O Estado de S.Paulo 17 Outubro 2014 | 02h 05
OPINIÃO
Alguns juízes federais, descontentes com o corte do "adicional por acúmulo de função" e coordenados pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), resolveram suspender a tramitação de determinados processos como forma de pressionar a liberação da verba adicional. Trata-se de um claro acinte, que recebeu a devida repreensão, tanto do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, quanto do corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça. Agora, é de esperar que voltem o quanto antes ao trabalho.
O motivo do descontentamento dos juízes não é dos mais razoáveis. O Poder Executivo, no uso das suas legítimas atribuições, não acatou alguns pontos da proposta de orçamento apresentada pelo Poder Judiciário para 2015. Entre esses pontos estava o "adicional por acúmulo de função", que seria concedido a juízes que atuam temporariamente como substitutos em outras varas. Logo após o anúncio da decisão do Poder Executivo, a Ajufe a questionou, alegando uma suposta "independência financeira" de cada um dos Poderes.
Essa independência, no entanto, não existe. Uma coisa é que os Poderes sejam - como, de fato, são - autônomos. Outra coisa é que o Tesouro - a fonte que banca o orçamento de cada um dos Três Poderes - seja um só - como, de fato, é -, cabendo ao Executivo a responsabilidade sobre o que entra e o que sai.
O presidente da Ajufe, Antônio Bochenek, afirmou que muitos juízes federais estão insatisfeitos, pois se sentem discriminados, já que não receberiam benefícios concedidos a magistrados estaduais e a membros do Ministério Público Federal. A ironia dessa reclamação é que ela vem logo após os "discriminados" juízes federais terem recebido a boa notícia de que poderiam contar com mais R$ 4.378 mensais, a título de auxílio-moradia - mas sem qualquer necessidade de apresentar recibo de aluguel. Bom seria que todos os brasileiros pudessem sofrer esse tipo de discriminação.
Mas, se o motivo não era dos mais razoáveis, menos ainda foi a forma encontrada para protestar e pressionar: a recusa em julgar determinados processos. Houve um juiz federal de Niterói que se recusou a julgar causas com final ímpar. Haja arbitrariedade! E haja imaginação: na tentativa de justificar a sua conduta, alegou que - por acumular função de juiz substituto sem remuneração adicional - estava fazendo "trabalho forçado", em "condição análoga de escravo".
Diante da paralisação da tramitação de alguns processos como forma de pressão, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, que tem se mostrado afeito às demandas corporativas da magistratura, emitiu uma veemente nota, recriminando a parede: "Como chefe do Poder Judiciário, estou ciente do elevado estoque de processos. No entanto, assim como um médico no serviço público não pode negar a prestação de socorro, alegando excesso de demanda, o juiz não pode negar a jurisdição por sobrecarga de processos. A jurisdição é um serviço público essencial, tal como a saúde".
O corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Humberto Martins, encontrou-se com o presidente da Ajufe, na tentativa de resolver a situação o mais rápido possível. "Juízes e magistrados não são donos do poder, são inquilinos. O dono é o povo, e a Justiça deve oferecer o seu melhor para a população, sempre", afirmou Martins. Dada a gravidade da situação, o corregedor-geral entendeu por bem ir além do mero diálogo e expediu uma portaria, que é certeira: "A suposta conduta omissiva afronta o Estado Democrático de Direito, os princípios da magistratura federal e é prejudicial ao exercício da democracia".
A portaria determina que cada corregedor regional apure se ocorreu esse tipo de conduta ilícita e, se for o caso, abra sindicância para apurar as correspondentes responsabilidades. Em 15 dias, cada corregedoria regional deverá enviar um relatório sobre as apurações que realizaram e as providências tomadas. A mensagem é clara: juiz deve ter juízo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário