MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

FONTE DE LIBERDADE, NÃO DE AUTORIDADE

PREVENÇÃO E PUNIÇÃO. “Juiz deve ser fonte de liberdade, não de autoridade". Marina Ito é correspondente da Consultor Jurídico no Rio de Janeiro. Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2011


O Judiciário não é lugar de fazer amigos; é lugar de trabalhar, aplicar a lei e fazer Justiça. À frente da corregedoria do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que abrange o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, o desembargador André Fontes conta que é possível atuar como corregedor em relação ao juiz de primeiro grau do mesmo modo que o juiz deve lidar com o jurisdicionado. Ao invés de o juiz ser fonte de autoridade, deve ser fonte de liberdade.

Em entrevista concedida para o Anuário da Justiça Federal à revista Consultor Jurídico, Fontes dividiu os juízes em três classes: Os que passam pela magistratura sem que haja uma reclamação contra eles; os que sempre estão na corregedoria por algum motivo, muitas vezes, fruto de mal entendido; e os que têm problemas nas varas. A maioria, segundo o corregedor, enquadra-se no primeiro grupo. No segundo, normalmente, os casos são resolvidos com um telefonema e o terceiro, minoria, necessita de acompanhamento.

Utilizando-se da experiência que acumulou, o corregedor diz que, primeiro, procura saber o que está acontecendo. “Grande parte dos problemas enfrentados é resolvido com uma pergunta ao telefone. Nós abolimos o sistema de tudo ser processado”. Fontes conta que ele mesmo já teve de se explicar ao Conselho Nacional de Justiça. Um advogado entrou com uma reclamação, dizendo que Fontes estava com um processo há 10 anos, ação esta que foi julgada seis meses depois de o desembargador ter recebido, por distribuição, o recurso. “Eu sequer tinha 10 anos de Tribunal naquela época.”

O CNJ, continua Fontes, não se satisfez com a resposta e quis saber do desempenho do desembargador desde que passou a integrar o tribunal. “O que eu tento, na corregedoria, é evitar esse tipo de problema, ou seja, pressupor que uma situação isolada represente a regra. A pergunta que deveria ter sido feita é porque eu levei seis meses para julgar um processo que há tantos anos estava parado com outro magistrado.”

Mas se engana quem pensa que o imbróglio com o CNJ fez André Fontes se virar contra o órgão. Para ele, o CNJ avoca processos por conta da omissão dos tribunais de origem. “O conselho surgiu por uma necessidade e por uma experiência. A necessidade é de um órgão que faça as funções subsidiárias dos Tribunais e a experiência por causa dos números. Raramente, os Tribunais puniam situações em que a censura era necessária. O CNJ faz o que é preciso”, diz, sem hesitar.

Fontes também é incisivo quando o assunto é o sigilo do julgamento de procedimentos contra juízes. "O julgamento fechado leva à ideia de que, se precisou ser sigiloso, é porque, de fato, há algo tão grave a esconder que não possibilitaria que todos tomassem conhecimento." Nem sempre, conta, é assim. Julgamentos fechados podem levar a distorções, além, claro, de impossibilitar o controle da sociedade.

A Justiça Federal da 2ª Região conta com cerca de 230 juízes. À corregedoria cabe analisar as questões dos juízes federais e não do Tribunal, que fica a cargo da Corregedoria Nacional, especificamente, do Conselho da Justiça Federal.

