Homem Errado ganha alforria. Justiça catarinense determina que nome de Luís André, utilizado por criminoso em 2007, seja excluído de lista de condenados - HUMBERTO TREZZI
Está perto do fim a experiência surrealista do engenheiro mecânico gaúcho Luís André da Silva Domingues, confundido com um ladrão de banco e condenado por engano, em Santa Catarina. Reunidos no grupo de câmaras criminais do Tribunal de Justiça catarinense, 12 desembargadores determinaram na tarde de ontem que o nome de Luís André seja retirado imediatamente da lista de culpados existente nos bancos de dados judiciais do país.
O inocente confundido com criminoso e seu advogado, Paulo Souza, acompanharam o julgamento e trocaram um emocionado abraço, ao final da sessão em Santa Catarina.
Luís André é visto como ladrão, pela Polícia e Justiça catarinenses, há 1.422 dias – desde 5 de junho de 2007. Foi naquela data que criminosos arrombaram um banco e um deles, ao ser preso, apresentou os dados do engenheiro gaúcho. Luís só ficou sabendo que era réu em agosto de 2010, ao ser intimado para responder pelo crime.
O caso foi revelado por Zero Hora em setembro passado, quando Luís André foi preso pela Polícia Civil gaúcha, porque pesava contra ele um mandado de prisão da Justiça catarinense. Na realidade, a ordem de prisão era contra um criminoso que participou de um arrombamento de um banco em Campo Belo do Sul (SC). Luís (cujos advogados o apelidaram de Homem Errado) foi condenado no lugar do delinquente, apesar de estar trabalhando a cerca de 500 quilômetros do lugar do crime, no Polo Petroquímico de Triunfo.
Pedido de anulação motivou nova polêmica burocrática
O advogado de Luís ingressou no TJ catarinense com pedido de anulação da sentença que condenou seu cliente. E fez mais: embarcou num avião ontem, em companhia do condenado, para Florianópolis. Os dois foram recebidos pelo desembargador Torres Marques, relator do processo, que defendeu a anulação da condenação.
A posição de Torres Marques provocou uma acalorada discussão entre os desembargadores, que ficaram em dúvida se a sentença poderia ser anulada, já que o pedido de revisão criminal foi impetrado pelo próprio réu. Ao final de 40 minutos de debates, por unanimidade, o TJ optou por uma solução alternativa – concedeu um habeas corpus que retira o nome de Luís André dos bancos de dados judiciais, de Santa Catarina e onde mais conste que ele é condenado. O mesmo hábeas determina que a Justiça Eleitoral devolva a Luís o direito de votar, já que ele foi impedido nas últimas eleições. A tramitação deve levar poucos dias.
Os desembargadores ordenaram ainda que o processo sobre o arrombamento do banco seja devolvido à comarca de Campo Belo do Sul, para que o juiz local, André Milani, recomende à Polícia Civil conclusão do inquérito envolvendo Luís e, após, anule a sentença. No lugar de Luís como condenado, deverá constar o nome de Alessandro Carvalho de Sá, gaúcho com antecedentes por arrombamentos e assaltos e verdadeiro autor do arrombamento em Campo Belo do Sul (SC).
Ao saber que um inocente tinha sido condenado em seu lugar, Alessandro se apresentou à Polícia Civil, confessou ter usado os dados de Luís ao ser preso por envolvimento no crime e hoje cumpre pena, em Montenegro.
O CALVÁRIO DE LUÍS ANDRÉ
Foram 1.422 dias, praticamente o intervalo entre duas Copas do Mundo, até a Justiça reconhecer, formalmente, que Luís André Domingues foi confundido com um criminoso:
- 05/06/2007 – Ladrões arrombam agência bancária em Campo Belo do Sul (SC) e são presos em flagrante. Um deles, Alessandro Carvalho de Sá, diz se chamar Luís André Domingues e apresenta um número de identidade compatível com a informação dada.
- 15/08/2008 – Após várias audiências em que Alessandro se apresentou como Luís André, o juiz Rafael Osório Cassiano, de Campo Belo (SC) condena Luís André da Silva Domingues a pena de um ano e quatro meses de reclusão, concedendo ao réu o direito de apelar em liberdade. Alessandro sai da cadeia e some. A pena foi aumentada pelo Tribunal de Justiça, em 2009, para um ano, nove meses e 10 dias.
- 17/05/2010 – A juíza Adriana da Silva Ribeiro, da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, recebe o pedido de prisão contra Luís André, expedido porque ele não compareceu nas audiências em Santa Catarina.
- 23/08/2010 – Um oficial de Justiça comparece à casa de Luís André, que nada sabia do caso. Desesperado, o réu pede a um advogado que ingresse, no Tribunal de Justiça gaúcho, com pedido de hábeas. O defensor apresenta documentos comprovando que o cliente trabalhava na madrugada do crime.
- 25/08/2010 – O desembargador Gaspar Marques Batista nega o pedido de liminar por insuficiência de provas. O advogado tenta de novo, com novas provas, e o desembargador agora determina a suspensão da ordem de prisão até a decisão definitiva do recurso.
- 27/08/2010 – De posse do hábeas que sustou a ordem de prisão e dos documentos que comprovam a fraude, Luís dirige-se à 1ª DP de Sapucaia do Sul a fim de registrar ocorrência contra Alessandro Carvalho da Sá, por falsidade ideológica. Ao fornecer seu documento de identidade, os policiais verificam que há uma ordem de prisão contra ele no sistema informatizado da Polícia Civil e o prendem, algemado. Ao perceber
que ele dispunha de um hábeas, os policiais o soltam.
- 03/09/2010 – O verdadeiro ladrão, Alessandro de Sá, se apresenta e, arrependido, confessa à Polícia Civil que usou o nome de Luís André para escapar da prisão. Um inquérito é aberto em Campo Belo do Sul por policiais, para verificar o que ocorreu.
- 5/09/2010 – ZH publica a primeira reportagem sobre o assunto. No mesmo mês, o jornal publicou ainda duas outras reportagens sobre desdobramentos do caso.
- 03/03/2011 – O advogado de Luís André ingressa com pedido de revisão do processo no qual ele está condenado.
- 21/04/2011 – Sete meses depois da primeira reportagem, e quase quatro anos após o crime, a lentidão do processo volta a ser tema de reportagem em ZH.
- 27/04/2011 – O Tribunal de Justiça catarinense manda retirar imediatamente o nome de Luís André da lista de condenados.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - ESTA É A (IN)JUSTIÇA BRASILEIRA! ATÉ QUANDO? Uma justiça que funciona no papel, distante dos delitos e dependente da polícia só pode agir assim de forma injusta e negligente. Já está na hora dos magistrados, dos legisladores e da sociedade reagirem e fazerem a reforma do sistema judiciário tão aguardada e necessária.
O dia em que a Justiça Brasileira se tornar sistêmica, independente, ágil e coativa, e com Tribunais fortes e juízes próximos do cidadão e dos delitos, o Brasil terá justiça, segurança e paz social.
"A Função Precípua da Justiça é a aplicação coativa da Lei aos litigantes" (Hely Lopes Meirelles)- "A Autoridade da Justiça é moral e sustenta-se pela moralidade de suas decisões" (Rui Barbosa)
MAZELAS DA JUSTIÇA
Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.
Parece Kafka. Um absurdo total. Interessante o verdadeiro ladrão ter se apresentado.
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