Ministério Público" que cometeram crimes.

Dipp avalia que a iniciativa do Congresso fere a Constituição, uma vez que esta define o STF como órgão que deva sugerir um projeto de lei regulamentando uma nova Loman.

Na madrugada do dia 30, deputados federais aprovaram o texto-base do pacote de medidas anticorrupção proposto pelo Ministério Público. Com os novos tópicos apresentados e a derrubada de outros tantos, o projeto ficou desfigurado e foi criticado por várias instâncias do Judiciário, como a Procuradoria-Geral da República e a presidente do STF. Ele prevê punição a magistrados por abuso de autoridade.

O Poder Judiciário não está nem além nem aquém de qualquer outro sacrifício que o povo brasileiro e as instituições venham a passar

Gilson Dipp, ex-ministro do STJ e ex-corregedor do CNJ

Mas o ex-corregedor do CNJ critica a demora do STF em propor a lei. Nas contas de Dipp, o Supremo discute o tema internamente há mais de 15 anos. "Acho que o Judiciário já deveria ter ditado a adequação da nova Loman, consentânea com os tempos atuais. A Loman atual é antiquada e de certa maneira é corporativista", avalia.

Eliana Calmon também defende mudanças, ressaltando que há casos em que a aposentadoria compulsória é uma boa medida para servidores públicos em geral, inclusive no Judiciário. "É imprescindível que se façam correções na Loman", diz.

A ex-ministra do STJ sugere uma nova legislação que crie multas para infrações menores, exija o ressarcimento de dinheiro público desviado e suspenda o direito de magistrados voltarem por novo concurso. "Conheço juiz aposentado compulsoriamente por corrupção e que prestou novo concurso. Era juiz estadual e, após a punição administrativa, fez concurso para juiz federal. Se houvesse impedimento legal, ele não mais poderia fazer concurso, pelo menos para a magistratura", conta.
Penduricalhos

A folha de pagamento com os compulsórios pode ser ainda maior se considerar gratificações e indenizações pagas pelos tribunais regionais. São os chamados "penduricalhos".

O Tribunal de Justiça do Amazonas pagou neste ano, por exemplo, de R$ 10 mil a R$ 18 mil a cada um de quatro juízes aposentados por decisão do CNJ. Os valores aparecem na folha de pagamento apenas como "vantagens pessoais".

A situação permite a um ex-desembargador do TJ-AM ampliar substancialmente os seus vencimentos. O salário fixo dele é de R$ 30.471,11 por mês, mas, com o recebimento nos últimos meses de R$ 10 mil como "gratificação", o ganho mensal sobe para R$ 38.261,05. Em maio deste ano, ele recebeu R$ 15,8 mil em gratificação, que, somados à parcela do 13º, fizeram sua renda líquida atingir R$ 46.404,63.

Em resposta, o TJ-AM disse "que o valor de R$ 15.788,49 corresponde à Parcela Autônoma de Equivalência, no montante de R$ 10 mil, paga em cumprimento à decisão judicial, assim como acontece em todos os tribunais do país, devida aos magistrados ativos e inativos; e o valor de R$ 5.788,49, concedido por decisão administrativa que corresponde a uma diferença de subsídio do ano de 2005 autorizada pela Lei 3.506/2010, de 17/05/2010, cujo término do pagamento se deu em junho de 2016".

São esses penduricalhos nos salários que fazem o Judiciário pagar, em muitos casos, mais que o teto permitido pela Constituição, que é o vencimento bruto de ministro do STF: R$ 33.763.

Dipp afirma que "tem certos benefícios que não podem ser recebidos pelos aposentados, mas vários tribunais estão pagando".

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJ-SC) reforçou, em agosto, por exemplo, o contracheque de um ex-desembargador com bonificação de R$ 11.516,34. Foi o repasse da Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), concedido pelo órgão catarinense a seus magistrados para corrigir perda salarial com a URV (Unidade Real de Valor), adotada em 1994 para fazer a transição do cruzeiro para o real.

Ele foi afastado pelo CNJ em junho de 2014. Ele perdeu o cargo por não denunciar a exploração sexual de uma adolescente. A Polícia Federal identificou que ele sabia de relações de um amigo com uma garota de programa de 16 anos.

O ex-magistrado catarinense recebe mais de R$ 22,5 mil líquidos como aposentadoria, mas custa mais de R$ 30,3 mil ao TJ-SC, entre vencimento e impostos. Ele recebe mensalmente outros R$ 300 como auxílio-saúde.

Em nota, o TJ-SC confirmou o benefício da "restituição de contribuição do Instituto de Previdência de Santa Catarina, cobrado de forma equivocada em relação aos magistrados, e naquele instante [agosto] recomposto ao patrimônio dos anteriormente prejudicados, em conformidade com a legislação vigente".

Para o ex-corregedor do CNJ, a crise econômica impõe mais rigor ao Judiciário com esse tipo de "penduricalho" e deveria partir do STF a revisão dos benefícios. "O ajuste fiscal [conduzido pelo governo federal], não importa quem seja o causador, deve corresponder a todo o serviço público."

O presidente da AMB defende um enxugamento nos benefícios dos magistrados. Ele avalia que o ideal é uma combinação de salário mais o adicional por tempo de serviço, que englobaria o auxílio moradia pago hoje a magistrados da ativa. "O que queremos é uma política mais estável para a magistratura. O Congresso entende isso, mas não se direciona para criar essa estrutura legal", diz João Ricardo Costa.


 



sábado, 12 de novembro de 2016

TRAFICANTES PRESOS PLANEJAVAM ATACAR JUÍZA E POLICIAIS




ZERO HORA 12 de novembro de 2016 | N° 18685







EDUARDO TORRES
 


SEGURANÇA JÁ

CRIMINOSOS DE GRAVATAÍ arquitetavam sequestro de magistrada e execução de 10 agentes da Polícia Civil. Quadrilha foi alvo da Operação Clivium no ano passado. Brigadiano faria parte do esquema


“Polícia, polícia!”

Com o anúncio de costume, uma equipe de 12 agentes da Polícia Civil entrou numa casa do Vale do Taquari para cumprimento de mandado de busca, quando amanhecia a sexta-feira. Mas não era umasituação rotineira. Em poucos segundos, um policial militar (PM), fardado, estava encostado à parede e sendo revistado. Era o dono da casa, de 40 anos – 18 deles na Brigada Militar (BM) –, que saía para trabalhar, mas era o alvo da busca.

Conforme a investigação iniciada em Gravataí, o PM era um dos elos de um plano elaborado dentro do Presídio Central para sequestrar uma juíza daquele município, aterrorizar seus familiares e executar pelo menos 10 agentes da Polícia Civil que estiveram na linha de frente da Operação Clivium, uma das maiores do Estado nos últimos anos, que resultou em 123 presos. A polícia não revela as identidades dos ameaçados, mas a magistrada foi transferida para outra comarca. Os três delegados que estiveram à frente da operação de junho do ano passado também foram transferidos.

Em um ano marcado por brutalidades, como 11 decapitados na Região Metropolitana, assassinatos dentro de aeroporto, hospital e em estacionamento de supermercado, essa é mais uma das provas de que a afronta de criminosos à sociedade e autoridades da segurança pública não tem limites.

No final de 2015, comandados pelo traficante Vinícius Antônio Otto, o Vini da Ladeira, 37 anos, criminosos definiram a forma como a juíza deveria ser sequestrada. Tinham a sua rotina delimitada e os endereços onde a encontrariam. No planejamento, segundo os investigadores, também estavam incluídos dados sobre familiares dela que deveriam ser ameaçados. No caso dos policiais que entraram na mira da quadrilha, o plano era executá-los. E até as armas que seriam usadas para isso já estavam escolhidas.

– Eles definiram que, para atacar os policiais, usariam fuzis – conta o delegado Marco Antônio Souza, que comandou a Operação Clivium e, na manhã de sexta-feira, cumpriu o mandado no Vale do Taquari.

BANDIDOS DEPENDIAM DA JUSTIÇA PARA SEREM SOLTOS

Os pistoleiros também já estavam definidos. E aí surgia detalhe irônico na trama: os matadores também haviam sido alvos da Operação Clivium e seguiam presos até aquele momento. Dependeriam justamente do Judiciário os relaxamentos das suas prisões para que cumprissem as ordens do comando.

O papel do policial militar, ainda sob investigação, seria de fornecer informações sigilosas sobre dados pessoais dos alvos.

– Foi constatado que, com sua senha, o PM chegou a informações muito delimitadas de pessoas que coincidiam com a Clivium. Ao que tudo indica, estava filtrando dados sobre a localização dessas pessoas – aponta o delegado.

Conforme o policial, ainda é apurada a forma como o PM teria se aproximado da quadrilha que atua na Região Metropolitana. A suspeita é de que o contato teria sido feito por outros criminosos ligados à mesma facção criminosa dos Ladeiras, a quadrilha liderada por Vini. Na manhã de sexta-feira, o brigadano prestou depoimento na DP de Encantado e segue sob investigação.

