Ministros do STF criticam PEC que submete decisões ao Congresso. “Última palavra não cabe ao setor político, cabe ao Judiciário”, diz Marco Aurélio Mello
CAROLINA BRÍGIDO
O GLOBO
Atualizado:24/04/13 - 19h32
Atualizado:24/04/13 - 19h32
Estado Novo: para Gilmar Mendes, emenda lembra situação vivida no país em 1937, quando Getulio Vargas podia revogar decisões do STF/ Foto: STF
BRASÍLIA - Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) criticaram duramente a Proposta de Emenda Constitucional 33 de 2011, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nesta quarta-feira, que submete algumas decisões tomadas pela Corte ao Congresso Nacional. Para o ministro Gilmar Mendes, a ideia remete à Constituição de 1937, conhecida por “polaca”, que dava ao presidente da República – à época, Getúlio Vargas – o poder de cassar decisões do STF e confirmar a constitucionalidade de leis derrubadas pela Corte. Ele afirmou que não acredita que a Câmara aprove a emenda no plenário.
- Na nossa memoria constitucional isso evoca coisas tenebrosas. Nós temos precedente na Constituição de 1937, em que o presidente da República podia cassar decisões do Supremo e confirmar a constitucionalidade de leis declaradas inconstitucionais. Acredito que não é um bom precedente, a Câmara vai acabar rejeitando isso - declarou.
O ministro também criticou a exigência pela PEC de mais votos no STF para declarar uma lei inconstitucional ou para aprovar súmula vinculante. Para Gilmar, se aprovada, a proposta inviabilizaria a atuação do tribunal.
- Nós temos uma composição de onze e, se temos que decidir por maioria absoluta, muitas vezes temos dificuldade. Acredito que isso acaba por inviabilizar - opinou.
Gilmar ressaltou que, em geral, esse tipo de proposta ocorre quando há contrariedade do meio político em relação a alguma decisão do tribunal:
- Em geral, essas reações são marcadas por decepções, frustrações imediatas. É preciso ter muito cuidado com esse tipo de interação e acredito que, em geral, tem se sabido valorizar a democracia, o Estado de Direito. Acredito que será assim que a Câmara encaminhará.
A PEC altera a quantidade mínima de votos de membros do tribunal para declaração de inconstitucionalidade de uma lei, passando de seis para nove. A aprovação de uma súmula vinculante também precisaria de nove dos onze votos dos ministros. O efeito vinculante teria de ser confirmado, por maioria absoluta, em sessão conjunta no Congresso Nacional. Atualmente, as súmulas são aprovadas por oito ministros. A proposta foi aprovada nesta quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, mas ainda precisa ser submetida por uma comissão especial e por dois turnos de votação no plenário da Casa.
O ministro Marco Aurélio Mello ressaltou que, no sistema brasileiro, a palavra fina é do Judiciário. Para ele, a PEC fere o princípio constitucional de separação dos poderes.
- Nós temos um sistema em que se verifica o primado do Judiciário. A última palavra não cabe ao setor político, cabe ao Judiciário. O órgão de cúpula, o guarda da Constituição é o Supremo. Essa proposta implica o afastamento de uma cláusula pétrea, que é a separação dos poderes da República, harmonia e separação dos poderes da República. Não creio que, para a sociedade brasileira, para o almejado avança cultural, essa submissão dos atos do Supremo seja boa. Ao contrário, é perniciosa - avaliou o ministro.
O ministro afirmou que a PEC soa como retaliação, mas não cogitou a hipótese de ser uma reação às condenações no processo do mensalão. Assim como Gilmar, ele disse que não acredita na aprovação da proposta na Câmara.
- No contexto, a essa altura, na quadra vivenciada, ressoa inclusive como uma retaliação. Uma retaliação que estaria sendo promovida. E eu não acredito que as duas casas do Congresso brasileiro assim se pronunciem, estaria sendo promovida por políticos. Quando o Supremo vota atendendo os anseios da maioria, muito bom. Mas ele tem um histórico de decisões contra majoritárias. Nesse caso não, porque a sociedade aplaudiu o julgamento da AP 470 (processo do mensalão). Agora, não há espaço para esta mesclagem, a meu ver imprópria, que é a submissão das decisões do Supremo a um órgão político - disse.
- Eu não imagino essa virada de mesa que pretendem, e muito menos em cima de um julgamento como foi o julgamento da ação penal 470. Eu não sei (se é uma afronta). Eu não posso imaginar o que haveria como móvel dessa proposta. Agora, já diziam os filósofos materialistas gregos há 2.500 anos: nada surge sem uma causa. Não posso bater palmas para os integrantes da comissão.
Marco Aurélio também criticou o aumento do número de votos para declarar uma norma inconstitucional.
- O legislador ordinário previu um quórum de oito votos. Aí teríamos nove, quem sabe a utopia, a unanimidade. Teríamos que ouvir o Nelson Rodrigues no que dizia que toda unanimidade é burra - alfinetou.
O vice-presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, evitou comentários sobre a PEC:
- Eu entendo que os poderes são independentes e harmônicos entre si. Quando for o caso, se for o caso, o STF vai examinar a constitucionalidade da proposta. Não quero me pronunciar sobre uma PRC que nem foi aprovada ainda.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que a PEC provoca “perplexidade”:
- À primeira vista, é algo que causa perplexidade do ponto de vista constitucional. Eu diria que a primeira impressão é de uma perplexidade. Porque, na verdade, aí se está vendo algo que não parece casar muito bem com a harmonia e independência entre os poderes.
O presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, está em viagem aos Estados Unidos, onde foi receber homenagem da revista americana “Time” e ainda não comentou a aprovação da PEC.
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