“Quando eu vim para o tribunal, o que prevaleceu foi a minha experiência acadêmica, o fato de eu ser professor foi decisivo. Mas, para ser corregedor, prevaleceu a minha experiência de vida: minhas frustrações, meus embates, minhas dificuldades, as reações inoportunas que eu tive”, avalia. Fontes chegou ao TRF-2 pelo quinto constitucional do Ministério Público. Advogou por seis anos, até se tornar procurador do município do Rio de Janeiro. Em 1989, entrou para o MPF e lá ficou por 12 anos, até ser indicado ao tribunal. Tem mestrado e doutorado em Direito Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Leia a entrevista

ConJur — Como funciona o trabalho da Corregedoria no TRF-2? Quais são as linhas de atuação?
André Fontes — Existe um aspecto conceitual, que marca de forma uniforme o trabalho das corregedorias, e outro local, que depende muito das delimitações impostas pelo regimento interno de cada tribunal. É possível que alguns Tribunais atribuam tarefas à corregedoria que outro entenda ser da previdência, por exemplo. Mas há um elemento comum que eu chamaria de jurisdição censória, que trata das questões disciplinares do juízo. Essa seria a parte fundamental. No entanto, a questão disciplinar não se restringe ao processamento ou à aplicação de eventual sanção. Envolve a apuração de fatos que, eventualmente, sejam encaminhados à corregedoria. Fatos estes fundados, que repercutam na instituição ou na própria posição individual do magistrado diante da sociedade. A tarefa da corregedoria é, ao mesmo tempo, investigativa e de desencadeamento, junto ao Tribunal, de instaurações de procedimentos disciplinares. Esses procedimentos podem resultar até mesmo em aposentadoria forçada de um juiz, sem prejuízo de haver uma ação criminal e perda do cargo, como já aconteceu em outras ocasiões. A corregedoria também atua no que diz respeito à situação jurídica do juiz, como lotação, movimentações e na resolução de questões mais urgentes, como de um juiz que tenha que ser hospitalizado da noite para o dia e não possa comparecer à audiência designada para o dia seguinte. É preciso providenciar alguém que faça a audiência. Muitas vezes a parte nem sabe que houve uma mudança repentina por conta de um problema de saúde. Isso já aconteceu mais de uma vez.

ConJur — A parte não fica achando que tem alguma coisa errada se o juiz da causa não presidir a audiência?
André Fontes — No processo civil, temos a necessidade de que o juiz, que realizou a audiência e colheu as provas, também julgue. Nos processos criminais, há algumas diferenças, mas, de modo geral, mantemos o mesmo juiz. É uma estrutura muito complexa. Os juízes sofrem de doenças devido ao trabalho, ao estresse e às dificuldades em sua vida pessoal. Cabe a nós resolver algumas situações decorrentes da ausência do juiz. Também temos, periodicamente, que fazer inspeções nas secretarias e nas varas para verificar se elas atendem à quantidade de serviço que se espera. A cada dois anos o juiz recebe a visita da corregedoria, que examina os autos, para verificar a movimentação, o tempo dos despachos proferidos e se há processos que estão há muito tempo para serem decididos. E temos uma inspeção excepcional, que se dá por força de algum fato relevante. Muitas vezes são fatos trazidos por petição à corregedoria, outros por ofícios de órgãos públicos. É bom lembrar do papel da imprensa, que também exibe fatos relevantes por mais que dê a eles um caráter panfletário. Às vezes, essas informações servem para um início de apuração. A partir delas vamos procurar saber se os fatos realmente ocorreram.

ConJur — Como estão esses processos contra juízes? Há muitas reclamações?
André Fontes — São, aproximadamente, 230 juízes. Há três classes deles: os que passam pela magistratura sem que haja uma única reclamação contra eles. São os juízes que só passam pela corregedoria por razões formais e têm suas varas inspecionadas de dois em dois anos. A maioria dos juízes está nesse grupo. Uma segunda classe é de juízes em que, volta e meia, ouvimos o nome deles, por algum tipo de incidente com advogado; geralmente, com outras instituições. Estão sempre por aqui. Normalmente, esses juízes se envolvem em casos que são apurados por telefone. Às vezes, é um mal entendido. E há um terceiro grupo muito reduzido, que não chega a uma dezena, de juízes que têm problemas nas varas e são acompanhados pela corregedoria por vários motivos. A grande maioria está relacionada a problemas pessoais que acabam sendo levados ao trabalho. Ou estão com processo de muita repercussão em que a cobrança é maior. Neste caso, em uma vara com quatro mil processos, ele é obrigado a praticamente cuidar de um único. Também há muitos problemas em torno do processo, em que as partes reclamam do juiz por qualquer despacho ou ato que aconteça. Nesse terceiro grupo, ainda estão juízes que têm dificuldades de lidar com o público. Poucos são os casos em que há desvio de conduta. Mas um único que não seja apurado acaba dando a impressão de que a instituição compactua com certas atitudes. A corregedoria tem acompanhado. Sempre que podemos, damos ciência à OAB, ao Ministério Público, para que não haja dúvidas de que o trabalho está sendo desenvolvido. Também procuramos dar ciência às partes que trouxeram a reclamação.