A polícia não revela o período em que os dados foram acessados, já que a auditoria ainda está em andamento. Segundo o delegado Endrigo Marques, que também participou da investigação, pode haver outros agentes públicos envolvidos no esquema criminoso.

PM INVESTIGADO DIZ QUE EMPRESTOU SENHA A COLEGAS


O policial militar apontado pela Polícia Civil como um dos elos dos traficantes que planejavam atacar a juíza disse, em depoimento, que não teve envolvimento no caso e alegou ter compartilhado com colegas sua senha de acesso ao sistema de consultas integradas da segurança pública. Com isso, outros PMs serão investigados pela Polícia Civil. O brigadiano suspeito foi ouvido e liberado.

– Desde a chegada de policiais em sua casa, ele negou o fornecimento de informações, entregou computadores, pen drives, e ofereceu informações bancárias e fiscais. Foi o tempo todo colaborativo – disse o comandante regional da Brigada Militar no Vale do Taquari, coronel Gleider Cavalli.

O policial militar não foi intimado, e sim convidado a prestar depoimento.

– A auditoria ainda não foi encerrada para podermos delimitar qual foi o período em que o PM teria acessado esses dados. Mas podemos afirmar que está bem evidente que ele cruzava informações de pessoas específicas com o objetivo de determinar as localizações de possíveis vítimas – afirmou o delegado Marco Antônio Souza.

Na BM, de acordo com o coronel Cavalli, o policial militar responderá a processo administrativo-disciplinar (PAD) por ter cedido sua senha a colegas, atitude não permitida na corporação. Mas seguirá trabalhando.

DELAÇÃO PREMIADA REVELOU PLANO À POLÍCIA

Uma rara delação premiada, quando o assunto é crimes de tráfico de drogas, foi fundamental para que a polícia descobrisse o plano que era tramado dentro de galeria do Presídio Central. Dois homens presos preventivamente durante a Operação Clivium acertaram acordos em troca de benefícios e revelaram o esquema. Para preservá-los, a polícia não revela suas identidades.

– Um deles é um traficante bastante experiente, que já atuou inclusive com outras facções. Ele tinha acesso às lideranças da quadrilha, mas depois que foi preso, passou a ser ameaçado de morte. Procurou a polícia em busca de proteção – explica o delegado Marco Antônio Souza.

A proteção policial foi a moeda de troca pela delação. Primeiro, o delator foi transferido para outro presídio. Depois, teve a prisão relaxada, mas segue respondendo ao processo por tráfico de drogas e formação de quadrilha. A outra fonte de colaboração que acabou confirmando o plano de ataque às autoridades acertou o acordo em troca de relaxamento na pena – e também responde a processo por tráfico. Pelo acordo, não cumprirá pena em regime fechado.

– Foi um procedimento novo, nada comum quando se trata de tráfico de drogas, porque geralmente as testemunhas e os envolvidos silenciam. Sempre prevalece o medo. Negociamos e o resultado para a investigação foi excelente – afirma o diretor regional de Porto Alegre, delegado Eduardo Hartz.

Todo o processo de acordo da delação premiada foi acompanhado pelo Ministério Público.

AS IDAS E VINDAS DE VINI DA LADEIRA

Vinícius Antônio Otto, o Vini da Ladeira, atualmente está na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Mas a sua chegada até lá foi cercada de idas e vindas. Preso em abril do ano passado ao participar de um sequestro em Gravataí, Vini continuava comandando as ações criminosas da quadrilha, segundo a polícia, mesmo atrás das grades. Um pedido foi feito para que fosse transferido à Pasc. Foi cumprido, mas logo a defesa conseguiu seu retorno ao Presídio Central.

Conforme a defesa, os crimes alegados pelos investigadores aconteceram antes da prisão do criminoso. De volta ao Central, a Operação Clivium já havia sido desencadeada, com os primeiros 60 presos.

– Foi nesse momento que a quadrilha realmente se viu ameaçada. E aí, passaram a elaborar planos de violência contra as autoridades. Eles viram que as prisões, ao invés de relaxarem, estavam atingindo cada vez mais gente – acredita o delegado Marco Antônio Souza.

No final do ano passado, foi elaborado o pedido para que Vini fosse transferido a um presídio federal. Já havia informações sobre ameaças sendo tramadas contra a juíza de Gravataí. Ainda assim, a vara criminal negou a transferência. Por decisão da Vara de Execuções Criminais (VEC), o bandido foi novamente enviado à Pasc no começo deste ano. Conforme a investigação, Vini tinha ao seu lado, no planejamento do ataque, Juliano Biron da Silva, 34 anos. O homem, apontado pelo Denarc como um dos fornecedores de drogas e armas para facção criminosa, está preso desde janeiro. Ele foi indiciado pelo assassinato do fotógrafo José Gustavo Bertuol Gargioni, 22 anos, em agosto do ano passado, em Canoas. Em uma das galerias do Central, Biron seria o braço direito de Vini Ladeira.

– Todas as ações do Vini têm a chancela do comando da facção. E a posição dele é privilegiada pelo poder econômico que a sua quadrilha representa no grupo. Diria que o Vini ocupa hoje o posto que foi do Xandi (Alexandre Goulart Madeira) – diz o delegado Souza.

BLOQUEIO DE 40 CONTAS E SEQUESTRO DE 30 CARROS

Conforme apurado na Clivium, o bando movimentava, até a metade do ano passado, R$ 6 milhões por mês. A partir da Morada do Vale II, em Gravataí, o grupo fazia os contatos e distribuía drogas por todos os locais dominados pela facção.

Além da ação contra o tráfico de drogas, a investigação estrangulou as finanças do bando. Desde o início da operação, o inquérito por lavagem de dinheiro resultou em 40 contas bancárias bloqueadas. Dois caminhões cegonha, 30 carros, imóveis e dinheiro em espécie foram apreendidos.

No começo da semana, houve cumprimento de mandado relacionado a essa investigação. Um carro foi apreendido. Um dos gerentes do bando, que segue fazendo as articulações na rua, agora é procurado pela polícia.

A reportagem tentou contato com o escritório de Adriano Marcos Santos Pereira, advogado de Vini, na sexta-feira, mas ele não foi encontrado.

* Colaboraram Juliana Bublitz e Renato Dornelles



ATENTADO À DEMOCRACIA


Dirigentes de entidades representativas de magistrados e policiais civis demonstraram preocupação com a revelação do plano de ataque dos bandidos, apesar de o assunto não ser novidade no Estado. Para o presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Gilberto Schäfer, atitudes assim atingem a sociedade.

– Isso causa preocupação, pois essas ameaças são um atentado contra a própria democracia – diz.

Para Schäfer, são necessários investimentos em estrutura e recursos que aumentem a proteção dos magistrados e dos demais agentes públicos.

No entendimento do presidente do Ugeirm-Sindicato, que representa servidores de nível médio da Polícia Civil, Isaac Ortiz, o possível atentado representa o fortalecimento do crime organizado que está atrelado ao sucateamento da segurança pública no RS:

– Essa é a nossa preocupação desde que começou o descontrole na segurança. Estamos vivendo uma situação cada vez mais semelhante à do Rio de Janeiro e à de São Paulo. Tudo acontece devido ao enfraquecimento do Estado no que diz respeito à segurança.

CRIME MAIS ORGANIZADO NO ESTADO, DIZ ESPECIALISTA

Especializado em análise social da violência e segurança pública, o sociólogo Rodrigo de Azevedo afirma que este tipo de plano ou de ameaça é demonstração do poder de fogo do crime organizado:

– Esse tipo de recurso é estratégia de criminosos para se isentarem de punições. Atentados contra agentes públicos e juízes acontecem onde o crime está mais organizado e ousado.

Rodrigo lembra que não é caso inusitado, mesmo no RS. Em 2012, uma magistrada da Vara do Júri da Capital e sua família foram ameaçadas de morte por ligações anônimas e passaram a usar carros blindados. A suspeita dos telefonemas recaiu sobre PMs que haviam vasculhado dados pessoais da magistrada no sistema informatizado.

Naquele período no RS, outros 10 juízes estaduais necessitaram de escoltas. Hoje, apenas uma magistrada vive essa situação.

sábado, 22 de outubro de 2016

DESMONTE DO CNJ, COMPADRIO, APADRINHAMENTO E NEGOCIATAS PARTIDÁRIAS

REVISTA ISTO É, Edição 21.10.2016 - nº 2446


Por Débora Bergamasco

Foto: Paulo Giandalia/Agência Estado; Marcelo Camargo/Agência Brasil

NO ATAQUE: Aos 71 anos e fora da vida pública há mil dias, a advogada não tem meias palavras: “Eu piso no tomate”

Primeira mulher no Superior Tribunal de Justiça e famosa por acusar a existência de “bandidos de toga” quando ocupou por dois anos o cargo de corregedora nacional do Conselho Nacional de Justiça, a ex-ministra Eliana Calmon, 71 está aposentada do serviço público há cerca de mil dias, mas segue disparando críticas ao sistema político e ao Judiciário. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, a advogada diz que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, é “o pai do desmonte do CNJ” e o acusa de apoiar o “inoportuno” reajuste salarial de magistrados para “ficar bem com o Poder Judiciário”. E declara que a medida só teve sucesso no Congresso Nacional porque ninguém quis brigar com o setor: “Está todo mundo com o rabo na cerca com essa Operação Lava Jato”. Candidata ao Senado em 2014, ela diz que a experiência foi rica para “conhecer a política por dentro” e afirma que ninguém quer melhorar a situação partidária.


