Sancionada pela presidente Dilma Rousseff, entrará em vigor dentro de três meses a Lei 12.694, que garante proteção policial e medidas de segurança para os juízes que atuam em processos contra o crime organizado. Pelas estimativas das entidades da magistratura, há cerca de 400 juízes vivendo sob ameaça de morte, em todo o País.
A sanção da lei ocorre um ano após o assassinato da juíza fluminense Patrícia Acioli. Ela foi morta a tiros, ao chegar em casa, por policiais militares que havia condenado por crimes de extorsão e homicídio. A Lei 12.694 também foi sancionada em meio a denúncias de ameaças a um juiz federal e a uma procuradora de Justiça - ambos do Estado de Goiás - que atuaram no processo que resultou na prisão de Carlinhos Cachoeira. Meses antes, outros magistrados que vinham julgando processos abertos pelo Ministério Público contra esse contraventor - inclusive uma ministra do Superior Tribunal de Justiça - pediram afastamento do caso, sem esconder que receavam ser vítimas de represálias, caso o condenassem.
A Lei 12.694, que é uma antiga reivindicação da magistratura, contém aspectos positivos - como é o caso da oferta de automóveis blindados e de escolta policial a juízes encarregados de julgar processos abertos contra organizações criminosas. A lei também impõe critérios rigorosos para o acesso aos gabinetes de magistrados e prevê a instalação de câmeras de vigilância e detectores de metal nos tribunais.
Apesar de os juízes das varas de execução penal terem elogiado essas medidas, o presidente em exercício da Associação dos Magistrados Brasileiros, Raduan Miguel Filho, lembra que elas não contemplam os serventuários judiciais, que também podem ser ameaçados e intimidados. Ele afirma, ainda, que nas Justiças estaduais nem todos os tribunais dispõem de recursos humanos e de verbas orçamentárias suficientes para todas as medidas de segurança previstas pela Lei 12.694. "A proteção policial varia de região para região. Nem todos os tribunais podem oferecer um automóvel blindado para cada juiz ameaçado", diz Raduan.
O dispositivo mais polêmico da lei é o que prevê a publicação das sentenças "sem qualquer referência a voto divergente nas decisões colegiadas". Pelas novas regras, quando houver ameaça à integridade física do juiz, outros dois magistrados da área criminal deverão ser escolhidos por sorteio - e independentemente do fato de não terem participado da produção de provas - para formar um colegiado encarregado de julgar o processo. A ideia é que a ação conjunta neutralize ameaças por parte dos réus.
Essa medida, que abre caminho para a instituição do sistema do "juiz sem rosto" e da "sentença sem assinatura", foi inspirada nas legislações penais adotadas pela Colômbia e pelo Peru, para combater o narcotráfico e o terrorismo. Na Colômbia, a lei permite que sejam divulgadas as cópias das sentenças, sem a identificação do juiz, ficando os originais - devidamente subscritos - guardados em lugar secreto e seguro. No Peru, a lei permite que os processos contra terroristas sejam objeto de julgamento secreto. Há também um rodízio entre os juízes encarregados de julgar essas ações, que não podem alegar suspeição para se afastarem do caso.
O problema das sentenças "sem qualquer referência a voto divergente" e da figura do "juiz sem rosto" é que elas violam regras elementares do Estado de Direito brasileiro. Aqui, todo e qualquer acusado tem a prerrogativa de saber quem o acusa e quem o julga. Essa regra é consagrada pela Constituição de 88, que garante o princípio da publicidade dos atos judiciais e proíbe o juízo de exceção. A figura do "juiz sem rosto" também afronta o princípio do juiz natural, que é inerente à garantia do devido processo legal, assegurada pela Carta Magna.
O maior risco do ocultamento da identidade do julgador, reconhecem advogados, promotores e até magistrados, é propiciar atos arbitrários e decisões absurdas, gerando um poder oculto. Para combater o crime organizado, é fundamental assegurar a proteção dos juízes. Mas nada justifica que ela seja dada com a supressão de garantias constitucionais.
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