Denúncias menores deixam grandes fraudes impunes
Por Pedro Canário
A insistência em punir pequenos delitos fez a 7ª Vara Federal Criminal se debruçar mais uma vez sobre caso que já havia sido extinto em 2006. É a história de um flanelinha que recebeu uma nota falsa de R$ 20 em 2005. Foi acusado de receber e tentar repassar a nota, crime descrito no artigo 289, parágrafo 1º, do Código Penal. Na primeira ação penal, de 2006, foi condenado na primeira instância, mas o processo foi extinto pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Nova denúncia foi feita. O réu foi absolvido já no primeiro grau.
Consta dos autos que o flanelinha guardava carros durante corrida em Interlagos, em São Paulo. Recebeu de um motorista a tal nota R$ 20 e deu troco de R$ 15. Disse que só foi perceber que a nota era falsa no dia seguinte. Logo concluiu: “tomei calote”. O juiz federal Ali Mazloum, titular da 7ª Vara, condenou o flanelinha, mas com base no parágrafo 2º do artigo 289 do CP. Concluiu que ele recebeu a nota de boa-fé, sem saber que era falsa.
Recursos foram apresentados pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria. O primeiro pedindo aumento da pena. O segundo, a absolvição. O caso foi extinto de ofício.
O MPF apresentou nova denúncia. Mazloum, no entanto, não a aceitou. Disse que, além de não existirem provas nos autos quanto à intenção do rapaz de pegar a nota falsa, decisão nova sobre o mesmo fato não pode agravar a situação do réu. Neste caso, escreve Mazloum, a punibilidade estaria extinta pela prescrição.
Levantou questões processuais. O artigo 617 do Código de Processo Penal proíbe que a pena seja agravada quando só a defesa recorre da decisão. Já a Súmula 160 do Supremo Tribunal Federal diz que “é nula a decisão de tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”. Mas, no caso do flanelinha, o TRF-3 anulou o processo de ofício, sem analisar quaisquer argumentos, nem de defesa nem de acusação.
“Nesta hipótese, falta à ação penal condição essencial para sua instauração, consubstanciada no trinômio interesse/necessidade/utilidade (artigo 395, II, do CPP). Abrir novo processo para, ao final, ficar-se adstrito à apenação pretérita, em face da inafastável proibição da reformatio in pejus, atenta contra a dignidade humana, que proíbe seja o processo utilizado como instrumento de punição”, sentenciou Mazloum.
Prioridades
Ao fim da sentença, Ali Mazloum faz uma reclamação. Enquanto a “deficiente estrutura” do Judiciário é movimentada com casos como o do flanelinha, “as grandes fraudes financeiras e lavagens bilionárias de dinheiro sujo circulam impunemente pelo país”.
E não é uma questão de falta de trabalho. Em 2012, a 7ª Vara Federal Criminal recebeu 167 novas denúncias. Dessas, acolheu 133 e rejeitou 34. Isso, na opinião do juiz titular, “demonstra nossa criteriosa análise antes de abrir processo contra qualquer pessoa”.
Mesmo com a análise detalhada, o saldo é positivo. Foram 201 sentenças proferidas durante o ano, número mais de 50% acima da quantidade de denúncias acolhidas no mesmo período. Hoje, a 7ª Vara conta 300 processos em acervo, “o que nos coloca nos melhores padrões internacionais de Justiça Penal”, diz o juiz federal Ali Mazloum. Segundo ele, um processo não dura mais de dez meses na vara.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A questão não é esta de criar "prioridades". A justiça tem que julgar desde os pequenos delitos aos grandes e mais graves delitos. Esta história de deixar de lado e não dar importância aos pequenos delitos que o Brasil vai mal, pois a justiça brasileira está entrando em colapso pela insuficiência de juízes, servidores e varas judiciais, pelo orçamento falimentar e pelo descaso para com a aplicação coativa das leis.
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