O que a senhora acha do aumento salarial para o Judiciário?


Sou absolutamente contra. É inoportuno. O magistrado está ganhando muito bem. Vamos fazer o seguinte? Uma tabela comparativa mostrando quanto ganha um médico do Exército, por exemplo, com dedicação exclusiva. Ou um dentista, um advogado… Mas, não, eles só querem se comparar com o que ganha um milionário, aí não é possível.


Por que esse aumento obteve sucesso no Congresso Nacional?


Houve um lobby muito grande. Mas também porque ninguém quer brigar com o Poder Judiciário.


Por quê?


Por quê? Não precisa nem eu dizer. Um juiz que trabalhava comigo dizia “ministra, está todo mundo com o rabo na cerca”. É uma expressão de matuto. O animal preso pelo rabo fica desesperado, faz qualquer coisa para sair. Então, está todo mundo com o rabo na cerca com essa operação Lava Jato. Então, é melhor não brigar com ninguém que tenha saia. Não se briga com mulher, com amante, nem com juiz, nem com padre. Usou saia, meu amigo, faça as pazes.


O ministro Ricardo Lewandowski lutou muito por esse aumento…


Pois é. Ele prometeu isso. Brigou muito para se contrapor a Joaquim Barbosa (ex-ministro do STF), que era absolutamente contra, então ele se colocou a favor. Quando os juízes foram pedir aumento a Joaquim, e eu estava presente, ele passou uma descompostura. E o Lewandowski se colocou inteiramente contrário àquela posição e aí teve de manter isso até o fim.


Há “bandidos de toga”, como a senhora declarou quando era corregedora do Conselho Nacional de Justiça?


Opa, muitos. Depois que eu saí da Justiça vi que há mais do que eu pensava. Porque eu estou do outro lado do balcão e as pessoas contam para mim as coisas que se passam. Quem conta são os advogados, que são os maiores conhecedores, os empresários e muitos dos que são achacados.

“Foi feito um desmonte do Conselho Nacional de Justiça. O ministro Ricardo Lewandowski nunca aceitou bem a interferência do CNJ no Poder Judiciário”


O que a senhora acha do trabalho do CNJ atualmente?


É como se ele tivesse encolhido. Foi feito um processo de desmonte do CNJ desde que saí. A partir da administração do ministro Gilson Dipp e em seguida, a minha, fizemos um trabalho de enfrentamento e isso deu muita projeção ao CNJ. E a partir daí o corporativismo tentou imoedir que o órgão tivesse interferência nas correições, nas atividades administrativas dos Tribunais — e isso contou com o entendimento que tinha o ministro Lewandowski. Ideologicamente, ele nunca aceitou bem essa interferência do CNJ no Poder Judiciário.


Quem é o pai desse desmonte?


Eu acho que foi o Lewandowski. O CNJ está para se transformar em uma figura completamente figurativa se for aprovado um projeto que cria os conselhos dos Tribunais de Justiça. Eles fariam uma filtragem de todas as denúncias que deveriam ir para o CNJ.


Qual seu balanço da Lava Jato?


Foi um divisor de águas, que começa com o mensalão e chega com mais profundidade na Lava Jato. Até porque encontrou uma legislação mais evoluída, como a lei da improbidade empresarial que traz diversos instrumentos como o acordo de leniência, a delação premiada, os acordos de compliance.


Há críticas de que estaria havendo abuso para obter delações, prendendo o investigado para forçá-lo a delatar.


Quando eu estava na Justiça, eu não tinha delação premiada. Mas confesso que quando participava das minhas grandes operações policiais eu fazia a mesma coisa. Eu entendia que nos crimes de colarinho branco, de organizações criminosas, você consegue ter um avanço nas investigações quando o sujeito deprime e fica com medo de ser condenado. Os mais duros não abriam o bico. Os mais acessíveis terminavam falando o que se passava naquela organização criminosa. Vejo a Lava Jato com bons olhos. Não se trata de ser justiceiro, mas usar o meio adequado previsto na lei.


O ex-presidente Lula diz estar sendo perseguido pelo juiz Sergio Moro. A senhora concorda?


O ex-presidente Lula e o PT ficaram com essa ideia de perseguição, essa cantilena, mas com o passar do tempo foi arrefecendo. Porque estão pipocando denúncias de tudo quanto é parte, de juízes, de São Paulo, de Curitiba, de Brasília. Isso não é uma perseguição nem de Sergio Moro nem de ninguém.


Moro é apontado pelo PT como arbitrário e autoritário…


Mas isso era de se esperar, porque todas as vezes que uma autoridade está tendo sucesso na punibilidade começa a ser desqualificada, porque essa desqualificação quer tirar o foco do réu e colocar no juiz. Bastante previsível.


O ex-senador Delcídio do Amaral disse em delação premiada que o governo Dilma Rousseff nomeou Marcelo Navarro ao STJ para atender interesses de presos da Lava Jato. A senhora acha que isso pode ter acontecido?


Eu não acho que seja mentira dele, não. Porque, quando se está pleiteando um cargo de ministro, se pede a todo mundo. E as pessoas menos fortes fazem, inclusive, algumas promessas. Agora, entre fazer a promessa e cumpri-la, está uma grande diferença. Eu acredito que seja verossímel, que houve ingenuidade por parte do governo e acho que houve leviandade por parte dos atores do Poder Judiciário.


Como assim, “se pede a todo mundo”?


Todo mundo (que pleiteia o cargo) promete, todo mundo tem padrinho político e esses padrinhos cobram e cobram. Ou seja, nesse mundo de poder, cada um tem um dono. Por isso eu sempre achei execrável essa forma de escolher ministro, porque fica com o pires na mão pedindo a todo mundo. E os advogados sabem exatamente, quando querem alguma coisa, a quem pedir. Pedem aos padrinhos políticos, para que peçam (aos magistrados) por eles. Quem quebra esse ritual termina ficando na vitrine. Começam a dever favor a partir da entrada na lista. Aí os colegas dizem assim: “Eu votei no seu nome, portanto você tem que contratar fulano para o seu gabinete, tem que empregar tantos assessores.” É assim que funciona no poder.


A senhora também teve padrinho político.



Sim. Quando cheguei ao Senado para a sabatina e me perguntaram o que eu achava desse sistema de escolha, eu disse: “Acho terrível, porque as pessoas ficam nas mãos dos padrinhos políticos”. Aí me perguntaram se eu havia tido padrinho. Respondi: “Lógico, se não eu não estaria aqui. São fulano, ciclano e beltrano”. Assim que disse quem eram, eles já não podiam me pedir nada.


Como foi sua experiência como candidata do PSB ao Senado em 2014 pela Bahia?


Extremamente rica para conhecer a política por dentro. Conheci a verdade dos partidos para saber que são casas de negócio onde não há proteção para os próprios candidatos bem desempenharem suas candidaturas. O partido trabalha para os interesses econômicos do partido. E ninguém está querendo melhorar a situação partidária, ao contrário. Querem igualar os partidos para que todos sejam casas de negócio, cada um com sua casa mais bem estruturada para vender o nome do partido, o fundo partidário, o tempo de televisão. Vender “vendido” mesmo: eu troco apoio na minha base e você me dá cargos; ou você fica como candidato do partido a prefeito na cidade tal e me paga R$ 100 mil. Eu vi isso por dentro.“Gilmar Mendes é um pouco descuidado. Mas não conheço nenhum ato dele que possa ser considerado de improbidade”



A senhora pode dizer onde isso aconteceu?


Não, eu chegava em algumas capitais e perguntava como estava o partido tal e aí me contavam. Tinha um cara decentíssimo que era presidente do diretório, mas tiraram e botaram um sujeito safado por R$ 70 mil.



Qual sua opinião sobre o pedido de impeachment de Gilmar Mendes?


Ele é um pouco descuidado, emocional. Quando se zanga, fala de uma forma muito desabrida e isso pode dar uma conotação política. Mas não conheço nenhum ato dele que possa ser considerado de improbidade. Acho uma demasia, fruto de pessoas que querem neutralizá-lo.


Um ministro do Supremo pode dar opiniões políticas?


Não é comum, não deveria, mas ele faz. Até aqui, o que ele fez, não pode ser considerado criminoso. Ele fala, mas e aqueles com atos muito mais profundos de identidade ideológica e que não falam e a gente só vê as consequências do seu agir? Esses é que são perigosos.


A senhora nominaria algum?


Não. Assim também já é demais. Eu piso no tomate, mas não nessa velocidade (risos).


Nossos presídios estão à beira do colapso. O que pode ser feito, dentro do atual contexto orçamentário?


