ARTIGOS
Pio Giovani Dresch*
Nesta semana, ocorrerá um capítulo importante na história do Judiciário brasileiro e até mesmo na história do nosso país: todos aguardam o voto do decano do STF, ministro Celso de Mello, sobre o recebimento dos embargos infringentes dos réus condenados no mensalão.
A nação já não tolera a corrupção e a quer varrida do mapa. Quer também a condenação exemplar de quem se envolveu nesse escândalo. Trata-se do desejo generalizado de viver num país melhor, mais justo, mais democrático, em que a política seja exercida de modo honrado. As manifestações de junho demonstraram claramente essa aspiração, e é chegado o momento de o poder político dar respostas claras para o que dele se deseja.
Por outro lado, a existência do Judiciário como poder que exerce o equilíbrio com Executivo e Legislativo, numa atribuição democrática de julgar, o coloca no lugar de decidir conforme a lei e o Direito, mesmo que, eventualmente, isso se dê contra o que deseja a opinião pública.
É compreensível a aspiração nacional a condenações severas, seja pela convicção de que os réus praticaram os crimes dos quais foram acusados, seja pelo aspecto simbólico de ver condenados e encarcerados alguns políticos que atuavam no primeiro escalão do poder.
A questão é que este desejo não pode ser o mote condutor da decisão do Supremo, porque seria a negação da própria necessidade de existir um Judiciário. O Judiciário é a garantia da civilização contra a barbárie; representa a certeza de que cada cidadão terá direito à defesa e que ao final receberá uma sentença dada por quem observa o Direito e as provas produzidas. Essa decisão pode confirmar o que pensa e deseja a opinião pública, mas pode também contrariá-la. Se a opinião pública sempre fizesse justiça e nunca errasse, não haveria necessidade de existir Judiciário.
Evidentemente, o próprio Judiciário precisa ter uma legitimidade social, o que pode colocá-lo em situações embaraçosas, como esta, em que o não recebimento dos embargos infringentes aumentará seu prestígio e, em sentido inverso, seu recebimento levará a um desgaste com a opinião pública. Em outras palavras, dependendo do voto que profira o ministro, o Judiciário será festejado ou vilipendiado. Todavia, se decidir somente para atender à opinião pública, o Supremo não fará jus ao lugar democrático que ocupa.
Podemos fazer outra discussão, muito oportuna nos dias de hoje, sobre o modo como são providos os cargos de ministro, porque a sua indicação pela Presidência da República, com uma confirmação meramente homologatória pelo Senado, sempre lança suspeitas, pertinentes ou ilusórias, de que os ministros estejam submetidos a compromissos com o poder. É uma discussão necessária, e tenho a convicção de que o poder de indicação dos ministros não deve permanecer concentrado no chefe do Executivo.
Isso, todavia, não pode interferir no julgamento hoje posto e no voto do ministro Celso de Mello, que há 24 anos integra a Corte. Dele se pode esperar apenas que seja juiz e que decida conforme sua consciência, a favor ou contra a opinião pública.
É o conselho que não precisa receber, porque, ao longo de sua trajetória de ministro, demonstrou sua integridade e conhecimento jurídico.
Por isso, independentemente do voto que venha a proferir, e venha ele em benefício ou em prejuízo do que sobre nós pensa a opinião pública, terei a certeza de que foi um voto de juiz.
*PRESIDENTE DA AJURIS
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