OPINIÃO. BRUNO DOS S. GUIMARÃES, promotor de Justiça no Rio. O GLOBO, 31/08/2011 às 16h09m
O tempo transcorre, nós envelhecemos e o discurso e os fatos não mudam. Já não é surpresa a ocorrência de mais uma modalidade de roubo, mais cruel e eficaz que as anteriores, mais uma morte por "bala perdida", mais uma criança ou pessoa desaparecida (provavelmente morta), recaindo a suspeição sobre os agentes de segurança pública, ou ainda mais um caso absurdo de corrupção. Enfim, mais um dia comum. Estamos no Brasil.
O governo, como sempre se noticia, comemora reduções de 5% ou 10% no índice de determinado crime em determinado lugar. Ora, ainda que a redução fosse de 80%, o perigo de morte violenta restaria maior que em muitos países com guerras civis.
Mais comum ainda e, ao mesmo tempo surpreendente, é a nossa rotina diante destes acontecimentos bárbaros. Pulamos o cadáver que está no caminho e seguimos.
É neste cenário que nasce a Lei 12.403/11. A lei que, desculpe o mau jeito, simplesmente despreza os fatos e o sentimento comum. Alguns ainda não perceberam a gravidade.
A lei a que me refiro, dentre outros aspectos, tornou afiançáveis crimes que até então autorizavam a prisão em flagrante sem o benefício da fiança. Um furto, por exemplo, poderia resultar em prisão em flagrante e recolhimento ao xadrez até ulterior deliberação - me refiro ao elemento preso em meio à prática do crime.
Ainda que a liberdade provisória para este tipo de crime não tardasse muito, a repressão imediata era digna e proporcional a uma resposta estatal à altura. Adiante, este meliante, agora já denunciado pelo Ministério Público, era, e ainda é, beneficiado pela suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95). Ou, se sentenciado, também beneficiado pela substituição da pena nos termos do artigo 44 do Código Penal - em geral, serviços à comunidade.
Preso em flagrante por furtar, o criminoso, na prática, e quase sempre, era solto em alguns dias ou horas. Para permanecer preso, teria de ser tão perigoso a ponto de o promotor de Justiça não lhe poder oferecer o benefício da suspensão, ou, ainda, em caso de sentença, não fazer jus à substituição da pena.
Assim, como funcionava antes da nova lei, já não era fácil alguém permanecer preso.
E não me venham com a demagogia do famoso pobre que furtou margarina em um mercado ou furtou remédio em uma farmácia. Este argumento é apenas de efeito.
Ora, esta sistemática do furto era igualmente aplicada ao crime de porte ilegal e disparo de arma de fogo (Lei 10.826/03), impondo-se inicialmente a prisão em flagrante sem possibilidade de fiança. E aqui entra o tema mais importante. Em vista desta possibilidade de prisão em flagrante, me parece que a famosa arma no porta-luvas do carro havia ficado no passado - ninguém queria ficar preso.
A redução para este tipo de crime foi sensível! Conveniente era também prender em flagrante, sem direito a fiança, o elemento que, de certo, estava armado e prestes a assaltar.
O que ocorre agora? Simples. O elemento armado que estava no interior de um ônibus é preso pela polícia, pagará fiança, perderá a arma, mas sairá da delegacia pela porta da frente. O mesmo se diga em relação àquele que traz uma arma em seu carro.
Portar uma arma, agora, como um revólver 38, por exemplo, acarreta o pagamento de fiança e a imediata liberdade, é bom repetir.
A lei trouxe a impossibilidade de se decretar a prisão preventiva em crimes como os acima ou mesmo os de quadrilha ou bando, receptação... etc... etc... etc, desde que tenha pena máxima de 4 anos. A lei merece passar, no mínimo, por uma explicação melhor diante da sociedade.
Se as cadeias estão lotadas não é culpa da sociedade. "Liberar geral" não é, no meu entender, o caminho.
Sei que são anos sem investimento em educação, cultura, cidadania em geral, mas não será com esta lei, que arma juridicamente e de fato o bandido e desarma a população, que teremos resultado. Ela deve ser revista.
O dia em que a Justiça Brasileira se tornar sistêmica, independente, ágil e coativa, e com Tribunais fortes e juízes próximos do cidadão e dos delitos, o Brasil terá justiça, segurança e paz social.
"A Função Precípua da Justiça é a aplicação coativa da Lei aos litigantes" (Hely Lopes Meirelles)- "A Autoridade da Justiça é moral e sustenta-se pela moralidade de suas decisões" (Rui Barbosa)
MAZELAS DA JUSTIÇA
Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.
Por outro lado, o “libertário’, “hipergarantista” e eminente ministro do STF Gilmar Mendes, sempre em defesa de causas nobres, que concedeu HC ao ilustre médico Roger Abdelmassih, condenado a mais de 200 anos de cadeia que encontra-se, possivelmente, no Líbano país sem tratado de extradição com o Paraíso da Impunidade, em artigo publicado hoje no O Globo tece loas a esta maravilha de lei que ele afirma “se mostra tão bem-vinda” e “moderniza o Código de Processo Penal”. Enquanto isso, os cidadãos de bem não podem exercer seu direito fundamental, de ir e vir, não sabem se, ao chegarem em casa, como sobreviventes, encontram suas famílias como reféns sob a mira de armas de grosso calibre de "propriedade exclusiva" da bandidagem, investem em grades, câmeras de segurança e todo o tipo de parafernália para se proteger, convivem com “manuais de segurança” sugeridos por policiais para se proteger de “golpes do Boa Noite Cinderela”, “golpes pela internet”, “assalto ou roubo a carros”, “saidinhas de banco”, “seqüestro relâmpago”, “disque falso seqüestro”, “como evitar áreas de risco” e, agora, pasmem, assisti na TV um policial propondo um novo “manual” para os comensais em São Paulo, isto é, “manual de como se comportar em caso de arrastões em restaurantes”. Estou vendo a hora de aparecer uma PEC (Projeto de Emenda à Constituição) extinguindo os Códigos Penal e de Processo Penal e a criação da Consolidação dos Manuais de como se comportar diante de Sua Excelência o bandido.
ResponderExcluirJM. Para começar, precisamos de uma nova constituição, mais enxuta, sem privilégios corporativistas, menos detalhista, melhor redigida, com dispositivos apropriados para uma carta-magna, e com direitos, deveres e contrapartidas se harmonizando.Com isto, tira-se do STF a centralização do transitado em julgado e pode-se melhorar a estrutura, a integração e o funcionamento dos poderes, e aplicar os objetivos e princípios fundamentais propostos na atual constituição que são bons. Todas as mudanças são barradas pela constituição esdrúxula que vigora no Brasil, e para beneficiar este ou aquele criam emendas divergentes e contrárias ao texto original. É uma "salada" que deve ser extinta para que a segurança jurídica possa ser instalada no Brasil
ResponderExcluir