Justiça do Rio garante pensão de R$ 43 mil para filha de desembargador
As 32 mil “filhas solteiras” de servidores são 34% das pensionistas e custam ao Estado R$ 447 milhões por ano. Para não perder benefício, muitas se casam de fato, mas não de direito
Raphael Gomide, iG Rio de Janeiro , ULTIMO SEGUNDO, 21/05/2012 07:00:59
Uma ação popular questiona o direito de uma mulher de 52 anos receber
duas pensões, no total de R$ 43 mil mensais, pela morte do pai,
desembargador do Rio de Janeiro, mesmo após ter sido casada, por ao
menos três anos.
A dentista Marcia Maria Couto casou-se em cerimônia religiosa e festa
para 200 pessoas, em 1990, e teve dois filhos com o marido, mas sempre
se declarou solteira, para efeitos de pensão. O iG teve
acesso ao processo público, que está no Tribunal de Justiça do Rio e
será julgada em breve. Por ora, um desembargador manteve os pagamentos.
Filha do desembargador José Erasmo Brandão Couto, morto em 1982, Márcia
recebe duas pensões do Estado do Rio – uma do Fundo Especial do Tribunal
de Justiça (R$ 19.200) e outra do RioPrevidência (R$ 24.116) –, no
total de cerca de R$ 43 mil mensais.
Em um ano, os cofres públicos lhe pagam cerca de R$ 559 mil, ou R$ 2,8 milhões, em cinco anos.
Pagamentos de pensão a “filhas solteiras” somam R$ 3,4 bilhões em cinco anos
A ação popular, movida por Thatiana Travassos de Oliveira Lindo,
questiona o direito de Márcia aos pagamentos e espera sentença do
Tribunal de Justiça. O Estado do Rio paga benefícios do gênero a cerca
de 32 mil “filhas solteiras” de funcionários públicos mortos, no gasto
total de R$ 447 milhões por ano, ou R$ 2,37 bilhões, em cinco anos.
As autoridades desconfiam que muitas dessas 32 mil mulheres, como
Márcia, formam família mas evitam se casar oficialmente, com o único
objetivo de não perder a pensão. Segundo a lei 285/79, o matrimônio “é
causa extintiva do recebimento de pensão por filha solteira”. O expediente é visto como uma “fraude à lei” pela ação popular e pela Procuradoria do Estado.
No Estado do Rio, as 32.112 “filhas solteiras” representam mais de um
terço (34%) do total de 93.395 pensionistas, ao custo de R$ 34,4 milhões
mensais, ou R$ 447 milhões por ano – e R$ 2,235 bilhões em cinco anos
-, segundo o Rio Previdência.
No caso de Márcia, o desembargador Pedro Saraiva Andrade Lemos garantiu o
pagamento da pensão mensal de R$ 43 mil, mesmo depois de o Rio
Previdência tê-lo cortado administrativamente, em 2010.
“Os atos lesivos ao patrimônio que se comprovam com esta ação popular
são as situações das filhas maiores de servidores falecidos que se
habilitam e passam a receber pensões pagas com recursos dos cofres
públicos mesmo estando casadas ou vivendo em união estável, sem
dependência econômica, contrariando a legislação regente. Não se pode
ter essa prodigalidade com os cofres públicos, quando o particular,
maior, capaz e apto para o trabalho, tem o dever e a obrigação legal e
moral de se autossustentar. Não se pode conferir o ‘parasitismo social’.
São pessoas capazes de prover o próprio sustento, mas transferem os
ônus e encargos para toda a coletividade, muitas das vezes, até com
fraude à lei”, afirma a autora popular, que não quis dizer ao iG por que move a ação.
Esse benefício, originário do tempo em que as mulheres não estavam no
mercado de trabalho, tem o objetivo de garantir a subsistência e a
proteção financeira da filha do funcionário morto até que comece a
trabalhar ou se case. Márcia tem 52 anos e é dentista, o que faz a
pensão perder o sentido, na opinião da autora popular e da PGE – as duas
circunstâncias são impeditivas do pagamento.
Após reincluir beneficiária, RioPrevidência corta benefício e pede dinheiro de volta
Após a morte do pai, em 1982, Márcia passou a dividir com a mãe as
pensões do Fundo Especial do TJ e do Iperj (atual RioPrevidência). De
acordo com a lei no ano da morte do desembargador, só era previsto o
pagamento de pensão previdenciária para as filhas maiores até a
idade-limite de 25 anos e desde que fossem solteiras. Assim, quando
Márcia fez 25 anos, em 1985, deixou de fazer jus ao benefício, que ficou
apenas para a viúva do magistrado.
A dentista continuou, porém a receber 50% do montante do Fundo Especial
do TJ. Casou-se no religioso, em 1990, na Paróquia Nossa Senhora do
Brasil, na Urca, em união da qual nasceram dois filhos (um em 91 e outro
em 93). “Para ludibriar os sistemas previdenciários do antigo Iperj e
do Fundo Especial, o casamente só foi realizado no âmbito religioso, não
tendo sido comunicado para as instituições previdenciárias”, afirma a
ação popular. O casal ficou unido entre três e nove anos - o período
varia de acordo com o interlocutor - e se separou nos anos 90.
Após a morte da viúva, em 2004, Márcia pediu administrativamente e
obteve a reversão da pensão de sua mãe no Fundo Especial. “Se a ré nem
sequer tinha direito a receber o benefício que vinha recebendo, não
poderia jamais ter deferida a reversão da cota-parte recebida por sua
genitora”, protesta a autora da ação, Thatiana Travassos.
No ano seguinte, requereu a reinclusão na pensão do RioPrevidência –
após ter sido excluída 30 anos antes –, novamente alegando ser solteira.