Quando os recursos são escassos, é preciso definir prioridades — e a questão carcerária é um tema que não pode ser relegado a segundo plano. O Ministério da Justiça precisa aperfeiçoar a gestão de projetos que já vêm sendo implementados pela área técnica e trabalhar de forma integrada com o judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Importante ainda não insistir em ideias mágicas, fáceis e equivocadas, como foi a da privatização dos presídios, que não deu certo nem nos Estados Unidos.




quarta-feira, 12 de outubro de 2016

JUSTIÇA, IMPRENSA E A LIBERDADE

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ZERO HORA 12 de outubro de 2016 | N° 18658


ARTIGOS


 POR MIGUEL TEDESCO WEDY*




Se há duas instituições essenciais para a democracia, essas são a imprensa e um Poder Judiciário independente. A imprensa investiga, publica, debate, critica, opina, desnuda os fatos, mas para isso necessita de liberdade e de informação. Cerceada a sua liberdade ou a sua informação, ela morre. Por certo que sofre críticas em determinadas situações, mas é melhor criticar os eventuais excessos da imprensa do que garrotear e restringir a liberdade de imprensa. Atacar a garantia do sigilo da fonte de um jornalista, como recentemente se fez, é enfraquecer a sua autonomia por pressões políticas, econômicas ou ainda legais. No fundo, por certo, é um ato que ameaça a liberdade de expressão e de imprensa, o que pode ser um primeiro passo para fazer decair a liberdade. Lutar contra isso, pois, é um imperativo da democracia.

Do mesmo modo, o Poder Judiciário, em razão de seu imenso poder e independência, aqui e ali, pratica os seus excessos. E, quando o faz, é sinal que descurou da ponderação, do equilíbrio e da serenidade. E, assim, coloca a si próprio em perigo, pois perde o seu principal sustentáculo: a credibilidade e a ideia de que irá operar com isenção e imparcialidade. Por isso é importante que as partes atuem devidamente no processo, com seus recursos e suas garantias, a fim de restabelecer-se o equilíbrio. Quando isso se perde, quando a isenção, a ponderação e a imparcialidade não são senão quimeras e devaneios, não se perdem apenas as garantias, como o sigilo bancário, a presunção de inocência, a liberdade, o sigilo da fonte dos jornalistas, um processo com provas lícitas, perde-se, fundamentalmente, a crença na ideia de um Poder Judiciário que respeita as leis e a Constituição. E isso é deletério para a democracia.

Importa, pois, que a imprensa e o Poder Judiciário tenham asseguradas as suas garantias, mas que não descurem nunca dos seus imensos poderes, pois, se assim o fizerem, o que cairá será a própria democracia, não apenas os seus poderes. E, importa não esquecer, a democracia trazida pela Constituição de 1988, construída com enormes sacrifícios, após tantos anos de arbítrio e opressão.

*Advogado, professor da Unisinos

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A BUSCA DA JUSTIÇA



ZERO HORA 10 de outubro de 2016 | N° 18656



ARTIGO | MILTON R. MEDRAN MOREIRA*





Os leitores de Zero Hora se comoveram ao ver o desabafo de um pai, em página inteira, no dia em que se completavam 11 anos do assassinato do filho, sem que se tenha sequer identificado o responsável.

Em país onde só cerca de 8% dos homicídios dão origem a processos criminais, diz-se: a justiça dos homens falha, mas a divina jamais. A dicotomia justiça divina/justiça humana pode ser consoladora, mas não aplaca a dor de quem vê perenizar-se a impunidade. Afinal, nem todos creem em Deus ou em algum sistema infalível de justiça a se operar após a morte.

Seria possível conceber uma justiça infalível? Só mesmo numa sociedade em tudo o mais infalível, e composta de infalíveis indivíduos. Aí estamos falando em perfeição, que ninguém ousa atribuir a um indivíduo ou a qualquer comunidade deles.

Estaríamos, então, condenados ao caos? Se os mecanismos da vida não asseguram a realização da justiça, a vida não tem sentido. Parafraseando Dostoiévski, cujos personagens de Os irmãos Karamazov afirmam que “se não existe Deus, tudo nos é permitido”, poderíamos apregoar: se a justiça não existe, tudo está liberado.

O jeito de sair disso não está exatamente na fé numa divindade apta a compensar, tão logo morramos, todas as injustiças aqui cometidas, mas na crença da perfectibilidade do ser humano, sujeito a uma lei natural de evolução a se operar gradualmente pelas instâncias todas da vida. Superar o dualismo vida/morte pela dialética nascer/morrer/renascer/progredir sempre permite vislumbrar a perfectibilidade da justiça. Fora disso, só restam duas alternativas: negar a existência da justiça como valor inerente à vida ou relegá-la a dimensões para além do humano. Se inviável sua realização, inviáveis também o perdão e a tolerância que o humanismo nos legou. Quando não alcançável a justiça, sobrará apenas o desejo de vingança, mesmo que dissimulado em justiça.

Por certo, não é o que quer aquele pai, mas é o que a sociedade estimula, quando descura do dever de, permanentemente, buscar a justiça, alimentando a crença de ser ela humanamente viável sem que, para isso, se tenha de ferir a dignidade humana.

*Advogado e jornalista, diretor do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre

sábado, 8 de outubro de 2016

PUNIÇÃO RÁPIDA É UM DIREITO DA SOCIEDADE



ZERO HORA 08 de outubro de 2016 | N° 18655



EDITORIAL




Ao decidir que os réus podem ser presos depois de condenados por um tribunal de segunda instância, o STF contrariou o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado.

A Constituição brasileira diz que uma pessoa não pode ser considerada culpada enquanto puder provar sua inocência, mas a distância entre a condenação e a punição foi abreviada pelo Supremo Tribunal Federal na última quarta-feira. Ao decidir por seis votos a cin co que os réus podem ser presos depois de condenados por um tribunal de segunda instância, o STF contrariou os defensores da presunção de inocência até o trânsito em julgado, mas fechou uma das comportas da impunidade e, de quebra, reforçou a Operação Lava-Jato. Na visão do juiz Sergio Moro, a Suprema Corte mostrou que o Brasil não é uma sociedade de castas, pois possibilitou que os crimes cometidos por poderosos também tenham pronta resposta na Justiça criminal.

Tem lógica esta interpretação. O revogado modelo de administração da Justiça permitia que condenados em condições de custear defesas caras apresentassem dezenas de recursos e procrastinassem a punição indefinidamente. São inúmeros os casos de criminosos confessos que permaneceram em liberdade durante anos, valendo-se da sobrecarga de trabalho dos tribunais superiores.

A execução antecipada da pena chegou a vigorar até 2009, mas foi alterada pelo próprio Supremo para a observância do trânsito em julgado. Agora, no rastro de sucessivos escândalos de corrupção e diante do clamor da opinião pública por punição para os corruptos, volta-se ao entendimento anterior como alternativa para combater a procrastinação.

Não é uma decisão pacífica, tanto que só foi tomada depois do voto de Minerva proferido pela ministra Cármen Lúcia. Mas sua argumentação foi tão simples quanto convincente: “Tendo havido a fase de provas com duas condenações, a prisão não me parece arbítrio”. Mais contundente ainda foi o ministro Luiz Fux ao lembrar que o direito do condenado à presunção de inocência não pode se sobrepor ao direito da sociedade de ver o crime ser punido em tempo razoável.

O mais importante é que o novo entendimento não interfere na autonomia dos juízes de primeira e segunda instâncias, que mantêm a prerrogativa de decidir se o condenado deve ser preso imediatamente ou permanecer em liberdade até que os recursos sejam julgados.

STF E O SISTEMA CARCERARIO



ZERO HORA 08 de outubro de 2016 | N° 18655


OUTRA VISÃO | ANDRÉ LUÍS CALLEGARI



POR ANDRÉ LUÍS CALLEGARI*



A polêmica sobre a execução provisória da pena foi julgada na última quarta-feira. O Supremo Tribunal Federal ratificou o entendimento de que após o reexame do recurso por um órgão colegiado já será possível o início do cumprimento da pena determinada pelo juiz de piso.

O fato de alguns recursos serem meramente protelatórios pesou a favor da execução provisória, bem como o fato de que, em vários países, é comum a execução da pena após a decisão de uma corte superior. Contra a decisão tomada pela maioria, um dos principais argumentos era a presunção da inocência, que seria desrespeitada caso executada provisoriamente a pena.

O argumento baseado na comparação com outros países é frágil, eis que esses sistemas citados como paradigma contemplam uma segurança jurídica desde a investigação até o julgamento final, onde todos os órgãos estatais são bem aparelhados e dotados de um equilíbrio de controle que permite uma paridade de armas no julgamento dos processos, fato esse que não é regra absoluta no Brasil.

Ao contrário de alguns dos países citados nas declarações de votos, nosso sistema de cumprimento de penas está colapsado, um dos piores da América Latina. Não há vagas nos presídios, as pessoas dormem amontoadas. Há rodízio para comer e dormir e o controle das casas prisionais pelas facções criminosas. O sistema semiaberto faliu e, no aberto, não há mais lugar também. O próprio CNJ tem esses dados e a contradição do recente julgamento do STF reside justamente aqui, ou seja, reconhece que o sistema faliu, porém, quer mais gente dentro dele. Qual será a mágica que será feita para colocarmos todos os condenados em segunda instância na prisão?