ConJur — Nem tudo é resolvido através de um procedimento administrativo?
André Fontes — Grande parte dos problemas enfrentados é resolvido com uma pergunta ao telefone. Nós abolimos o sistema de tudo ser processado. Lembro que, antes de ser corregedor, houve uma mudança na competência da turma e recebi processos previdenciários que estavam em outro colegiado. Julguei um processo específico seis meses depois de ele ter chegado à turma. Seis meses depois de ter julgado, recebi um ofício do CNJ para explicar uma reclamação de um advogado, que, curiosamente, era conhecido da minha família. Ele fez uma reclamação, dizendo que o processo estava há 10 anos comigo. Eu sequer tinha 10 anos de Tribunal naquela época. Recebi o processo de outro desembargador. Julguei em seis meses a partir do momento em que foi distribuído a mim. Respondi ao CNJ que eu já havia julgado e encaminhei a cópia da decisão, já que os autos nem estavam mais no Tribunal. Depois verifiquei que a decisão foi proferida no mesmo dia em que o advogado entrou com a reclamação no CNJ. Se ele tivesse conferido o sistema, perceberia que eu já havia julgado.

ConJur — O CNJ arquivou a reclamação?
André Fontes — Sim, mas, antes disso, recebi outra comunicação do CNJ, determinando que encaminhasse um relatório com os índices de todo o meu período na magistratura, ano a ano, por gráficos. Eu encaminhei e mostrei que a minha atuação era positiva, ou seja, eu tinha mais processos que saíram do que os que entraram. Houve uma mudança na direção do CNJ e o novo corregedor nacional acabou mandando arquivar. No meu entender, a segunda intervenção do CNJ foi equivocada, porque eu já tinha mostrado que havia julgado o processo seis meses depois de ele ter sido distribuído. Era o suficiente. Não havia nenhuma reclamação do meu desempenho. Nós, aqui, nunca faríamos a segunda intervenção como o CNJ fez. Tenho a convicção de que o CNJ é um órgão necessário. Esses embates, essas interpretações diferentes, acontecerão. O que eu tento, na corregedoria, é evitar esse tipo de problema, ou seja, pressupor que uma situação isolada represente a regra. A pergunta que deveria ter sido feita é porque eu levei seis meses para julgar um processo que há tantos anos estava parado. Procuro adotar uma linha consensual sem prejuízo das funções e das intervenções da corregedoria. O órgão tem um papel preventivo e não repressivo. A minha impressão, com os primeiros telefonemas para os juízes, era de que a ligação já representava algum tipo de condenação sem processo. Hoje, eles sabem que o telefonema visa ajustar algum ponto. A finalidade ainda é o interesse público. Nós não transformamos em tarefa da corregedoria o que é próprio da Justiça, ou seja, aquilo que cabe ao tribunal apreciar através de recurso.

