Justiça determina soltura de suspeito de furto, mas ofício se perde na burocracia, e erro só é percebido dez meses depois
CAROLINA DE OLIVEIRA CASTRO
LUIZ ERNESTO MAGALHÃES
O GLOBO 14/07/12 - 6h00
RIO - A Justiça em certos casos parece não apenas cega, como surda, demorada e burocrática. Acusado de furto e posse de uma pequena quantidade de cocaína, Anderson de Aquino Dias, de 29 anos, teve a prisão relaxada em 6 de setembro de 2011, apenas três dias depois de ser detido em flagrante. Mas, somente na noite da última quarta-feira — mais de dez meses depois da decisão judicial —, ele saiu da Casa de Custódia João Carlos da Silva, em Japeri. O ofício que o liberava se extraviou no caminho entre o Tribunal de Justiça do Rio e a delegacia onde Anderson se encontrava detido na época.
O erro atingiu um personagem que não é exatamente um desconhecido da polícia. Mas serve de exemplo da burocracia estatal. Anderson responde a outros quatro inquéritos em três delegacias, nenhum deles concluído nos dez meses em que ficou sob custódia do estado. Na 41ª (Tanque), o inquérito é por lesão corporal seguida de morte. Na 50ª (Itaguaí), por furto em residência. Já na 48ª DP (Seropédica) são dois: por lesão corporal contra a mulher e o filho do 5 anos, e por ter saído com o menino sem autorização da mãe, que tem a guarda da criança.
Em setembro do ano passado, Anderson foi preso em Seropédica. A confusão começou depois que a comarca de São João de Meriti expediu o ofício com a determinação de soltar o preso há dez meses. Quando o documento chegou à Polinter de Vilar dos Telles, ele já havia sido transferido. O documento voltou para a comarca, cuja vara criminal passava por uma reestruturação. Nunca mais se soube do ofício, até que o defensor público Leonardo Meriguetti Pereira analisou o caso semana passada e decidiu intervir.
Defensor teve que recorrer à segunda instância
O defensor teve que superar a burocracia. A reestruturação da comarca de São João de Meriti criou uma segunda vara criminal — antes só havia uma. A juíza Juliana Andrade Barrichello, que em setembro do ano passado determinara a libertação de Anderson, voltou a analisar o caso a pedido do defensor esta semana. Mas não liberou o preso por entender que seria necessário um novo alvará de soltura. Leonardo Pereira decidiu, então, recorrer à segundo instância da Justiça, e o caso acabou na mesa do promotor Paulo Rangel, da 3ª Câmara Criminal do TJ , que concedeu o habeas corpus “É muita burocracia e descaso com a liberdade alheia. Poderia invocar os princípios constitucionais de Rui Barbosa, mas não posso perder tempo com academicismos”, escreveu Rangel na sentença.
Procurados, o desembargador e a juíza não responderam ao pedido de entrevista. O defensor público Leonardo Pereira disse que cumpriu seu papel e que nem sabia da existência de outros inquéritos contra o preso:
— Ninguém pode permanecer preso sem acusação formal do Ministério Público, como nesse caso. Anderson, porém, não é um caso isolado. O que chamou a atenção foi o tempo que ele ficou detido. Na casa de custódia, já lidei com muitos casos de presos que já deveriam estar em liberdade — contou o defensor público.
Em relação à demora para a própria Defensoria Pública identificar o problema, Leonardo afirmou que há sobrecarga de trabalho. E disse que apenas em abril a casa de custódia, onde estão 1.500 detentos, passou a ter um defensor público exclusivo.
Segundo a assessoria da Polícia Civil, as investigações que levaram Anderson à prisão continuaram. Mas, nesse tempo todo, os agentes acreditavam que ele estivesse em liberdade. Ainda de acordo com a polícia, ao solicitar mais elementos da investigação, o Ministério Público anexou o alvará de soltura original. O MP informou ontem, no entanto, desconhecer outro alvará que não seja o que foi emitido por Rangel anteontem.
A família conta que Anderson teria se mudado para Seropédica, onde vive a ex-mulher. Libertado no fim da noite de anteontem, ele avisou à mãe, Jussara Dias, que iria para a casa dela, no Largo do Tanque, onde viveu até agosto de 2011 com mais três irmãos. Mas, até o início da noite, Anderson não havia aparecido em casa.
O presidente da OAB-RJ, Waldir Damous, classificou o caso como um festival de negligência no qual se associam autoridades policiais e o próprio Judiciário:
— Aparentemente, temos inquéritos que não foram concluídos depois de quase um ano. Mas o fato de ele ser investigado por outas acusações não elimina o erro de ter ficado preso depois que a Justiça determinou o contrário.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Esta é a justiça brasileira, burocrata e muito distanciada.
O dia em que a Justiça Brasileira se tornar sistêmica, independente, ágil e coativa, e com Tribunais fortes e juízes próximos do cidadão e dos delitos, o Brasil terá justiça, segurança e paz social.
"A Função Precípua da Justiça é a aplicação coativa da Lei aos litigantes" (Hely Lopes Meirelles)- "A Autoridade da Justiça é moral e sustenta-se pela moralidade de suas decisões" (Rui Barbosa)
MAZELAS DA JUSTIÇA
Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.
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