A decisão do Supremo Tribunal Federal não trouxe uma solução, mas, sim, delegou ao Executivo a nada grata missão de criar vagas em todo o sistema carcerário para atender a essa nova demanda. Esse imbróglio, criado em nome do enfrentamento à impunidade no Brasil, trará à tona casos ainda mais graves do sistema carcerário falido.

*Advogado criminalista e professor de Direito Penal


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A polêmica só existe porque ninguém se atreve a apurar a devida responsabilidade pelo colapso no "nosso sistema de cumprimento de penas", que realmente é desumano, inseguro, sem controle, dominado pelas facções e "um dos piores da América Latina". O STF e o CNJ não podem delegar ao Executivo a missão de criar vagas para atender a demanda, porque esta atitude é de omissão, de jogo de empurra e de lavar as mãos para as questões de ordem pública e para a questão do preso cuja supervisão é do Poder Judiciário, ao qual incumbe também a apuração de responsabilidade e o devido processo legal para punir o culpado por esta "colapso". Infelizmente, o que mais se vê é o uso deste "colapso"  para soltar os presos e devolver a bandidagem às ruas para terror da população, para criar leis permissivas favorecendo os criminosos e para criar medidas alternativas sem estrutura de execução e de fiscalização, estimulando a impunidade e a reincidência ao invés de reeducar, ressocializar, reintegrar os apenados e exigir dos poderes e órgãos competentes responsabilidades num subsistema  prisional humano, seguro e objetivo.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

A QUEM INTERESSA PRECARIZAR O SISTEMA NACIONAL DE JUSTIÇA?




ZERO HORA 04 de outubro de 2016 | N° 18651


ARTIGOS



POR RODRIGO TRINDADE DE SOUZA*



Aniversários servem para comemorar o passado e firmar compromissos ao futuro. Nascida em outubro de 1988, a Constituição Federal marcou o anseio coletivo de superar experiência autoritária, reconquistar direitos e concretizar exigências de justiça social. Tudo fundamentado na dignidade da pessoa humana e no funcionamento de organismos independentes e habilitados a fazer valer seus valores.

De 1988 ao presente, em poucos momentos vivemos tamanhos ataques aos órgãos investidos de poderes para cumprir e fazer cumprir as promessas constitucionais.

No último ano, é inegável o crescimento da percepção popular de importância dos órgãos do sistema nacional de Justiça – especialmente na repressão à corrupção e ao abuso do poder econômico. Os êxitos do combate a malfeitos históricos não passam despercebidos e vêm acompanhados de forte e infame reação.

Chamam atenção os riscos de projetos legislativos para tentar amordaçar o Ministério Público e intimidar juízes. Especialmente com o PL 280-16, pretende-se reduzir a liberdade de investigar e aplicar a lei sem receio de desagradar a poderosos. Caso projeto como esse tivesse sido aprovado em anos anteriores, dificilmente importantes investigações em curso no país teriam ido adiante.

Recentemente, a tentativa de asfixia da Justiça do Trabalho, por redução ilegítima e injustificada de orçamento, demonstra intenção de reprimir os que cumprem função de distribuição de direitos sociais. Não haverá surpresa se, em breve, outros órgãos importantes de investigação e repressão a interesses poderosos sofrerem idênticos assaltos.

A nova tática de estrangulamento também é perversamente requintada na resistência de conceder reajustes inflacionários mínimos à remuneração dos agentes de Estado envolvidos no sistema nacional de Justiça, especialmente juízes e promotores.

Todas essas pretensões precarizantes, manejadas por diferentes grupos de poder, assinalam vontade de corte na matriz constitucional. Como ocorreu em 5 de outubro de 1988, cumpre à cidadania realizar sua opção: aceitar retrocessos ou manter viva a esperança de cumprimento das velhas e inacabadas promessas de justiça.

*Coordenador da Frentas/RS (entidade representativa da magistratura e do Ministério Público – estadual, federal e trabalhista – do Rio Grande do Sul)

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

REPORTAGENS SOBRE SUPERSALÁRIOS É PREMIADA PELA ANJ




ZERO HORA 29 de setembro de 2016 | N° 18647


GUILHERME MAZUI RBS BRASÍLIA

IMPRENSA. Série de reportagens sobre supersalários é premiada pela ANJ

GAZETA DO POVO e cinco de seus profissionais receberam honraria Liberdade de Imprensa


A série de reportagens que expôs a remuneração de membros do Judiciário e do Ministério Público (MP) do Paraná rendeu ao jornal Gazeta do Povo e a cinco de seus profissionais o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa. Depois da publicação, em fevereiro, o jornal e os autores das reportagens foram alvo de 48 ações movidas por juízes e procuradores de Justiça.

Concedido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), o prêmio foi entregue ontem, em Brasília. Além da publicação paranaense, receberam a distinção os jornalistas Chico Marés, Euclides Lucas Garcia e Rogerio Galindo, o infografista Guilherme Storck e o analista de sistemas Evandro Balmant.

Com base em dados públicos, a série mostrou que o Judiciário e o MP do Paraná pagaram “supersalários”, acima do teto constitucional, em razão de diferentes fontes de remuneração. Magistrados e procuradores reagiram, ingressando com ações individuais contra os profissionais da Gazeta do Povo, que tiveram de percorrer quase 30 cidades para acompanhar as audiências.

– Sentimos o impacto, sofremos. Percebemos que o risco era realmente significativo, com potencial de inviabilizar nossos sonhos e nossos compromissos com a sociedade – afirmou Guilherme Cunha Pereira, presidente-executivo do Grupo Paranaense de Comunicação, proprietário da Gazeta do Povo.

RECH CITA ATAQUES CONTRA JORNALISTAS

Em seu pronunciamento, Pereira agradeceu a reação dos meios de comunicação do país, cientes da “gravidade” do caso. Presidente da ANJ e vice- presidente editorial do Grupo RBS, Marcelo Rech frisou a importância da liberdade de imprensa para a democracia e o desenvolvimento de uma nação. Ele lembrou que o Brasil é o segundo país das Américas com maior número de comunicadores assassinados desde 1992 (39 mortos). Ainda citou recentes ataques contra profissionais da área, feitos por ativistas políticos ou policiais, durante coberturas de protestos.

– Nunca tivemos tantos países vivendo em regimes democráticos, mas, paradoxalmente, sou obrigado a escrever notas quase diárias de violação da liberdade de imprensa nos cinco continentes – relatou.

Representante do governo na cerimônia, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, assegurou o comprometimento do presidente Michel Temer com a imprensa livre no país.

– A liberdade de imprensa está no DNA do PMDB. No governo do presidente Michel Temer, seguramente a liberdade de imprensa será resguardada, prestigiada e protegida – garantiu.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

JUSTIÇA E POLÍTICA SEM MANIQUEÍSMO



ZERO HORA 24 de setembro de 2016 | N° 18643


EDITORIAL



A maior resistência à Lava-Jato vem de parcela da classe política, que só não boicota abertamente a operação por temor à opinião pública.O prende e solta do ex-ministro Guido Mantega, ainda que perfeitamente justificado pelo desconhecimento dos investigadores em relação ao drama familiar do investigado, foi imediatamente arrolado pelos inimigos da Operação Lava-Jato como mais uma comprovação de excessos praticados pelo juiz Sergio Moro, pelos procuradores do Ministério Público e pela própria Polícia Federal. Não é o primeiro fato questionado da operação que desvenda e combate o maior esquema de corrupção de que se tem conhecimento na história do país. Desde o início, os acusados, seus defensores e até mesmo autoridades independentes vêm colocando em dúvida procedimentos jurídicos e investigatórios. A maior resistência, obviamente, é de parcela da classe política, que só não boicota abertamente a operação por temor à opinião pública, mas, nos bastidores, maquina alterações legislativas destinadas a fragilizar a Lava-Jato, como se viu recentemente na tentativa de anistia para os beneficiários do caixa 2.

Há, realmente, muitos aspectos questionáveis na operação, que vão da prisão preventiva estendida até o suspeito colaborar à divulgação espetaculosa de fatos e decisões. Basta lembrar a polêmica gerada pela condução coercitiva do ex-presidente Lula e também pela divulgação de grampos telefônicos, que chegou a ser censurada pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal. No geral, porém, o saldo da investigação é extremamente positivo e conta com o apoio e o reconhecimento da maioria da população.

Ninguém quer que a Operação Lava- Jato seja fragilizada ou interrompida, com exceção dos investigados e daqueles que temem ser a bola da vez. Ainda assim, não se pode cair no maniqueísmo da Justiça moral contra a política imoral. O que todos precisamos perseguir é a Justiça equilibrada e equânime juntamente com uma política ajustada aos princípios mais elevados da democracia.