ConJur — E se for necessário instaurar um processo, qual é o procedimento?
André Fontes — Primeiro passa pelo crivo da prevenção, que é o mais importante para nós. Se sei que algo está errado, por que vou esperar que aconteça de novo para que seja objeto de censura? Fazemos toda a apuração e procuro ouvir os assessores a fim de que não haja uma falsa impressão da minha parte. Também conto com uma espécie de comissão de juízes que eu indago sobre as minhas questões teóricas. Só então eu tomo a decisão de instaurar ou não o procedimento. Faço um relatório, geralmente elaborado em conjunto, e levo ao plenário, que é o único órgão competente para apreciar a questão disciplinar do juiz. Recebido o procedimento pelo plenário, haverá uma distribuição para um desembargador, que dará curso ao procedimento administrativo. Este pode vir ou não a gerar uma decisão disciplinar administrativa contra o juiz. Nós já tivemos decisões em que foram aplicadas sanções de afastamento momentâneo, censura, aposentadoria e disponibilidade.

ConJur — O Tribunal já decidiu pela aposentadoria de algum juiz?
André Fontes — Sim. E de disponibilidade também. Eu acho que o Tribunal que mais aplicou sanção foi o da 2ª Região. O Tribunal não tem jogado nada para baixo do tapete. Nós somos profissionais. O Judiciário não é lugar de fazer amigos; é lugar de trabalhar, aplicar a lei e fazer justiça. Eu não tenho por hábito substituir as minhas convicções jurídicas sobre os processos por amizade, ou seja, não acoberto escândalo. A minha preocupação é apurar. A despeito das amizades perdidas pelas atitudes que tomei até hoje, acredito que a melhor solução é as pessoas saberem que a corregedoria, ainda que tenha sido prudente em algum momento, de fato agiu.

ConJur — A decisão do plenário de abrir ou não o procedimento administrativo, no TRF-2, é sigilosa, certo?
André Fontes — Não deveria ser. Eu tenho votos vencidos muito marcantes a favor de que o julgamento seja aberto. Por duas razões: A primeira é que o julgamento fechado leva à ideia de que, se precisou ser sigiloso, é porque, de fato, há algo tão grave a esconder que não possibilitaria que todos tomassem conhecimento. E segundo, a sociedade não tem como controlar. Às vezes, o próprio Tribunal pode ter errado no seu julgamento. A sessão tem de ser aberta. Toda vez que o julgamento é fechado fico com a impressão de que há uma distorção do que aconteceu lá dentro. Houve um caso de afastamento de um juiz que eu, particularmente, tinha admiração; ele tinha argumentos inteligentes, convincentes e muito técnicos. Mas o juiz não estava bem de saúde. A pretexto de que a doença é um problema particular do juiz, o julgamento foi fechado. O resultado é que por mais de uma vez eu tive que rebater advogado que pensou que o juiz havia sido condenado por corrupção. Era um dos juízes mais respeitados do Tribunal, só não estava bem de saúde. Eu precisei sair em defesa das virtudes desse juiz. Julgamento feito a quatro paredes, sem audiência pública, gera esse tipo de dúvida.

ConJur — Muitos Tribunais reclamam que a corregedoria do CNJ está invadindo a competência das corregedoria das Cortes estaduais e regionais, ao avocar processos que não foram abertos ou apurados no Tribunal de origem. O que o senhor acha disso?
André Fontes — Eu acho que o CNJ está correto. Isso só acontece por omissão dos Tribunais. Se os Tribunais apurassem, não haveria necessidade sequer do CNJ. O conselho surgiu por uma necessidade e por uma experiência. A necessidade é de um órgão que faça as funções subsidiárias dos Tribunais e a experiência é por causa dos números. Raramente, os Tribunais puniam situações em que a censura era necessária. O CNJ faz o que é preciso. Se o conselho avocou, certamente, é porque houve omissão de algum Tribunal. E não estou aqui me dirigindo a nenhum Tribunal especificamente. Acho que o CNJ é necessário, com todas as dificuldades e eventuais equívocos que cometa. Eu sou adepto do CNJ e defensor de que ele tenha atribuições que se entende que ele tem, especialmente aquelas resultantes das omissões dos Tribunais de todo o país.

