MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

À MARGEM DA ATUAÇÃO CONTRA O CRIME ORGANIZADO

Interesse Público - Frederico Vasconcelos, repórter especial da Folha - 07/06/2012

Fausto De Sanctis: nova lei de lavagem traz mudanças relevantes, sem grandes avanços


“O Brasil continua à margem da atuação contra o crime organizado”, diz magistrado


O juiz federal Fausto Martin De Sanctis, que foi titular de uma das primeiras varas especializadas no julgamento de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, entende que a nova lei de lavagem aprovada pelo Senado traz inovações importantes –como a exclusão dos crimes antecedentes e o aprimoramento do sistema de comunicações suspeitas. Mas são procedimentos há muito adotados por grande parte dos países. Segundo ele, a nova lei não avança em relação a outras inovações necessárias.

“O Brasil continua à margem da atuação contundente contra o crime organizado, que não possui uma legislação rigorosa específica e sempre consegue interpretações favoráveis às suas ações delituosas”, avalia o magistrado, membro do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS).

De Sanctis é especialista em Direito Processual Civil pela UnB e doutor em Direito Penal pela USP. Em 2008, lançou pela Editora Millennium o livro “Combate à Lavagem de Dinheiro – Teoria e Prática”. É co-autor, com outros juízes de varas especializadas, do livro “Lavagem de Dinheiro” (Livraria do Advogado – 2007).

O magistrado encontra-se nos Estados Unidos, onde realiza pesquisa sobre julgamento de crimes financeiros e profere palestras sobre a legislação e as práticas de combate à lavagem de dinheiro no Brasil.
A pedido do Blog, De Sanctis fez uma primeira avaliação sobre o substitutivo que será enviado à sanção da presidente Dilma Roussef.

A seguir, algumas conclusões:

O substitutivo aprovado melhora de fato a lei em alguns pontos. Destacaria dois:

1. A exclusão do rol dos crimes antecedentes, permitindo, assim e por exemplo, o enquadramento da lavagem decorrente de crime fiscal. Aliás, o Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI (OCDE) em fevereiro deste ano reviu suas Recomendações e fez constar expressamente a necessidade da inclusão da fraude fiscal no rol dos antecedentes. A questão delicada (em termos de Brasil) é o enquadramento da lavagem por fraude fiscal se esta ainda não foi caracterizada pela via administrativa. A jurisprudência, notadamente do Supremo, somente admite o crime fiscal, uma vez reconhecido pela  Receita. Ora, poderia existir lavagem decorrente da sonegação ou supressão fiscal se esta sequer foi reconhecida pelas autoridades tributárias atendendo à autonomia (da própria lavagem)?;

2. O aprimoramento do sistema de comunicação de operações suspeitas inserindo-se quem preste serviço de assessoria, consultoria ou auditoria em operações de compra e venda de imóveis ou de participações societárias; de gestão de fundos, valores mobiliários e outros ativos; abertura de contas bancárias e de investimento; de criação, exploração ou gestão de sociedades; financeiras, societárias ou imobiliárias; de contratos referentes às atividades desportivas ou artísticas profissionais. Isso é realmente positivo.

Mas, causam-me bastante perplexidade alguns pontos, s.m.j.:

1. Permitir a eterna negociação por parte de um acusado para uma delação premiada. Isso certamente gerará discussões na jurisprudência porquanto sempre será possível “negociar” a pena, até mesmo a fixada em Sentença.

2. Por outro lado, a vinculação do juiz ao acordo de Delação Premiada parece-me que viola a independência judicial que deve ser, sempre, preservada como, aliás, tem sido nos Estados Unidos. Jamais um acordo vincularia o juiz federal encarregado do julgamento. Se, por hipótese, o acordo for contrário ao interesse público, às Diretrizes estabelecidas para as Sentenças norteamericanas ou for desproporcional à gravidade dos fatos, não há como um juiz acatá-lo, ainda que haja a composição entre o Ministério Público e a Defesa;

3. A lei não contemplou a obrigagoriedade de associações, federações, confederações e clubes de futebol, bem ainda os que atuem sob os “interesses de agremiações” (torcidas organizadas) procederem à comunicação de operações suspeitas o que constitui um equívoco. Seria também necessário o disciplinamento e fiscalização dos agentes de futebol, com imposição de limites jurídicos para, por exemplo, condicionar a atuação mediante registro no Banco Central e na Receita Federal do Brasil; proibição de inclusão de cláusula de irrevogabilidade nos contratos de representação de mão-de-obra esportiva e a atuação para menores de 18 anos; limitar o percentual percebido a título de honorários a uma determinada percentagem; proibir  o agenciamento de um clube e atleta deste mesmo clube simultaneamente etc.;

4. Não se procedeu à incriminação da não comunicação de operação financeira, de seu retardamento, da prestação incompleta ou falsa ou revelação de comunicação obrigatória, bem como da estruturação de transações ou operações para inibir comunicação obrigatória, de forma a esgotar toda a possibilidade de tentar obstruir informação vital e que permite a descoberta da lavagem de dinheiro (o sistema de comunicação de operações suspeitas);

5. A destinação de bens decorrentes da Alienação Antecipada (antes do trânsito em julgado) agora é determinada pelo legislador que estabeleceu caber à União, antes, determinar o seu destino. Mais uma vez, uma ingerência indevida sobre assuntos pertinentes ao juiz, uma transferência de decisão do Poder Judiciário ao Executivo;

6. O legislador contempla textualmente a possibilidade da lavagem mesmo no caso de extinção de punibilidade (morte, prescrição etc.). Ora, isso no caso de Lavagem praticada por terceiro para ajudar o criminoso é plenamente viável. Mas,e se estivermos na autolavagem e a pessoa morre? Não haveria como tomar seus bens já que não existe qualquer possibilidade da continuidade da ação penal. Por isso que grande parte dos países da América Latina, os EUA, a Europa etc. adotaram a Ação Civil de Extinção de Domínio (ou seja, a retirada dos bens adquiridos com proventos da infração no campo cível), havendo, inclusive, Recomendação do GAFI nesse sentido.

Assim concluo: as mudanças de relevo (ausência do rol de crimes antecedentes e obrigar mais pessoas à comunicação de operações suspeitas), ora alardeadas com ênfase, nada de avançado possuem no mundo atual (já que são medidas de há muito adotadas por grande parte dos países), apesar de importantes.

Muitas outras inovações são necessárias, notadamente as que não limitam a apreciação dos juízes de primeiro grau, que não devem estar vinculados a acordos entre partes, muito menos aos destinos dos bens ao talante do Poder Executivo, pecando o país por não avançar, de fato, nos pontos mais sensíveis (reconhecimento de infração penal aos resistentes em comunicar operações suspeitas, possibilidade da lavagem mesmo em caso de sonegação, não importando as conclusões das autoridades tributárias a respeito; possibilidade de confisco civil de bens, extensão de outros co-obrigados).

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