Embora tivesse mais de 25 anos e não seja possível voltar a ter o
benefício quem já foi excluído do sistema, ela também voltou a receber
integralmente a pensão que vinha sendo paga à mãe.
De acordo com a autora popular, Márcia não preenchia nenhum dos
requisitos das concessões do benefício, segundo a lei, em 2004: era
maior de 21 anos, independente economicamente, não era estudante
universitária de até 24 anos, interditada ou inválida, não tinha
dependência econômica – era dentista – e não era mais solteira, porque
já tinha se casado.
Ao tomar ciência da ação popular, o RioPrevidência – inicialmente réu –
reviu a decisão ao constatar que a concessão estava “viciada”: cortou o
benefício e pede o fim dos pagamentos e a devolução do montante pago nos
últimos cinco anos. Intimada, Márcia foi ao órgão apresentar defesa,
mas optou por não assinar termo de ciência. “Naquela ocasião, afirmou,
assumindo inteira responsabilidade pela veracidade das informações
prestadas, que o seu estado civil era o de solteira. Perceba-se, desde
já, o ardil empregado pela ré, que omitiu o seu casamento celebrado anos
antes”, diz o RioPrevidência.
“Vida nababesca”
No entanto decisão do desembargador Pedro Lemos obrigou o órgão a
retomar o pagamento. Em recurso ao tribunal, Márcia alegou que “a
subsistência e a independência financeira de sua família receberam duro
golpe”. Para o órgão previdenciário, a argumentação é “para dizer o
mínimo, melodramática, porque ela já recebe de pensão especial do TJ
mais cerca de R$ 20 mil. A manutenção da pensão proporciona à filha do
desembargador uma vida nababesca, à custa dos contribuintes do Estado do
Rio de Janeiro”.
A PGE cita frase de outro desembargador, Horácio dos Santos Ribeiro
Neto, segundo quem “lamentavelmente, há no país a crença de que pensão
por morte é herança e deve ser deixada para alguém porque, em caso
contrário, ‘fica para o governo’”.
A ação lembra que o entendimento da Constituição Federal é de igualdade
de tratamento entre união estável e casamento, em relação às pensões e
benefícios previdenciários, de modo que Márcia perdeu a condição de
solteira em 1990 para continuar a receber os benefícios previdenciários
que recebe. A autora Thatiana Travassos afirma que Márcia teve “má-fé”,
ao usar “expedientes maliciosos” e “mecanismos espúrios” de só casar no
religioso “com o único e específico intuito de não perder a condição de
beneficiária como filha solteira” e de “ludibriar para impedir a
aplicação de preceito imperativo da lei” – o que se caracterizaria como
“fraude à lei”.
A ação popular afirma que levantamento de casos como o de Márcia, no
Distrito Federal, identificou pagamento indevido de pensão a 2.879
filhas de servidores públicos mortos do Executivo maiores de 21 anos que
só teriam direito ao benefício se continuassem solteiras. A fraude,
aponta, custou aos cofres públicos cerca de R$ 30 milhões por ano – R$
150 milhões, em cinco anos, e R$ 300 milhões, em dez anos.
No Rio, não há previsão de o RioPrevidência fazer uma investigação semelhante em sua base de dados.
Autora da ação não quer falar; TJ e advogado de Márcia não respondem
O iG falou
por telefone com Thatiana Travassos, autora da ação popular que pede o
cancelamento das pensões de Márcia Couto. Ela não quis informar o motivo
por que moveu a ação nem quis dar entrevista sobre o assunto.
A reportagem ligou e enviou e-mail à assessoria de imprensa do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro, para ouvi-la a respeito do pagamento da
pensão a Márcia pelo Fundo Especial do TJ. Também questionou o tribunal
se a decisão de um desembargador em favor da filha de um outro
desembargador não poderia parecer corporativista tendo em vista os
fatos. O TJ não respondeu.
O iG deixou
mensagem às 13h de sexta-feira (18) no celular do advogado José Roberto
de Castro Neves, que representa Márcia. Às 13h10, o repórter deixou
recado com a secretária Maíra, no escritório de que é sócio no Rio, mas
não teve resposta até esta segunda (21).
Nota: matéria indicada pelo Blog do Coimbra.
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/rj/2012-05-21/justica-do-rio-garante-pensao-de-r-43-mil-para-filha-de-desembar.html
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É mais uma afronta ao povo e à justiça brasileira. Um apadrinhamento inconcebível para um poder que tem como função precípua a aplicação coativa das leis. A socidade organizada precisa com urgência se mobilizar para mudar a postura e procedimentos no Poder Judiciário para impedir que mazelas como esta continuem contaminando um poder vital para a sobrevivência da liberdade e da democracia no Brasil. A continuar estas mazelas, o Poder Judiciário continuará a mercê de mafiosos, caindo em descrédito abrindo oportunidades para apadrinhamentos, omissões e impunidade.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É mais uma afronta ao povo e à justiça brasileira. Um apadrinhamento inconcebível para um poder que tem como função precípua a aplicação coativa das leis. A socidade organizada precisa com urgência se mobilizar para mudar a postura e procedimentos no Poder Judiciário para impedir que mazelas como esta continuem contaminando um poder vital para a sobrevivência da liberdade e da democracia no Brasil. A continuar estas mazelas, o Poder Judiciário continuará a mercê de mafiosos, caindo em descrédito abrindo oportunidades para apadrinhamentos, omissões e impunidade.
Este trenzinho da alegria tem que acabar o mais breve possível para que o Judicíario retome o respeito a que merece. Estas falsas pensionistas sejam em qualquer esfera devem ser descobertas e excluidas de tais recebimentos imorais ou será que o país já atingiu a imoralidade mor e não mais abre mão a decência que merece.
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