José Renato Nalini*
O Brasil, país rico, faz questão de construir palácios. Isso ocorre tanto na iniciativa privada como nas edificações públicas. No primeiro caso, o dinheiro é de quem constrói. No segundo, é o povo que paga. Seria resquício de saudades monárquicas essa cultura? Tudo precisa ser majestático, suntuoso, com vocação para superar dimensões anteriores. Na mesma linha, com que orgulho invocamos nossa condição de "maiorais" em vários rankings. Nem todos suscetíveis de ensejar um orgulho justificado e legítimo.
Se assim é nos mais variados setores, também a Justiça se tem orientado pela edificação de prédios cada vez maiores e sofisticados. Nem se fale em Brasília, com a profusão de sedes judiciárias compatíveis com a vocação de paraíso arquitetônico. Ali se planejou e concretizou exibição turística das mais arrojadas concepções de prédios públicos. Só que a tendência se espraiou por todo o Brasil. Municípios que nem sequer poderiam merecer a condição de entidade federativa, pois lutam com imensas dificuldades para obtenção de recursos, pretendem um Fórum maior, com previsão para o inevitável futuro crescimento, na forte judicialização que contaminou a República.
É saudável a inspiração de abrigar o Judiciário em sedes condignas. A Justiça é coisa séria. Ela existe para desatar nós. Nunca é demais recordar que injustiça, mesmo em doses homeopáticas, é veneno mortal. Mas é preciso lembrar que os recursos financeiros são finitos, para uma insaciável pretensão de crescimento. Exige-se prudência com gastos do povo.
Urge pensar em novas opções. Primeiro, por uma contingência incontornável: o Poder Judiciário tem orçamento limitado e insuficiente para fazer face às suas despesas, majoritariamente reservadas ao pagamento de pessoal. A Justiça é serviço público, realizado por servidores. Estes é que fazem a máquina funcionar. Priorizar a atividade-meio só se fará em detrimento da atividade-fim. Esta é que não pode ser relegada: o Judiciário é um solucionador de problemas. Não é uma empresa especializada em construir prédios. Sem a prática das empreiteiras sujeitar-se-ia às mesmas vicissitudes dos que precisam observar a Lei de Licitações. Contratar o menos oneroso e ver a obra incompleta, pois o povo tem razão quando diz que "o barato sai caro".
Depois, a pluralidade de situações reclama adoção de alternativas também plurais. O município é entidade da Federação desde 5/10/1988. Não dispõe de Justiça Municipal. O munícipe recorre à Justiça Estadual. Bem por isso, contribuir para a eficiência do Judiciário é dever da administração pública local. Alguns municípios paulistas constituem polos reconhecidos de desenvolvimento propiciado por diversos fatores. Têm arrecadação suficiente para construir Fóruns que servirão a seus cidadãos. Barueri é um exemplo: o Fórum é obra da prefeitura. Outros poderão segui-lo, servindo-se de parcerias público-privadas ou de modalidades diversas de partilha dos custos.
A sociedade também pode e deve concorrer. Alguns dos maiores clientes do Judiciário são bancos, instituições financeiras, concessionárias, prestadoras de serviços públicos delegados. Por que não auxiliar a comarca a dispor de um equipamento judicial adequado às suas reais necessidades?
A padronização é impossível e indesejável no atual momento, em que a criatividade é um valor cada vez mais necessário para o enfrentamento da complexa realidade brasileira. Se o município não dispõe de área considerada ideal, por que não edificar um Fórum vertical, concentrado num prédio com os andares suficientes para acolher todas as dependências judiciais?
Se o município conseguir arcar com um projeto de arquiteto de renome, que resulte numa atração turística a mais, melhor. Mas se não tiver condições para isso, por que não pensar numa construção racional, inteligente, simples e econômica? A Justiça em países de Primeiro Mundo não é suntuosa. Quem conhece o Judiciário alemão e da Escandinávia sabe bem disso.
De sua parte, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) está disponível para colaborar com o que for necessário. E justamente a pensar que a Justiça é serviço público e precisa ser eficiente, encara algumas iniciativas que poderão resultar em inegáveis ganhos para a comunidade. Flexibilização de horários, para que o funcionalismo, se vier a trabalhar por turnos, talvez possa desempenhar com grau maior de satisfação sua tarefa essencial. Uso compartilhado de salas de audiência, para que elas recebam utilização mais consentânea com o investimento que o povo fez. Não se justifica funcionamento apenas no período vespertino, quando é plenamente possível a realização de sessões durante a manhã. Equipamentos dispendiosos não podem ser subutilizados.
O mesmo se diga dos gabinetes. O gabinete posto à disposição do juiz não é propriedade dele. É um bem de uso específico, mas bem público. Juízes podem partilhar gabinetes e reduzir os tempos ociosos, para multiplicar a atuação da Justiça, excluída a necessidade de construção infinita de novos espaços.
É urgente republicanizar os usos e costumes na Justiça, cuja missão é pacificar, não exagerar nos ritos, no personalismo, na ênfase à transitória distinção entre seus integrantes e os demais cidadãos. É tempo de assumir o desafio da eficiência, para vencer os 93 milhões de processos em curso, 20 milhões deles só no Estado de São Paulo.
Recentemente perdemos Paco de Lucía, o revolucionário violonista que tem uma frase apropriada à reflexão que o Judiciário deve fazer: "Abri uma janela para que entrasse ar, com muito respeito à tradição, mas não obediência, o que é muito diferente".
Usar de forma inteligente os próprios da Justiça é deixar entrar o oxigênio da contemporaneidade, que tornará mais saudável a missão de resolver problemas humanos, sem menosprezo a um passado digno de todo o respeito.
*José Renato Nalini é presidente do TJSP.
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