ConJur — A corregedoria também lida com metas de produtividade?
André Fontes — Sim. Nós estamos com a atitude preventiva de controlar o julgamento dos juízes. Há varas em que o número de processos é muito grande. Eu tenho procurado fazer uma distribuição. Na medida em que os juízes vão sendo promovidos, estou redistribuindo processos para varas que começaram zeradas, sem nenhum tipo de processo. Estou tentando equilibrá-las. Uma atitude inédita, difícil — porque nem todo mundo concorda—, mas que tem sido objeto de resultados práticos importantes. Também temos cobrado do juiz diretamente pela corregedoria ou por delegação do CNJ. Acontece que, às vezes, o tempo de maturação de um caso é muito mais lento. Lembro de um processo em que eu pedi vista, pois sabia que algo estava errado. Mas não sabia bem o que era. Para minha surpresa, o advogado da empresa que perdia no julgamento, e para quem meu voto poderia colaborar, foi o que mais cobrou para que eu devolvesse os autos. Foi o que eu fiz, dizendo que lamentava, porque eu não tinha argumentos para contradizer o voto vencedor, que era muito inteligente. Mas meu sentimento de Justiça não se fazia presente. Acompanhei a turma. Um mês depois, lendo um texto de Rui Barbosa, visualizei a ideia que eu tinha deixado passar.

ConJur — A distribuição para as varas que têm mais processos é diferente daquelas com menos?
André Fontes — É mais ou menos isso. Algumas varas foram criadas sem processo algum. Ou seja, havia varas com três mil processos e outras sem nenhum. O que fizemos foi distribuir processos depois da época, de modo a dar uma uniformidade de números. Isso já foi criticado. Leciono direito processual civil e já me questionaram se o professor André Fontes concorda com o que o corregedor André Fontes está fazendo. Acho que para se alcançar a Justiça nós temos que usar o Direito. Mas há situações de emergência. O objetivo é atender o jurisdicionado em tempo hábil, e não ficarmos presos às regras internas sem levar em consideração que as pessoas podem ter de aguardar anos por um resultado. Acho que as pessoas que tiveram seus processos apreciados devem estar mais felizes, sabendo que houve a distribuição entre os juízes, de forma que um não fique com mais processos que o outro apenas por estar em uma vara que começou há mais tempo que a outra.

ConJur — A primeira instância no Rio e no Espírito Santo sofre com uma defasagem no número de juízes, tanto que está em andamento um concurso para preencher quase 50 vagas. Cobrar o cumprimento de metas dos juízes sabendo dessas deficiências cria alguma dificuldade para o senhor?
André Fontes — Sim. Talvez o maior problema que eu tenho na corregedoria, hoje, é a falta de juízes. E não há, lamentavelmente, nenhuma esperança até 2013, porque o concurso terminará nesse ano. Nós vamos passar um bom tempo ainda com essa dificuldade. O ideal seria que o Tribunal fizesse concursos sucessivos independentemente dos resultados. Ou seja, não precisaria terminar este concurso para começar outro. É o que eu espero que o tribunal faça. Até lá, os juízes, que estão no exercício das funções, estão trabalhando e se desdobrando de forma a atender a ausência e a lacuna no quadro de magistrados da 2ª Região.

ConJur — O Tribunal da 2ª Região, além do Rio, engloba o Espírito Santo. Como é o trabalho da corregedoria naquele estado?
André Fontes — Eu tenho mantido contatos quase que diários com a estrutura do Espírito Santo. Eu vou ao estado ou os juízes de lá vêem ao Rio. Como a demanda é aproximadamente cerca de 10% a do Rio de Janeiro, o acompanhamento é mais simplificado.

