ZERO HORA 13 de dezembro de 2012 | N° 17282. ARTIGOS
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira*
Ninguém desconhece as dificuldades da Justiça brasileira. A cada ano, aumenta em proporção geométrica o número de causas, sem aumento correspondente no de juízes e funcionários. Os resultados são assustadores: mesmo o juiz mais diligente, que trabalhe sem cessar, não pode dar conta do recado. Em consequência, cai o nível da prestação jurisdicional. Quanto maior a quantidade, menor a qualidade.
Qual é a solução para o grave problema, tão importante para a democracia? Afirmar que pode ser resolvido dando-se prioridade a medidas legislativas é negar a realidade. Por mais de 20 anos, excelentes juristas procuraram melhorar o atual Código de Processo Civil, centenas de modificações legislativas foram realizadas. Mas os resultados foram escassos, por uma razão elementar: atacaram-se os efeitos e não as causas.
Um simples exemplo mostra o que quero dizer. Nas varas da Fazenda Pública de Porto Alegre, um único juiz tem de lidar em média com 80 mil processos. É claro que esse magistrado, por mais competente e esforçado, como normalmente são os juízes brasileiros e especialmente os gaúchos, não conseguirá jamais pôr o serviço em dia. A tarefa chega a ser desumana e impossível de ser cumprida em bons termos. Sem recursos orçamentários, investimentos e aperfeiçoamento dos magistrados e do serviço cartorário, tudo será em vão. Basta atentar para o fato de que o Brasil dispõe atualmente de apenas 16 mil magistrados, um juiz para 118.750 habitantes, proporção absurda se pensarmos que na Alemanha há um juiz para 3 mil pessoas!
Ademais, como falar em efetividade, se os agentes públicos são irresponsáveis em razão do sistema dos precatórios: devo não nego, pagarei quando puder! Indispensável uma reforma constitucional a respeito, pelo menos para o futuro. As agências reguladoras e os Procons têm de atuar efetivamente em relação às grandes corporações, causadoras do excesso de causas. Por essas razões, e outras que agora deixo de examinar, não acredito que uma mera reforma do atual Código de Processo Civil possa resolver o problema. Não nego que poderá ajudar aqui e ali a desfazer algum nó, mas serão paliativos. Muitos dirão que o investimento é pesado, mas é assim que as coisas se resolvem, a exemplo do que deve ocorrer em tema de educação, segurança e saúde; não há mágica. Simples palavras congeladas em códigos serão incapazes de mudar a realidade.
Além de tudo, devemos pensar, isso sim, na instituição de um sistema específico para cuidar das demandas de massa, um estatuto para as relativas aos interesses individuais homogêneos, conferindo inclusive legitimidade a qualquer integrante da classe para propô-las, como ocorre com as class actions do sistema norte-americano. Mas esse já é outro assunto.
*Jurista
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O autor disse tudo logo no início do artigo: "Ninguém desconhece as dificuldades da Justiça brasileira". Mas também ninguém se mexe para mudar este estado de coisa. As prometidas reformas ficaram reduzidas a ações mínimas e insuficientes para atacar as mazelas do judiciário. Alías, são estas mazelas que este blog tem procurado mostrar nas postagens de notícias que são publicadas em fonte idôneas. O Brasil tem um Judiciário caro, mas cada vez mais moroso, burocrata, centralizado, parcial, corporativo e distante dos anseios por justiça, aumentando o descrédito na solução das lides e na aplicação das leis. Sim, "a cada ano, aumenta em proporção geométrica o número de causas, sem aumento correspondente no de juízes e funcionários.", pois há um descaso com a função precípua do poder que é a aplicação coativa das leis. A construção de prédios suntuosos e a política salarial autofágica consome o orçamemto e impede a nomeação de mais juizes e mais servidores, a criação de mais varas judiciais, investimentos em tecnologia e aproximação do poder das lides e das ilicitudes. Sem estes meios, os juizes e servidores não conseguem dar "dar conta do recado", mantendo a justiça morosa, burocrata e ineficiente.
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