TEMA EM DISCUSSÃO: Foro jurídico privilegiado
Fé nas instituições
OUTRA OPINIÃO - PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON
O GLOBO 12/08/13 - 0h00
Ninguém nega que o fim do “foro privilegiado” ou foro por prerrogativa de função é tema dos mais polêmicos, tanto para a comunidade jurídica como para os leigos. São basicamente duas as linhas de raciocínio que vêm sendo usadas para justificar a continuidade do foro privilegiado: de um lado, o "foro privilegiado" evita perseguições locais exacerbadas; de outro, prestigia a celeridade do julgamento. Nesse particular, no caso “Mensalão”, por exemplo, seria difícil imaginar vários graus de jurisdição, já que muitos dos réus seriam certamente beneficiados pela demora. Contudo, como se percebe, as críticas dirigidas ao fim do foro por prerrogativa de função partem de distorções do sistema.
Por esse entendimento, atribuir o julgamento aos tribunais superiores diretamente evitaria perseguições locais e liminares disparatadas, justamente porque parte-se da falsa ideia de que os juízes de primeira instância não são confiáveis por não serem honestos ou preparados. Para a comprovação desse pensamento seria necessário um estudo estatístico do número de decisões que confirmam ou reformam as decisões de primeira instância. Todavia, até prova em contrário, devemos confiar nas nossas instituições e na qualidade das decisões. Se os magistrados não proferem decisões satisfatórias, é preciso cobrar idoneidade nas corregedorias e no CNJ, bem como investir na melhoria da gestão dos processos e no aprimoramento técnico dos juízes e demais auxiliares com cursos permanentes de atualização. Ao mesmo tempo, é necessário garantir um mecanismo recursal célere de correção. O sistema judicial brasileiro serve-se em demasia do instituto da prescrição e caracteriza-se pela demora. Essas seriam a base de outra justificativa para a manutenção do "foro privilegiado": com um julgamento havido em única instância, menor seria a possibilidade de utilização de recursos abusivos, e isso garantiria a aplicação da lei em menor espaço de tempo. Esse pensamento parte igualmente de uma distorção. Se tivéssemos uma Justiça célere, com juízes de todos os graus de jurisdição menos sobrecarregados com tantos processos, tal raciocínio, certamente, cairia por terra. Percebe-se, então, que a solução está na efetivação do direito a um julgamento ágil, sem dilações indevidas, e com qualidade. E a busca por tal qualidade está ligada à observância do duplo grau de jurisdição e ao aprimoramento de mecanismos para correções de erros e abusos.
O exercício do direito de defesa é dimensão fundamental do devido processo legal. Se não é possível tapar o sol com a peneira, da mesma forma não são corrigidas distorções com institutos como o "foro privilegiado", que não prestigiam a qualidade nos julgamentos e desrespeitam princípios e regras tão caros ao direito processual constitucional.
Paulo Henrique dos Santos Lucon é vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo
Fé nas instituições
OUTRA OPINIÃO - PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON
O GLOBO 12/08/13 - 0h00
Ninguém nega que o fim do “foro privilegiado” ou foro por prerrogativa de função é tema dos mais polêmicos, tanto para a comunidade jurídica como para os leigos. São basicamente duas as linhas de raciocínio que vêm sendo usadas para justificar a continuidade do foro privilegiado: de um lado, o "foro privilegiado" evita perseguições locais exacerbadas; de outro, prestigia a celeridade do julgamento. Nesse particular, no caso “Mensalão”, por exemplo, seria difícil imaginar vários graus de jurisdição, já que muitos dos réus seriam certamente beneficiados pela demora. Contudo, como se percebe, as críticas dirigidas ao fim do foro por prerrogativa de função partem de distorções do sistema.
Por esse entendimento, atribuir o julgamento aos tribunais superiores diretamente evitaria perseguições locais e liminares disparatadas, justamente porque parte-se da falsa ideia de que os juízes de primeira instância não são confiáveis por não serem honestos ou preparados. Para a comprovação desse pensamento seria necessário um estudo estatístico do número de decisões que confirmam ou reformam as decisões de primeira instância. Todavia, até prova em contrário, devemos confiar nas nossas instituições e na qualidade das decisões. Se os magistrados não proferem decisões satisfatórias, é preciso cobrar idoneidade nas corregedorias e no CNJ, bem como investir na melhoria da gestão dos processos e no aprimoramento técnico dos juízes e demais auxiliares com cursos permanentes de atualização. Ao mesmo tempo, é necessário garantir um mecanismo recursal célere de correção. O sistema judicial brasileiro serve-se em demasia do instituto da prescrição e caracteriza-se pela demora. Essas seriam a base de outra justificativa para a manutenção do "foro privilegiado": com um julgamento havido em única instância, menor seria a possibilidade de utilização de recursos abusivos, e isso garantiria a aplicação da lei em menor espaço de tempo. Esse pensamento parte igualmente de uma distorção. Se tivéssemos uma Justiça célere, com juízes de todos os graus de jurisdição menos sobrecarregados com tantos processos, tal raciocínio, certamente, cairia por terra. Percebe-se, então, que a solução está na efetivação do direito a um julgamento ágil, sem dilações indevidas, e com qualidade. E a busca por tal qualidade está ligada à observância do duplo grau de jurisdição e ao aprimoramento de mecanismos para correções de erros e abusos.
O exercício do direito de defesa é dimensão fundamental do devido processo legal. Se não é possível tapar o sol com a peneira, da mesma forma não são corrigidas distorções com institutos como o "foro privilegiado", que não prestigiam a qualidade nos julgamentos e desrespeitam princípios e regras tão caros ao direito processual constitucional.
Paulo Henrique dos Santos Lucon é vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo
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