Justiça e política não são princípios opostos. São pressupostos complementares dos regimes democráticos e prerrogativas dos cidadãos que escolhem livremente ser representados por juízes, governantes e parlamentares. Magistrados e políticos, como lembrou outro dia a ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte Suprema, subordinam-se igualmente ao mesmo senhor: Sua Excelência, o Povo.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Há mais de 2.500 anos, no seu livro A Arte da Guerra, Sun Tzu alertava para a nocividade da ingerência política em questões técnicas....


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

JUSTIÇA FAZ PARTE DA SOLUÇÃO, MAS NÃO É A SOLUÇÃO DO PROBLEMA




ZERO HORA 21 de setembro de 2016 | N° 18640


DAVID COIMBRA



MORO FALA A ZH sobre a Lava-Jato e a operação similiar que houve na Itália, a Mãos Limpas


– A gente não está gravando, não é?

Foi a segunda frase que ouvi da voz do juiz Sergio Moro, ontem, depois do protocolar “boa tarde”, assim que sua secretária passou-lhe minha ligação. Eu falava de Boston; ele, de Curitiba. Não gravar entrevistas é questão tanto de cautela com a imagem quanto de segurança.


Moro, com carradas de razão, é homem preocupado com a segurança. Hoje, ele estará no Teatro Feevale, em Novo Hamburgo, para dar uma palestra sobre combate à corrupção e fazer o pré-lançamento do livro Mãos Limpas, uma tradução do italiano feita pela editora Citadel sobre a operação que, de certa forma, serve de inspiração para a brasileira Lava-Jato.

A palestra está marcada para as 20h, mas Moro não revela que horas chegará ao Rio Grande do Sul.

Moro, que é descendente de italianos, leu o livro no original.

– Uma leitura muito sofrida – admitiu. – Meu italiano não é tão bom assim.

Há, no livro, um artigo que Moro escreveu sobre a Mãos Limpas em 2004 e que, segundo ele, causou certa polêmica.

Perguntei se seu entusiasmo com a Operação Mãos Limpas foi o que determinou o curso de sua carreira como juiz. Foi o contrário:

– Tenho 44 anos. Durante a Operação Mãos Limpas, tinha 24, estava na faculdade, não sabia ainda que atuaria na justiça criminal. Posteriormente, depois de entrar no direito penal, é que revisitei o caso. Antes, meu interesse era só superficial.

Mas o que pode haver em comum entre a Mãos Limpas e a Lava-Jato?

– Há pontos de similaridade – diz. – Itália e Brasil são democracias relativamente recentes. Nos dois países, pode-se dizer que houve o que se chama de corrupção sistêmica. Pelos casos que já analisamos, e falo apenas sobre os casos já analisados, posso dizer que talvez exista a mesma situação de prática recorrente de corrupção nos contratos públicos.

Se existem pontos similares nos dois países, nas duas democracias e nos processos de corrupção, não poderia haver também na reação contra os juízes? Moro não tem esse temor? Ele assegurou que não:

– Acabei por conhecer dois dos magistrados que participaram da Mãos Limpas, Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo, e eles estão muito bem, tiveram longas e profícuas carreiras. Houve, isso sim, o assassinato do juiz Giovanni Falcone, pela máfia, na Sicília. O que se pode dizer que acontece são as usuais acusações de atuação partidária e de cometimento de excessos. Mas isso era esperado.

– Pode-se dizer que a situação desses dois juízes é um alento? – perguntei.

Moro riu:

– Sim. Pode-se dizer que é um alento.

A CORRUPÇÃO NÃO PODE SER COMBATIDA SÓ NA ÁREA CRIMINAL

Apesar desse otimismo, supus que o fato de Moro estar tão exposto devido à Lava- Jato faça com que ele tome medidas especiais de segurança para ele e a família. Ia perguntar a respeito, mas ele atalhou:

– Não falo sobre segurança. Por motivos de segurança.

O que, de certa forma, respondeu à pergunta. Mas Moro continuou falando sobre o assunto:

– Faço o meu trabalho. Existem outros juízes, em outras áreas, que também enfrentam situações perigosas, que também estão em posição delicada e em situação de risco. Não era para ser assim, é claro, mas isso faz parte da profissão.

Compromissos como este que Moro cumprirá no Estado estão se tornando cada vez mais raros.

– O trabalho está muito intenso – suspira.

Em geral, são eventos que ele marcou com muita antecedência e que acabam atropelando sua rotina em Curitiba. Quis saber se ele não teme que todo esse esforço acabe como acabou a Mãos Limpas na Itália: com os políticos aprovando leis que diminuíram penas, anistiaram condenados e acabaram reduzindo o alcance da operação.

– A democracia italiana não soube conter esse problema – reconheceu. – Mas é claro que a culpa não foi da magistratura. Acho que podemos dizer que o que a operação Mãos Limpas e a operação Lava-Jato nos ensinam é que esse problema não pode ser enfrentado apenas pela justiça criminal. A atuação da justiça criminal é importante, mas não é o suficiente. É preciso haver atuação de outras instituições e da sociedade civil, para retirar as oportunidades de cometimento de corrupção.

Pedi um exemplo de atuação da sociedade civil. Moro:

– O eleitor poderia cobrar mais do seu representante. É importante saber que a justiça faz parte da solução, mas não é a solução do problema.


VISITA AO RS

DISCURSO E PRÉ-LANÇAMENTO
- Sergio Moro dará hoje, às 20h, palestra no Teatro Feevale, em Novo Hamburgo. O tema é “Enfrentamento da corrupção sistêmica”. Na ocasião, também ocorrerá o pré-lançamento do livro Mãos Limpas. O evento é uma realização do Grupo Sinos.

O LIVRO - Operação Mãos Limpas – A Verdade Sobre A Operação Italiana Que Inspirou A Lava Jato
Autores: Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio
Introdução: juiz Sergio Moro
Editora: Citadel
Páginas: 896

O QUE FOI A MÃOS LIMPAS - Desencadeada na Itália entre 1992 e 1996, a Mani Pulite (Mãos Limpas, em italiano) foi uma das maiores operações contra a corrupção da história europeia. Serviu de inspiração para Sergio Moro na Lava-Jato. A Mani Pulite foi a maior investigação sobre corrupção sistêmica já realizada em um país. Conduzidas pela Procuradoria de Milão, as ações desvendaram uma rede de corrupção entre governo e empresas vendedoras de bens ou serviços ao setor público. A propina arrecadada financiava partidos e enriquecia políticos e amigos do poder. Durante a campanha da operação, 2.993 mandados de prisão foram expedidos e 6.059 pessoas foram investigadas. Entre elas, 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. Ao longo das investigações, 13 envolvidos cometeram suicídio e grandes partidos foram extintos. Parte das condenações foi revista por tribunais superiores, anos depois.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

SÃO OS PRESOS QUE MANDAM



ZERO HORA 07 de setembro de 2016 | N° 18628


RENATO DORNELLES


SEGURANÇA JÁ




Se havia alguma dúvida, não existe mais: as grandes galerias do Presídio Central, que concentram centenas de presos (em pelo menos uma delas há cerca de 500), são totalmente controladas pelas facções criminosas. Até aqui, havíamos assistido a várias demonstrações de força, mas nenhuma como a de ontem, quando os autointitulados “Bala na Cara” bateram de frente com o Judiciário, ao não permitir a saída de um preso provisório para uma sessão no Tribunal do Júri.

Situações como essa tendem a se repetir e a se agravar enquanto o Estado, com o aval de boa parte da sociedade, mantiver como única preocupação em relação ao sistema carcerário a segregação dos presos, como se o simples afastamento dos criminosos desse garantias de segurança à sociedade livre. Sobre isso, pergunto: existem muros e grades suficientemente altos a ponto de isolar por completo os presidiários? Não!

O próprio funcionamento do Central comprova isso. A começar pela distribuição dos presos. Não é o Estado que define em qual galeria cada um deles vai ficar. Para evitar o risco de misturá-los com grupos rivais, são distribuídos conforme a facção a qual pertencem.

Ou seja: se tiver ligação com os “Bala na Cara”, será colocado na terceira ou na segunda galerias do pavilhão F, dominada por esse grupo. Se for dos “Manos”, irá para a segunda ou terceira do pavilhão B, e assim sucessivamente. Isso, com a anuência da direção do presídio, do Ministério Público e do próprio Judiciário.

Em outras palavras, as galerias do presídio são forma de organização das facções. Cada uma tem um plantão (ou prefeito, na linguagem dos presos), que faz os contatos com a guarda, a direção do presídio, a Susepe e a Justiça. Em nome da galeria, faz reivindicações, encaminhamentos para assistência médica, transferências. Já houve várias denúncias de cobranças, por parte desses prefeitos, de pedágios para que as demandas fossem providenciadas. Um exemplo ocorreu há uns três anos, com exigência de taxa para acesso à Defensoria Pública. Isso comprova o controle exercido pelo plantão, ou prefeito, na figura do líder da facção ou de alguém nomeado por ele. Para este, quanto mais lotada a galeria, melhor, pois maior será a arrecadação.

O descontrole pelo Estado no interior dos pavilhões, eventuais ocorrências de corrupção, falhas na segurança (seja na entrada de visitantes, seja junto aos muros do presídio), permitem que armamento seja utilizado pelos líderes para a manutenção da ordem, e que o tráfico de drogas seja atividade corriqueira na prisão.

