José Carlos Teixeira Giorgis*
“Judas logo se aproximou de Jesus, dizendo: ‘Salve Rabi’. E beijou-o. Jesus lhe disse: ‘Amigo, para que vieste?’ Então, os outros avançaram, lançando as mãos sobre Jesus e o prenderam” (MT, 26, 49-50). Eis o paradigma da perfídia, como a de Calabar.
A delação pertence ao jargão criminal, consistindo na revelação em que o indiciado, suspeito ou acusado incrimina outrem; e se diz “premiada” porque a lei recompensa o agente com benefícios, como o abrandamento do regime, redução da pena, escusa judicial e outras.
As Ordenações Filipinas perdoavam os malfeitores no crime de lesa-majestade quando “dessem outros à prisão”; depois, o instituto desapareceu por séculos, ressuscitando em regras dos crimes hediondos e na extorsão mediante sequestro; na lei contra o crime organizado e na de lavagem de dinheiro; na proteção das testemunhas e vítimas; na lei de tóxicos.
Essa forma de denúncia contra terceiro é abonada pelos tribunais como uma prova relativa que exige concordância de outros elementos do processo; há quem sustente que ela não se contenha nos limites do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas se admita ainda na revisão criminal como nova circunstância que autorize a diminuição da pena.
Alguns ressaltam sua importância como um “mal necessário” que o Estado usa na busca da verdade e na ânsia de dirimir os conflitos para obter paz social; embora, diga-se, a delação não se apoia na vontade de colaborar com a justiça ou em relevante valor moral, mas, ao contrário, no desamparo que a pessoa sente ao se achar abandonada pelos comparsas; também na aflição, desgosto ou ira do infrator quando verifica sua solidão.
Outros veem na delação premiada a incapacidade do Estado e sua ineficiência na apuração dos ilícitos penais, sossegando-se no incentivo à infidelidade; uma apatia em avançar nas investigações, acomodando-se em solução simplista; um descanso que desacelera a pesquisa e freia o impulso inquisitorial, propiciando, muitas vezes, um lamentável espetáculo midiático em que se valoriza o escândalo e a inconfidência.
Uma expressiva parcela de juristas, contudo, aponta a ausência ética no conteúdo desta felonia.
A ética, para Vásquez, é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade; é a disciplina dos costumes que se alicerça em valores; é uma regra de conduta.
O direito tem substrato ético que se ancora no respeito entre as pessoas e objetiva limitar a ação pessoal em face do exercício da atividade alheia.
No âmbito penal o delito é a vulneração dos valores morais da sociedade e o repúdio à infração não pode desbordar dessa equivalência.
A dignidade do Estado – e da Justiça – não permite comportamento desajustado; ou seja, o Estado deve ser essencialmente ético, descabe-lhe reagir com a arma que abomina.
A delação premiada é um “beijo de Judas”, é a apoteose legal da traição.
“Judas logo se aproximou de Jesus, dizendo: ‘Salve Rabi’. E beijou-o. Jesus lhe disse: ‘Amigo, para que vieste?’ Então, os outros avançaram, lançando as mãos sobre Jesus e o prenderam” (MT, 26, 49-50). Eis o paradigma da perfídia, como a de Calabar.
A delação pertence ao jargão criminal, consistindo na revelação em que o indiciado, suspeito ou acusado incrimina outrem; e se diz “premiada” porque a lei recompensa o agente com benefícios, como o abrandamento do regime, redução da pena, escusa judicial e outras.
As Ordenações Filipinas perdoavam os malfeitores no crime de lesa-majestade quando “dessem outros à prisão”; depois, o instituto desapareceu por séculos, ressuscitando em regras dos crimes hediondos e na extorsão mediante sequestro; na lei contra o crime organizado e na de lavagem de dinheiro; na proteção das testemunhas e vítimas; na lei de tóxicos.
Essa forma de denúncia contra terceiro é abonada pelos tribunais como uma prova relativa que exige concordância de outros elementos do processo; há quem sustente que ela não se contenha nos limites do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas se admita ainda na revisão criminal como nova circunstância que autorize a diminuição da pena.
Alguns ressaltam sua importância como um “mal necessário” que o Estado usa na busca da verdade e na ânsia de dirimir os conflitos para obter paz social; embora, diga-se, a delação não se apoia na vontade de colaborar com a justiça ou em relevante valor moral, mas, ao contrário, no desamparo que a pessoa sente ao se achar abandonada pelos comparsas; também na aflição, desgosto ou ira do infrator quando verifica sua solidão.
Outros veem na delação premiada a incapacidade do Estado e sua ineficiência na apuração dos ilícitos penais, sossegando-se no incentivo à infidelidade; uma apatia em avançar nas investigações, acomodando-se em solução simplista; um descanso que desacelera a pesquisa e freia o impulso inquisitorial, propiciando, muitas vezes, um lamentável espetáculo midiático em que se valoriza o escândalo e a inconfidência.
Uma expressiva parcela de juristas, contudo, aponta a ausência ética no conteúdo desta felonia.
A ética, para Vásquez, é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade; é a disciplina dos costumes que se alicerça em valores; é uma regra de conduta.
O direito tem substrato ético que se ancora no respeito entre as pessoas e objetiva limitar a ação pessoal em face do exercício da atividade alheia.
No âmbito penal o delito é a vulneração dos valores morais da sociedade e o repúdio à infração não pode desbordar dessa equivalência.
A dignidade do Estado – e da Justiça – não permite comportamento desajustado; ou seja, o Estado deve ser essencialmente ético, descabe-lhe reagir com a arma que abomina.
A delação premiada é um “beijo de Judas”, é a apoteose legal da traição.
*DESEMBARGADOR APOSENTADO
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