ENTREVISTA. Gilmar Mendes - Ministro do Supremo Tribunal Federal
Em entrevista a ZH, Gilmar Mendes reiterou ontem ter sofrido pressão do ex-presidente Lula para adiar o julgamento do mensalão. Mendes foi contundente ao defender que a Corte julgue o mais rápido possível o caso – a previsão é para agosto – e disse que o Supremo passa por um momento de fragilidade pela proximidade da aposentadoria de dois dos seus 11 membros.
Abaixo, a íntegra da entrevista que concedeu por telefone.
Zero Hora – Quando o senhor foi ao encontro do ex-presidente Lula não imaginou que poderia sofrer pressão?
Gilmar Mendes – Não. Tratava-se de uma conversa normal e, inicialmente, o objetivo foi o de repassar assuntos variados. E eu me sentia devedor porque há algum tempo tentara visitá-lo e não consegui. Em relação a minha jurisprudência em matéria criminal, pode fazer levantamento. Ninguém precisa me pedir para ser cuidadoso. Sou um dos mais rigorosos com essa matéria no Supremo. Eu não admito populismo judicial.
ZH – Uma viagem a Berlim tem motivado boatos na CPI do Cachoira. O senhor encontrou o senador Demóstenes Torres durante a viagem?
Mendes – Nos encontramos em Praga, eu tinha compromisso acadêmico em Granada, está no site do tribunal. No fundo, isto é uma rede de intrigas, de fofoca, e as pessoas ficam se alimentando disso. É esse modelo de Estado policial. Dá-se para a polícia um poder enorme, ficam vazando coisas que escutam e não fazem o dever elementar de casa.
ZH – Os vazamentos são por parte da polícia, de quem investigou?
Mendes – Ou de quem tem domínio disso. E aí espíritos menos nobres ficam se aproveitando disso.
ZH – O atraso não passa para a população uma ideia de que as pressões sobre o Supremo estão funcionando?
Mendes – Está acontecendo porque o processo ainda não foi colocado em pauta. E acontecendo num momento delicado pelo qual o tribunal está passando. Três dos componentes do tribunal são pessoas recém nomeadas. O presidente está com mandato para terminar em novembro. Dois ministros deixam o tribunal até o novembro. É momento de fragilidade da instituição.
ZH – O senhor quer dizer que quem pressiona o Supremo está se aproveitando dessa fragilidade?
Mendes – Claro. E imaginou que pudesse misturar questões. Por outro lado, não julgar isso agora significa passar para o ano que vem e trazer uma pressão enorme sobre os colegas que serão indicados. A questão é toda institucional. Como venho defendendo o julgamento o mais rápido possível, é capaz que alguma mente tenha pensado: “Vamos amedrontá-lo”. É capaz que o próprio presidente esteja sob pressão dessas pessoas. Esse é um tipo de método de partido clandestino.
ZH – Por que o senhor só relatou o teor da conversa com Lula agora?
Mendes – Fui contando a quem me procurava para contar alguma história. Só percebi que o fato era mais grave, porque além do episódio (do teor da conversa no encontro), depois, jornalistas vieram me falar que as notícias associavam meu nome a isso (ao esquema de Carlinhos Cachoeira) e que o próprio Lula estava fazendo isso.
ZH – Jornalistas disseram ao senhor que o Lula estava associando seu nome ao esquema de Carlinhos Cachoeira?
Mendes – Isso. Alimentando isso.
ZH – E o que o senhor fez?
Mendes – Quando me contaram isso, eu contei a eles (jornalistas) a conversa que tinha tido com Lula.
ZH – Como foi essa conversa?
Mendes – Foi uma conversa repassando assuntos variados. Ele manifestou preocupação com a história do mensalão e eu disse da dificuldade do tribunal de não julgar o mensalão este ano, porque vão sair dois, vão ter vários problemas dessa índole. Mas ele entrava várias vezes no assunto da CPI, falando do controle. Como não me diz respeito, não estou preocupado com a CPI.
ZH – O que Lula falou sobre mensalão?
Mendes – Lula afirmou que não era adequado julgar este ano, que haveria politização. Eu disse que não tinha como não julgar este ano.
ZH – Lula disse ao senhor que o ex-deputado José Dirceu está desesperado?
Mendes – Acho que fez comentário.
ZH – Ele lhe ofereceu proteção na CPI?
Mendes – Quando a gente estava para finalizar, ele voltou ao assunto da CPI e disse que qualquer coisa que acontecesse, que eu avisasse. “Qualquer coisa, fala com a gente”. Percebi que havia um tipo de insinuação. Eu disse: “Se o senhor está pensando que tenho algo a temer, está enganado. Minha relação com Demóstenes era institucional, como era com você”. Ele levou um susto e disse: “E a viagem de Berlim?” Percebi que tinha outras intenções naquilo.
ZH – O ex-ministro Nelson Jobim presenciou toda a conversa?
Mendes – Tanto é que quando se falou da história de Berlim e eu disse que Lula estava desinformado porque era uma rotina eu ir a Berlim, pois tenho filha lá, que não tinha nada de irregular, e citei até que o embaixador nos tinha recebido e tudo, Jobim tentou ajudar. Disse assim: “Não, o que ele está querendo dizer é que o Protógenes (Queiroz, deputado federal do PC do B) está querendo envolvê-lo na CPI”. Eu disse: “O Protógenes está precisando é de proteção, ele está aparecendo como quem estivesse extorquindo o Cachoeira”. Então, o Jobim sabe de tudo.
ZH – Jobim disse a ZH que Lula foi embora antes e o senhor ficou no escritório dele tratando de outros assuntos.
Mendes – Não, saímos juntos.
ZH – Na conversa, Lula disse que falaria com outros ministros?
Mendes – Citou outros contatos. O que me pareceu heterodoxo foi o tipo de ênfase que ele está dando à CPI e a pretensão de tentar me envolver nisso.
ZH – O senhor acredita que possa existir gravação em que Demóstenes e Cachoeira conversam sobre o senhor?
Mendes – Não posso saber do que existe. Só posso dizer o que sei e o que faço.
adriana.irion@zerohora.com.br
ADRIANA IRION
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