"Imagina o que aconteceria nos Estados Unidos se um ministro da Suprema Corte fosse a um escritório de advocacia de Wall Street? O mundo caía." Miro Teixeira, deputado federal (PDT-RJ)
EDITORIAL O Globo
Uma inapropriada conversa entre um ex-presidente da República e dois ex-presidentes do Supremo, um deles ainda na ativa como ministro da mais alta Corte do Judiciário, expõe um grave caso de tentativa de influenciar um julgamento-chave no STF, o do mensalão.
Ou, tão incrível quanto isso, prova não se poder confiar na palavra de nenhum deles, homens de alta responsabilidade pública. Há três versões para o encontro.
Revelada pela revista “Veja”, a conversa no escritório de Nelson Jobim em Brasília, não desmentida por qualquer dos três, serviu, segundo o ministro Gilmar Mendes, para que Lula o pressionasse — inclusive com nuances de chantagem — a trabalhar na Corte pela postergação do julgamento do mensalão para depois das eleições.
Lula nega, Jobim fica no meio do caminho e tenta não constranger o ex-presidente, Gilmar Mendes confirma tudo.
A reunião, de que nenhum dos três deveria ter participado, em nome dos tão mencionados e pouco seguidos “princípios republicanos”, é preocupante do ponto de vista do equilíbrio institucional entre os Poderes.
A obsessão de Lula com o mensalão — compreensível, pois o escândalo manchou seu governo e biografia — e a segurança com que Gilmar Mendes confirma a impertinente abordagem reforçam a suposição de que algo grave de fato aconteceu.
A ponto de o ministro do STF Celso de Mello, colega de Mendes, dizer que, se Lula ainda fosse presidente, estaria vulnerável a um processo de impeachment.
Há detalhes sórdidos no relato feito por Gilmar Mendes do que disse Lula: comentários desairosos sobre juízes ( o “complexado” Joaquim Barbosa), a revelação de pelo menos outra manobra de tráfico de influência (usar o ex-ministro Sepúlveda Pertence para influenciar a ministra Cármen Lúcia, com o mesmo objetivo), e a confirmação de que o grupo de José Dirceu, o principal réu do processo, pressiona o ministro Antônio Dias Toffoli a não se declarar impedido no julgamento.
Mesmo que ele já tenha sido assessor de Dirceu, advogado do PT e que sua namorada, também advogada, haja trabalhado na defesa do ex-ministro no próprio processo do mensalão.
Lula teria até mesmo reclamado do ministro Ricardo Lewandovsky, cuja mãe tinha laços de amizade com Dona Marisa, ex-primeira dama, por não retardar a revisão do voto do relator, Joaquim Barbosa.
Adiado o julgamento, não apenas recrudescerá a questão da prescrição de alguns crimes cometidos por mensaleiros, como o atual e o ex-presidente do STF, Ayres Britto e Cezar Peluso, não estarão mais na Corte para apreciar o caso, pois se aposentarão.
Abertas as duas vagas no STF, as suspeições cairão sobre a presidente Dilma Rousseff, porque, para esta operação fechar, ela teria de indicar dois nomes simpáticos a mensaleiros, uma excrescência.
O ministro Ayres Britto, ao comentar o escândalo, foi incisivo: “O processo está maduro para ser julgado.
Chegou a hora de julgar.”
Esta é a melhor postura para a Corte, ou seja, manter o plano de apreciar o processo do mensalão o quanto antes. Será a única maneira contundente de o STF reafirmar a independência, inscrita na Constituição, uma das bases do regime dEmocrático de direito, atingido pela manobra torpe de interferência no Judiciário.
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