JUIZ, UM SER SOLITÁRIO
Aline Doral Stefani Fagundes*
Ele tinha 16 anos. A idade em que até uma espinha no nariz tira a confiança para um flerte. Lidando com uma máquina sem dispositivos de segurança adequados, atuando, no entanto, com parca diligência (e contribuindo em parte para o resultado), perdeu três dedos da mão. Do outro lado, estava uma pequena empresa, administrada por pessoas aparentemente simples e boas, que, aos trancos e barrancos, dava emprego a uns 15 ou 20 trabalhadores. Uma condenação compatível com a gravidade do dano possivelmente levaria a empresa a fechar as portas, deixando 15 ou 20 famílias em situação crítica. Entre essas duas histórias, uma juíza à procura do sono e do rumo de um julgamento sensato, equilibrado e (será que seria possível...) justo. Felizmente, as lides trabalhistas dão menos notícia, o que me poupou de acrescentar a essa já tortuosa reflexão a paixão da sociedade, as manchetes dos jornais, o sofrimento dos envolvidos ou solidarizados. O julgamento é um momento de solidão, que não pode ser compartilhado com ninguém, nem deve se deixar levar por sentimentos externos. O processo do trabalho, pelo maior contato com a parte, propicia uma oportunidade de desabafo. A parte quer ser ouvida e se justificar e, não raras vezes, externa a imagem – boa ou má – que tem do Poder Judiciário, sobretudo da Justiça do Trabalho. O juiz que se intimida com o sentimento da população não profere sentenças: escreve cartas de amor. Segue seu coração, favorecendo quem tem a história mais comovente, quem arrebanha maior número de seguidores, quem tem mais talento em conquistar, em convencer. A que sociedade interessa um juiz que se intimida com a sua imagem ou com a comoção pública?
A lei, justa ou injusta, nos dá ferramentas para atenuar os erros (eliminá-los é utópico). Todos os dias, felicito-me pela possibilidade de as minhas sentenças poderem ser reformadas ou anuladas por três desembargadores, ainda que a minha vaidade e comprometimento com a vontade de “fazer certo” me façam vibrar com cada confirmação. Sim, eu erro! É frustrante. Assim como em alguns casos vou morrer com a convicção de que quem “errou” foi o Tribunal.
Há que se fazer um exercício de empatia. Assim como se aperfeiçoa o juiz que consegue ver uma pessoa além das folhas do processo, alenta-se a parte que vê um juiz, e seu solitário sofrimento, por trás da sentença.
Que as 15 ou 20 famílias que talvez eu tenha levado ao desemprego me perdoem e agradeçam pelos dedos que seus pais deixaram de perder.
Ele tinha 16 anos. A idade em que até uma espinha no nariz tira a confiança para um flerte. Lidando com uma máquina sem dispositivos de segurança adequados, atuando, no entanto, com parca diligência (e contribuindo em parte para o resultado), perdeu três dedos da mão. Do outro lado, estava uma pequena empresa, administrada por pessoas aparentemente simples e boas, que, aos trancos e barrancos, dava emprego a uns 15 ou 20 trabalhadores. Uma condenação compatível com a gravidade do dano possivelmente levaria a empresa a fechar as portas, deixando 15 ou 20 famílias em situação crítica. Entre essas duas histórias, uma juíza à procura do sono e do rumo de um julgamento sensato, equilibrado e (será que seria possível...) justo. Felizmente, as lides trabalhistas dão menos notícia, o que me poupou de acrescentar a essa já tortuosa reflexão a paixão da sociedade, as manchetes dos jornais, o sofrimento dos envolvidos ou solidarizados. O julgamento é um momento de solidão, que não pode ser compartilhado com ninguém, nem deve se deixar levar por sentimentos externos. O processo do trabalho, pelo maior contato com a parte, propicia uma oportunidade de desabafo. A parte quer ser ouvida e se justificar e, não raras vezes, externa a imagem – boa ou má – que tem do Poder Judiciário, sobretudo da Justiça do Trabalho. O juiz que se intimida com o sentimento da população não profere sentenças: escreve cartas de amor. Segue seu coração, favorecendo quem tem a história mais comovente, quem arrebanha maior número de seguidores, quem tem mais talento em conquistar, em convencer. A que sociedade interessa um juiz que se intimida com a sua imagem ou com a comoção pública?
A lei, justa ou injusta, nos dá ferramentas para atenuar os erros (eliminá-los é utópico). Todos os dias, felicito-me pela possibilidade de as minhas sentenças poderem ser reformadas ou anuladas por três desembargadores, ainda que a minha vaidade e comprometimento com a vontade de “fazer certo” me façam vibrar com cada confirmação. Sim, eu erro! É frustrante. Assim como em alguns casos vou morrer com a convicção de que quem “errou” foi o Tribunal.
Há que se fazer um exercício de empatia. Assim como se aperfeiçoa o juiz que consegue ver uma pessoa além das folhas do processo, alenta-se a parte que vê um juiz, e seu solitário sofrimento, por trás da sentença.
Que as 15 ou 20 famílias que talvez eu tenha levado ao desemprego me perdoem e agradeçam pelos dedos que seus pais deixaram de perder.
*JUÍZA DO TRABALHO SUBSTITUTA
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não é o primeiro artigo que leio com este pensamento de que o juiz é um "ser solitário". Talvez seja este sentimento um dos maiores mazelas do judiciário no Brasil, pois o juiz jamais pode se sentir solitário para tomar uma decisão, pois estas são tomadas diante do envolvimento e pronunciamento de outros órgãos de apoio: há a denúncia, existe defensores, pode ter policiais investigando e oficiais da justiça cumprindo determinações. Todos ajudando na decisão do juiz na sua interpretação da lei.
Poxa amigo vc deveria postar mais seus comentarios no fim das postagens.
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