É importante salientar também que o Estado não fornece roupas, material de higiene e de limpeza aos apenados. Esses itens, somados a gêneros alimentícios (uma vez que a alimentação fornecida pela casa é considerada precária), são supridos pelas facções, que cobram por isso. O pagamento, pelos presos, é feito com dinheiro levado por familiares em dias de visitas. Caso isso não ocorra, fica uma dívida, que é cobrada após a progressão de regime ou libertação do detento. A quitação do débito, então, é feita por meio de crimes, como homicídios encomendados, roubos de veículos, assaltos a banco, a residências.

É importante frisar: as facções que atuam nos presídios têm correspondência com grupos do lado de fora, em determinadas regiões da cidade. Apesar disso, a guerra não se desenvolve na prisão, onde os líderes dos bandos, numa espécie de pacto, convivem pacificamente. A ordem é “bronca da rua deve ser resolvida na rua”. Toda e qualquer morte pensada no interior da cadeia deve ser consumado fora dela. Isso explica, em parte, o alto índice de homicídios na Região Metropolitana.

Em suma, em grandes presídios superlotados, como o Central, as facções se fortalecem, arrecadam e comandam crimes praticados do lado de fora. De outra parte, o Estado mantém sua meta de apenas segregar os presos (não investindo na ressocialização, por exemplo), exigindo apenas que não matem, não fujam e não realizem rebeliões, mantendo falso aspecto de calmaria e controle do sistema.

Enquanto isso, a sociedade livre paga um alto preço.

ORDEM DO CRIME BARRA JURI





ZERO HORA 07 de setembro de 2016 | N° 18628


FELIPE DAROIT


SEGURANÇA JÁ. Ordem de facção barra júri


DETENTO FOI IMPEDIDO de sair de galeria do Presídio Central da Capital, dominada pelo bando criminoso Bala na Cara, para participar de julgamento por tentativas de homicídio


Uma sessão do Tribunal do Júri marcada para as 9h30min de ontem, em Porto Alegre, foi cancelada porque o bando criminoso Bala na Cara impediu o réu de ser levado pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). O preso Arilson Luiz de Oliveira seria julgado na 1ª Vara do Júri por dupla tentativa de homicídio – a ficha criminal dele tem mais de 20 antecedes. A Susepe esteve no Presídio Central para fazer o deslocamento, mas não pode levar Oliveira ao Fórum porque os criminosos da facção impediram a saída dele da segunda galeria do pavilhão F, dominada pelo grupo.

O Judiciário foi comunicado e a juíza presidente da 1ª Vara do Júri, Taís Culau de Barros, registrou que “embora tenha sido intimado, o réu não foi conduzido pela Susepe sob alegação de que os apenados da facção ‘Bala na Cara’ teriam se recusado a sair da galeria. Dessa forma, estando o réu preso e não tendo sido conduzido, impossibilita a realização da sessão”.

Segundo o promotor de Justiça Eugênio Paes Amorim, que atua na 1ª Vara, a situação é um “fracasso” que escancara como o Estado não tem mínimo controle das cadeias:

– A facção Bala na Cara impediu o deslocamento do réu e não houve autoridade pública da Susepe para ingressar nas galerias e levá- lo coercitivamente. É o fracasso das instituições. Somos dominados e não dominamos. Quem manda no sistema prisional são os criminosos, e não as autoridades. Algo tem de ser feito, imediatamente.

LOTAÇÃO EM CHARQUEADAS SERIA MOTIVO DO PROTESTO


O julgamento de Oliveira foi remarcado para o dia 16 de setembro. Conforme o juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, Sidinei Brzuska, o motivo do bloqueio foi um protesto dos detentos reivindicando vagas nas cadeias. Segundo ele, a Penitenciária Modulada de Charqueadas tem galeria específica para presos da facção Bala na Cara. No entanto, o presídio está interditado, impedindo que integrantes do bando possam ser levados à galeria. Com isso, eles ficam nos bretes, celas pequenas e sem acesso a banho de sol.

O episódio na cadeia da Capital teria sido manifestação de apoio aos detentos de Charqueadas.

– (Os presos) deliberaram que não iriam tomar o café da manhã, almoçar e não fariam liberações até o juiz entrar em contato – explicou o diretor do Central, tenente-coronel Marcelo Gayer Barboza.

A situação voltou ao normal por volta do meio-dia. A Justiça decidiu transferir cinco detentos que estavam nos bretes de Charqueadas para o Central. Outros 18 presos que estavam no presídio da Capital, aguardando vagas no semiaberto, foram levados para a Modulada de Charqueadas.

O impedimento à saída de Oliveira não foi caso isolado ontem.

– Aconteceu com outros presos também. A reivindicação da facção dos Bala na Cara fez com que os apenados se recusassem a vir para as audiências – disse a juíza Taís.

O diretor do Central garante que os brigadianos têm condições de entrar “em todos os espaços do presídio” mas, no caso de ontem, se avaliou que seria melhor evitar possível confronto e aguardar a conversa dos detentos com a VEC para normalizar a situação.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

MANTENHAM OS BANDIDOS PRESOS



Enquanto leis frouxas e juízes liberais mantiverem ladrões soltos, os extremistas vão continuar clamando por vingança imediata

Por: Humberto Trezzi
ZERO HORA 29/08/2016 - 14h42min 



Manifestantes colocaram caixões estilizados em frente à residência do governador em protesto contra morte de mãe que foi buscar a filha na escolaFoto: Jefferson Botega / Agência RBS


Justiça não é vingança e, por isso, é lamentável a onda de brados por punições drásticas como os vistos recentemente por ocasião da morte, em assalto, de uma médica e de uma mãe que buscava a filha na porta da escola. Não estamos na Idade Média para justificar execução sumária de suspeitos ou, pior ainda, que defensores de direitos humanos sejam assaltados e suas famílias mortas "para viverem na carne" a experiência do crime. Barbárie não se responde com barbárie, Lei de Talião é Bíblia antiga e não deu certo - até hoje se matam no Oriente Médio por conta de visões equivocadas como essa.

Dito isso, é necessário entender por que a população se revolta contra os criminosos. É que eles não ficam na cadeia, seja por leis frouxas ou pela liberal aplicação delas, no Brasil. Exemplo: um dos jovens que confessaram envolvimento no assalto que resultou na morte da mãe na porta da escola foi preso duas vezes em flagrante, por roubo à mão armada, entre novembro e julho deste ano. Na primeira ocasião, ele ficou preso cinco meses - mesmo flagrado com arma. Foi solto porque a juíza considerou que era tempo demais sem julgamento. Na segunda, ficou detido um dia e foi solto em audiência de custódia (na qual o preso se compromete a não cometer novos crimes). Em agosto, participou do assalto que resultou em morte.

Lembro com saudade de uma vez, no Uruguai, em que assisti a uma audiência judicial de um preso com carro roubado e armas, preso no dia anterior. Pois em 24 horas o juiz transformou o flagrante em condenação - e o detido já ficou no presídio, cumprindo pena. Hoje isso é raro em território uruguaio, mas já foi comum.

O advogado Lúcio de Constantino me avisa que episódio semelhante aconteceu há pouco no Amazonas: um sujeito foi preso por roubo e condenado em três dias. Pesou o fato de ele ter confessado o crime. O juiz levou isso em consideração para acelerar os procedimentos, com concordância de advogado e promotor. Sentenças assim deveriam sair com mais frequência. Afinal, o flagrante exige provas materiais e documentais (objetos da vítima, testemunho dela), quase sempre as mesmas que levarão à condenação. Acelere-se os processos, antes que a comunidade pratique vinganças.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

POR QUE ELA MORREU?



ZERO HORA 29 de agosto de 2016 | N° 18620



ARTIGO | GUSTAVO CALEFFI*



Não tenho mais tempo para responder a tantas pessoas da imprensa que me perguntam sobre o porquê de matarem mais um cidadão de bem.

Você quer saber por que mataram uma mãe de família em frente a sua filha? Pelo simples motivo de que vivemos em um país onde banalizamos a vida humana. Porque estamos com o Estado e os órgãos de segurança pública falidos. Porque vivemos o caos do sistema penitenciário. Porque temos a falência da instituição família e com isso perdemos os princípios de moral e ética. Porque a sociedade compra peças e produtos oriundos do crime. Porque as nossas leis são brandas e falhas. Porque invertemos valores quando juízes liberam bandidos por falta de espaço em presídios quando o Estado deveria investir no aumento da capacidade prisional. Porque os direitos humanos só tendem para o lado dos delinquentes, e na verdade os direitos humanos deveriam ser para humanos direitos. Porque a impunidade em que vivemos gera a criminalidade. Porque há uma nítida sensação de que no Brasil, sim, o crime compensa.

Em suma, porque há mais de 11 anos alerto que vivemos no caos social e ao longo desses anos tenho sido taxado de exagerado. Porque a sociedade faz força para não enxergar a dura realidade e, principalmente, porque assistimos a tudo isso em frente à televisão sem nos darmos conta de que seremos a próxima vítima.

