ZERO HORA 16 de outubro de 2014 | N° 17954
TAÍS SEIBT
Decisão de juiz em soltar suspeito cria polêmica
Dois homens foram presos porque teriam violentado adolescente na Capital. Um deles foi libertado por não ter antecedentes criminais
A decisão do juiz da 6ª Vara Criminal de Porto Alegre, Paulo Augusto Oliveira Irion, em liberar um homem preso em flagrante na noite de domingo, suspeito de estuprar uma adolescente de 16 anos perto do Anfiteatro Pôr do Sol, em Porto Alegre, causou polêmica. Marlon Patrick Silva de Mello, 25 anos, foi libertado na terça-feira. O juiz decidiu soltar o jovem porque ele seria réu primário. O outro suspeito, Rodnei Alquimedes Ferreira da Silva, 56 anos, teve prisão preventiva decretada por ter antecedentes, inclusive crimes sexuais.
Apesar de responder em liberdade, Mello deverá cumprir exigências, como comparecer em juízo regularmente e não se aproximar da vítima. O juiz trata os dois homens como suspeitos, apesar do flagrante, porque ainda não há laudo pericial da vítima.
No domingo, a estudante teria participado de uma festa na Usina do Gasômetro e ficado sozinha quando uma amiga foi embora. Por volta das 23h30min, três moradores de rua ouviram os gritos da jovem nas imediações do Anfiteatro Pôr do Sol. Dois foram tentar socorrer a garota, enquanto o outro correu para chamar a polícia.
Um dos suspeitos estaria com uma arma e teria trocado tiros com policiais antes de ser capturado, mas a arma não foi localizada. A adolescente ficou internada no Hospital Fêmina e já recebeu alta. O delegado Leandro Lisardo, titular da Delegacia para Criança e Adolescente Vítima de Delito, do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca), lamentou que a Justiça tenha libertado um dos suspeitos:
– Eles foram presos em flagrante, há testemunhas que presenciaram a cena como moradores de rua, policiais civis e militares.
A vítima deve depor nesta semana. ONGs e movimentos de proteção à mulher divulgaram nota de repúdio à decisão do juiz, considerada um retrocesso.
– Ainda que não tenha sido consumada a violência sexual, é contraditório o juiz tomar uma atitude dessas, porque nós não podemos proteger a mulher somente no ambiente doméstico e não proteger na rua – diz a assessora jurídica da ONG Themis, Lívia de Souza.
O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, que defende a prisão como última medida, também discorda da libertação do suspeito.
– É outro tipo de crime, pela gravidade e pelo impacto social que causa. E ser primário em crimes dessa natureza é relativo – pondera.
COLAPSO PRISIONAL PODE EMBASAR INTERPRETAÇÃO
Doutor em Direito Penal e membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Ricardo Breier explica que, se há um indício forte de autoria em caso de estupro, a regra geral é que não se conceda liberdade ao suspeito, mas hoje existe uma preocupação em colocar réus primários em presídios. Fica a cargo do juiz a interpretação de cada caso. Sobre o flagrante, o jurista frisa que é preciso haver elementos que sustentem a palavra da polícia e das testemunhas, como porte de arma, laudo ou depoimento da vítima.
O juiz Paulo Irion nega que, nesse caso, a situação das cadeias tenha sido determinante. Ele disse ainda que há “pormenores” no flagrante que sustentaram sua decisão.
À Polícia Civil, os dois homens negaram o crime. ZH apurou que Mello teria dito em depoimento que estaria com a adolescente na festa e que ela teria saído à rua. Ao procurá-la, foram surpreendidos por dois homens que teriam cometido o estupro. Um deles fugiu, e Mello acabou sendo detido. Caso a versão não se confirme, ele poderá ser preso. O inquérito deve ser concluído em 10 dias, e o Ministério Público terá cinco dias para oferecer denúncia criminal.
Morador de rua ajudou a salvar adolescente
Com um barraco de lona preta cravado às margens do Guaíba, nas proximidades do anfitea- tro, o guardador de carros Everton Soares Pereira, 35 anos, foi um dos responsáveis por avisar a tempo a polícia do estupro. Foi ele que primeiro ouviu os gritos de desespero da adolescente, que tentava pedir ajuda.
– Só pensei em tirar ela de lá – contou o morador de rua.
Quando Pereira se aproximou da cena, na esperança de resgatar a garota, um dos criminosos mostrou que estava armado, e mandou que ele fosse embora. Pereira então pediu que um amigo, outro morador de rua, fosse avisar a polícia enquanto procurava “um pedaço de pau” para se defender. Antes que ele colocasse em prática o plano de voltar sozinho ao local armado apenas com um galho, a polícia chegou.
– O que não estava estuprando a guria saiu correndo e atirando, mas a polícia pegou. Ajudei a carregar ela, que estava desmaiada – contou o morador de rua, gaúcho de São Lourenço do Sul, que está há oito anos morando nas ruas de Porto Alegre.
ENTREVISTA
“A decisão rigorosamente cumpre a lei”
PAULO AUGUSTO OLIVEIRA IRIONJuiz da 6ª Vara Criminal da Capital
Juiz Paulo Irion afirmou que a liberdade provisória de suspeito foi substituída conforme determina a legislação.
Mesmo com a prisão em flagrante, por que o suspeito foi libertado?
Temos vários balizadores para decretar a prisão preventiva. Vocês não estão se dando conta da prisão de um? Por que está tudo saindo como se estivesse havendo só a soltura? Isso é sensacionalismo.
Os dois são acusados do mesmo ato. Porque o tratamento diferenciado?
A lei nos traz elementos, e a liberdade provisória dele não foi nem pura, ela foi substituída conforme determina a lei. Pega o Código Penal, lê o artigo 282 parágrafo sexto e o artigo 319 que traz as medidas alternativas à prisão. Foram aplicadas três delas em substituição à prisão preventiva (comparecimento ao juiz para informar suas atividades, proibição de aproximar-se da vítima ou familiares a uma distância de 300 metros e proibição de ausentar-se da comarca em que reside sem prévia autorização do juiz). A decisão rigorosamente cumpre a lei. O artigo 282 inciso segundo trata da adequação da medida pela gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Fiz a diferenciação entre um que tem antecedentes e outro que não tem.
A situação dos presídios foi determinante na sua decisão?
Nesse caso, não. Foi exclusivamente a condição pessoal do suspeito ser primário e não ter antecedentes. O artigo 282 inciso 2º fala expressamente em adequação da medida pela gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Exatamente nas condições pessoais que eu fiz a diferenciação entre um que tem antecedentes e outro que não tem. E há pormenores no flagrante que eu não vou revelar porque, pelo artigo 234 B do Código Penal, todos os crimes contra a integridade sexual correm em segredo de Justiça. Não sou eu, é a lei que estabelece. Então, tem outras circunstâncias que estão nos autos e eu não posso revelar para não violar a lei. É importante destacar, porque isso não viola a intimidade da vítima, que o auto de prisão em flagrante não traz o depoimento da vítima.
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