ZERO HORA 25 de agosto de 2012 | N° 17172
Homem preso por engano é libertado. Servente de obras foi encarcerado por assaltos cometidos pelo irmão
LETÍCIA BARBIERI
O drama de um homem preso por engano teve fim às 19h30min de ontem. Depois de ficar encarcerado por 236 horas no Presídio Central, em Porto Alegre, o servente de obras Julio Cesar da Silva Sanguinet, 33 anos, foi libertado.
Apostos do lado de fora da cadeia, a doméstica Maria Salete Sanguinet, 54 anos, mal conseguia falar, mas sorria muito. Ela lutava havia 11 dias para provar que o filho estava preso no lugar do irmão, o assaltante Sandro, um ano mais velho.
– Tu conseguiu, mãe! – foi a primeira reação de Julio ao reencontrar Maria Salete.
Foi uma decisão da juíza Tania da Rosa, da 10ª Vara Criminal, que colocou Julio em liberdade. Com novas fotos e a prova de que o irmão reconhecido por vítimas dos roubos está morto, a magistrada decidiu revogar a prisão preventiva. Foi determinante o fato de que o assaltante apresentava uma mancha de nascença no pescoço, característica que o rapaz preso não tem.
– Há fortes indícios que a pessoa que se encontra presa não seja efetivamente o autor dos delitos – avaliou a juíza.
O pedido de liberdade foi encaminhado, às 14h30min, pela Defensoria Pública. Às 16h30min, a avaliação do Ministério Público já sinalizava a dúvida. A promotora de Justiça, Flávia Mallmann, destacou a urgência de se fazer uma audiência que submetesse Julio a um novo reconhecimento pelas vítimas. Mas a palavra final era da juíza, e ela reconheceu que um inocente poderia estar preso.
– Diferentemente do irmão, Julio não possui sinal de pele no pescoço, característica que consta inclusive nos registros de consulta da polícia – detalhou a magistrada.
Desde o dia 14, Julio dividia a cela com criminosos de verdade. Ao colocar os pés para fora dos muros do Central, não escondeu a indignação:
– Por que não me ouviram na delegacia? Precisavam me deixar 11 dias preso para ver que era uma injustiça? – questionou o servente de pedreiro.
A Defensoria Pública também comemorou a soltura e se dispõe a ingressar com uma ação de indenização pelo erro do Estado.
– Ele passou o aniversário dele no pior presídio do Brasil, e esse abalo emocional e moral tem de ser reparado. Ficou claro que houve um erro do Estado, da Polícia, nesse caso – frisou o coordenador das casas prisionais da Defensoria Pública, Irvan Antunes Vieira Filho.
No inferno do Central, sem choro
No dia do aniversário, em 14 de agosto, Julio tomou apenas o café da manhã e nada mais. Às 11h foi detido por PMs na esquina de casa, na Vila Cruzeiro. Passou 12 horas no Palácio da Polícia até ser levado, à noite, para o Presídio Central. Conta que só teve acesso à alimentação no café da manhã do dia seguinte.– Passei fome no dia do meu aniversário. Agora só quero ir para casa, tomar um banho e comer um assado da minha mãe – encomendou.
Foram 11 dias e 10 noites no pavilhão F, do Presídio Central. A primeira impressão de Julio foi que os detentos prestavam atenção na higiene um dos outros. Para evitar desentendimentos, raspou o cabelo e se manteve calado.
– Teve dias que tive que ir para o chuveiro para chorar sozinho para não chorar na frente deles. Fora o medo, né? Agora eu vou até o fim. Quero o meu nome limpo. Isso que fizeram foi uma injustiça – avisou.
Enquanto Julio se defendia como podia em meio aos presidiários, Maria Salete passava noites em claro, em casa.
Desesperado Julio chegou a pedir para a mãe que, para contratar um advogado, vendesse o que ele tem de mais valor: uma televisão e um videogame. Com o filho em seus braços, Maria Salete concluiu:
– Eu jamais desistiria.
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