*Especialista em segurança

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

SUJOU A FICHA LIMPA



ZERO HORA 24 de agosto de 2016 | N° 18616


INDICADORES


WALTER LÍDIO NUNES*


É surpreendente – e frustrante! – a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de inviabilizar, na prática, a Lei da Ficha Limpa. Esta lei – resultado de uma rara iniciativa de cidadania política da sociedade que se mobilizou para angariar mais de 1 milhão de assinaturas e viabilizá- la – poderia ser considerada como o antídoto contra a corrupção historicamente endêmica que assola nosso Brasil, já tão cansado deste modelo esgotado de “desgovernança” pública. A Operação Lava-Jato deixou inequívoca esta situação por tudo o que já apurou e virá apurar.

Ao remeter para as Câmaras de Vereadores o poder de decisão sobre as consequências dos desvios nas contas públicas dos prefeitos, o ministro Gilmar torna este processo uma barganha política despojada do efetivo efeito punitivo que o processo deveria causar. Abre-se, com isso, mais um mercado de facilidades baseado em negociatas características do jogo clientelista, em que o interesse da sociedade municipal é o que menos importa.

Esta decisão desfocada do ministro estabelece uma ampla oportunidade para que desvios sejam pactuados por uma base política dentro dos legislativos municipais. Assim, os vereadores terão o poder de decisão sobre as inconformidades que venham a ser apuradas e, com isso, poderão compartilhar os dividendos do favorecimento indevido.

Agora, mais de 600 prefeitos estão se beneficiando deste ato que dá asas ao Brasil errado que tanto queremos erradicar. Impressiona a falta de sensibilidade jurídica e social do STF. Vence, mais uma vez, o Brasil da impunidade. Quando teremos uma pátria em que corruptos, assassinos e ladrões serão punidos pelo atentado contra o bem público e a vida dos cidadãos? A decisão do STF foi um duro golpe para a sociedade brasileira e o exercício da cidadania política.

Cabe aos cidadãos fiscalizar e controlar ainda mais as câmaras e os prefeitos e exigir transparência nas suas ações e decisões. Mais ainda agora, na eleição que se aproxima, pois precisamos eleger prefeitos e vereadores com conduta ilibada, livre de acusações na sua vida pregressa. O STF sujou a Ficha Limpa, mas você pode limpar a Ficha com o teu voto.

Walter Lídio Nunes escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias. Amanhã, Pedro Dutra Fonseca.

*Presidente da Celulose Riograndense



terça-feira, 16 de agosto de 2016

O POVO PRECISA DO PODER JUDICIÁRIO?



ESTÁ NA HORA DO PODER JUDICIÁRIO SE MOSTRAR VERDADEIRAMENTE INDEPENDENTE, EXERCER A FUNÇÃO PRECÍPUA DA APLICAÇÃO COATIVA DAS LEIS E PASSAR A APURAR A RESPONSABILIDADE DO PODER EXECUTIVO AO INVÉS DE JOGAR A RESPONSABILIDADE NO POVO. Muito bom o artigo do desembargador Rinez Trindade, mas pensa que falta força, ação e coatividade no judiciário para enfrentar a irresponsabilidade do poder político. Respondendo a pergunta digo sim, o povo precisa do Poder Judiciário, assim como precisam as leis, a justiça, os direitos e a polícia para serem respeitadas.


ZERO HORA 16 de agosto de 2016 | N° 18609. ARTIGOS


POR RINEZ TRINDADE*




Em uma perspectiva universal, democracia é liberdade. Para Jean- Jacques Rousseau (1712-1778), a liberdade é inerente à natureza do ser humano, o qual é anterior ao Estado e fundamento de sua criação. Ou seja, o Estado surge politicamente organizado em nome do povo, que é o verdadeiro detentor do poder.

A democracia é, por definição, o governo do povo. Todavia, isto se faz com um conjunto de normas e de um arcabouço jurídico que limite a atuação dos três poderes do Estado, com o fito de conservar a administração do governo (poderes) em favor do povo. O povo elege nossos representantes, sendo estes os responsáveis pela efetivação de leis que venham ao encontro de nossas aspirações.

O Poder Judiciário, no exercício de suas atribuições, tem o dever de fazer cumprir a Constituição e as leis que conformam o ordenamento jurídico, aplicando-as aos casos concretos com o fim de resolver conflitos sociais e individuais para busca da pacificação social, muitas vezes recebendo severas críticas dos mais diversos setores de nossa sociedade.

Hoje, vemos o Executivo, ao invés de solucionar os problemas assumidos quando de sua posse, atribuir aos outros poderes de Estado a culpa pela sua incompetência. Diz que os outros poderes e/ou instituições pagam muito aos seus servidores etc. Esquece de esclarecer a opinião pública de que, no caso do Poder Judiciário, este gira sua máquina com um mínimo percentual da arrecadação do Estado. Ou seja, o Executivo fica com quase a totalidade do bolo tributário arrecadado. Pergunta-se: donde surgiu a ideia dos “depósitos judiciais”, do qual tantos governadores gastam quase tudo para pagar suas contas?

O Poder Judiciário está à beira do caos nesta perspectiva colocada pelo senhor governador, principalmente por não colocar a verdade efetiva dos percentuais que são constitucionalmente garantidos para manter o funcionamento deste poder.

O senhor governador faz um verdadeiro “alarido”, dizendo que não tem mais como pagar funcionários, professores, brigadianos, entre outros, só faltando dizer que não vai fazer os repasses constitucionais aos demais poderes, ou, por fim, pregar a extinção dos mesmos para fazer “caixa”.

*Desembargador do TJ/RS

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

JUSTIÇA SEM ESTRUTURA PARA ACOMPANHAR NÚMERO DE HOMICÍDIOS


Justiça caxiense não consegue acompanhar o número de homicídios. Processos chegam a demorar 12 anos, o que é considerado um absurdo por representante do Ministério Público e advogado de defesa

Por: Leonardo Lopes
ZERO HORA 12/08/2016 - 08h30min



Silvana Fioravanti e a filha Angélica aguardam uma resposta da Justiça para a morte de Eron Fioravanti, em 2004 Foto: Felipe Nyland / Agencia RBS


Há 12 anos, a família de Eron Jefferson Correa Fioravanti aguarda por uma resposta da Justiça. O homem foi assassinado a tiros em um bar do centro de Caxias do Sul em 23 de dezembro de 2004. A lentidão do caso é considerada excessiva, inclusive, pela juíza responsável. Representante do Ministério Público (MP) nos processos que ocorrem na 1ª Vara Criminal, a promotora Sílvia Regina Becker Pinto define a situação como vergonhosa.

— Pensar que uma resposta penal de primeiro grau demore 12 anos é escandaloso. Temos um crime contra o bem maior, que é a vida. É uma perda enorme e irreparável. Demorar 12 anos para dar esta, que é apenas primeira resposta, é um absurdo. Mas o que podemos fazer? — lamenta.

A opinião é corroborada pelo advogado Airton Barbosa de Almeida, responsável pela defesa de Cristalino Cappellari. Atuante no Direito Penal desde 1997, Almeida afirma que a demora é problema recorrente. Ao longo dos anos, a situação está se agravando e prejudica, inclusive, o réu.

— É uma queixa de todos, inclusive nossa. É a mesma estrutura de 20 anos atrás, com pouco pessoal e apenas uma juíza da 1ª Vara Criminal. A pauta dela está sempre cheia. Caxias precisaria de uns cinco juízes para deixar os processos em dia. Neste caso específico, o réu também aguarda e fica ansioso. Ele quer o julgamento. Ao mesmo tempo, eu preciso fazer a melhor defesa possível — comenta.

Almeida reforça a tese de legítima defesa de Cappellari. Sobre um pedido de adiamento de audiência devido a um problema de saúde, o advogado afirma de que este é um exemplo de como a agenda da 1ª Vara Criminal está complicada.

— Eu estava com otite (inflamação). Foram três ou quatro dias em que estava realmente mal. Mas, pela pauta estar muito cheia, a juíza precisa remarcar para meses depois. A demora não é culpa de um determinado juiz ou promotor, ou ainda uma questão de manobra da defesa. É um problema estrutural, a demanda está muito grande para apenas um juiz — opina o defensor.

Acompanhe o andamento do processo:

A promotora Sílvia Regina faz questão de salientar que nenhum dos retardamentos ocorridos foi responsabilidade do MP. Apesar de não citar um caso específico, ela lembra que são notórios casos em que a defesa busca atrasar o processo. Uma destas estratégias são os pedidos para ouvir testemunhas que não são encontradas. Destaca, porém, que isso é um problema de legislação.

— O devido processo legal se serve a uma infindável possibilidades dos advogados, com fundamento na lei, manipularem o processo para que demore. Precisamos ter um olhar mais dinâmico e pontual para realmente tutelar a vida humana. Sob pena de estimular as pessoas a não esperarem mais estes 12 anos. Porque, se o Estado não faz, alguém pode se sentir legitimado a fazer — analisa a promotora Sílvia Regina.