Uma reunião imprópria entre o ex-presidente Lula, o ministro Gilmar Mendes e o ex-ministro Nelson Jobim quase leva o País a uma crise institucional. A mais alta corte da nação nunca foi tão coagida às vésperas de um julgamento
Izabelle TorresCONSTRANGIMENTO
Coube ao presidente do STF, Ayres Britto (acima), a tarefa de contornar a
crise. Mas ministros como Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e
Dias Toffoli permanecem alvo de pressões externas
Nunca em sua história o Supremo Tribunal Federal sofreu tanta pressão política às vésperas de um julgamento. O mensalão tem conturbado a rotina da corte e lotado as mesas dos ministros com pedidos de audiências de advogados e réus. Nos últimos dias, a situação se agravou e o que se viu foi um festival de absurdos com potencial para arranhar gravemente a imagem do Judiciário. Tudo começou com o encontro mal explicado do ministro Gilmar Mendes com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no escritório do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim. A conversa, imprópria em todos os sentidos, só veio à tona estranhamente quase um mês depois da reunião, quando Mendes decidiu relatar detalhes do encontro para a revista “Veja”. Disse que foi pressionado por Lula a trabalhar pelo adiamento do julgamento e teria se indignado com insinuações do ex-presidente sobre o seu envolvimento com o senador Demóstenes Torres e o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Gilmar viu no diálogo e na referência à CPI do Cachoeira uma tentativa de intimidá-lo. O relato do ministro do STF chocou a opinião pública e quase provocou uma crise institucional.
Houve, na verdade, uma sequência de absurdos. Não cabe no decoro jurídico que um ministro do STF frequente gabinetes de advogados e políticos para conversas informais. O Supremo é a mais alta instância do Judiciário do País e devem seus membros, com total autonomia, zelar pelo cumprimento das normas constitucionais. Essa tarefa exige compostura e imparcialidade. Foi o que faltou a Mendes ao aceitar o convite de Nelson Jobim. Ele esperava que Lula fosse conversar sobre a Copa e o Corinthians? Nos últimos tempos, Lula só pensa e fala sobre o julgamento do mensalão, que pode sepultar a carreira política de amigos íntimos, como José Dirceu e José Genoino. Mas, se tentou influenciar o voto de Mendes, cometeu também um erro injustificável. Apesar de não estar no Executivo, é um ex-presidente da República com grande peso na vida nacional e comandante supremo do PT. O que lhe recomenda agir com cautela e prudência.
Os poderes da República só não entraram em choque porque a presidenta Dilma Rousseff e o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, tiveram o bom senso de conversar e pôr limites à crise. Numa reunião pré-agendada para tratar do reajuste do Judiciário, os dois concordaram que nem Lula com seu prestígio nem Mendes com seu conhecimento jurídico estão aptos a falar em nome dos dois Poderes. A crise foi contornada, mas nos bastidores do STF o mais recente destempero de Mendes ainda é o principal assunto. Todos também ficaram chocados com os impropérios que ele despejou contra Lula numa entrevista coletiva em que parecia agir com a verve política de um vereador preocupado com suas questiúnculas paroquiais. Numa linguagem inadequada, o ministro disse que o ex-presidente comanda uma central de divulgação de boatos, que atribuiu a “bandidos” e “gângsteres”.
Dois dias depois, no Salão Branco do STF, três ministros conversaram sobre as declarações de Mendes e disseram considerar um erro do colega a tentativa de transferir para a corte o desgaste por denúncias que o envolvam. Para eles, essa estratégia colocaria dez juízes na mesma situação do ministro citado como alguém que possa ter usufruído das regalias pagas pela contravenção, como uma viagem a Praga e jatinhos alugados. “Dizer que a ideia é atingir o tribunal é como dizer que também praticamos atos como esses. O que não é aceitável. Cada um deve responder pelos seus atos”, reclamou um dos ministros, que já teve desavenças com Mendes.
Um dos poucos consensos no STF é de que o mensalão tem despertado reações de todos os lados e as pressões que chegam ao Supremo nunca foram tão fortes. Na semana passada, um documento com 37 mil assinaturas foi entregue aos ministros com o pedido de que o julgamento aconteça rapidamente. Enquanto isso, alguns réus do processo e petistas circulam pela corte tentando cooptar apoio.
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