ConJur — O que o senhor acha da PEC dos recursos?
André Fontes — Fico muito preocupado com a decisão do juiz de primeiro grau não valer na prática, a ponto de os advogados dizerem para julgarmos de qualquer maneira, porque ele conseguirá reverter nos Tribunais Superiores. Ouço isso com muita frequência. Tenho a impressão de que a mudança vai afetar determinados tipos de problema, mas grandes devedores, litigantes habituais, vão continuar usando de outros mecanismos para arrastar o processo. A massa vai acabar se prejudicando, porque a única solução que ela tem é o recurso. O poder público e os grandes devedores, como telefônicas, bancos, continuarão sendo tratados de forma normal, como se fosse mais um devedor, quando são os causadores dos problemas. Eles deveriam ter um tratamento diferente. A solução seria separar esses casos, porque são eles que acabam entupindo a Justiça com um número enorme de recurso.

ConJur — No caso do Poder Público, eles já adiam o pagamento do que ficou decidido, por conta do precatório.
André Fontes — Sim. Mas o precatório é um mecanismo que nós no Brasil adotamos, porque quem paga, em tese, é o povo. É normal que o pagamento se dê em um ano, porque é o tempo do orçamento. É razoável que isso aconteça. Mas também seria razoável que uma pequena fração já fosse prevista para futuros débitos, especialmente aqueles mais urgentes. O que não é normal é o pagamento ser feito em 10, 15 ou 20 anos.

ConJur — Soluções de conflito por via extrajudicial pode ajudar a desafogar o Judiciário?
André Fontes — Sou amplamente favorável à solução extrajudicial. A solução judicial deveria ser excepcional, em casos necessários. O bom seria que as pessoas tentassem resolver os problemas. Muitos juízes com quem já conversei acham que a arbitragem e a mediação são formas de excluir o magistrado. Eu acho o contrário: É uma forma de afirmação da magistratura. As pessoas só vão procurar os juízes quando necessário, e não por um motivo que pode ser resolvido através de um mero diálogo ou por uma intervenção de um terceiro, como um árbitro. Quando não há arbitragem ou mediação, prevalece a resignação, ou seja, as pessoas acabam não fazendo nada, não ajuízam a ação porque sabem que não haverá tempo de espera suficiente. O inimigo da Justiça é a resignação. É o que acontece, às vezes, em matéria de criminalidade. O número de assaltos, roubos e furtos documentados é muito menor do que os ocorridos. Às vezes, o descrédito acaba gerando isso. Também sou a favor do dano moral mais elevado. Sou contra essas opiniões em vigor de que meros aborrecimentos não causam dano moral, e quando o dano moral é reconhecido o valor de censura é quase simbólico, porque não tem nenhum valor para o grande causador.

ConJur — Sua passagem pelo Ministério Público ajuda em seu trabalho na corregedoria?
André Fontes — No meu caso, há uma particularidade incomum, porque fui admitido em 1989 no Ministério Público e fiquei até 1993 defendendo a União. Por um lado, eu vi a administração pública e seus problemas. De 1993 até 1997, eu me tornei, de fato, membro do Ministério Público em primeiro grau. Em 1997, fui promovido para o segundo grau e lá fiquei até 2001. Também fui procurador do município entre 1982 e 1988. Antes disso, fui advogado e vi as dificuldades que eles enfrentam. Eu tomo alguns juízes que encontrei ao longo da minha vida como modelo para a minha função de magistrado. Quando estou diante de um problema, penso neles. Na corregedoria, converso com o juiz longamente, procuro deixá-lo à vontade, e tento, aos poucos, entrar nos assuntos mais difíceis. Muitos juízes também me deram lições negativas, que eu lembro para não repeti-las. O juiz não deve ser fonte de autoridade, deve ser fonte de liberdade. O jurisdicionado deve ver o juiz como alguém em que ele tenha a liberdade de encontrar a própria liberdade. Ou seja, a ideia é de que o juiz deva ser alguém que liberta, nunca alguém que impõe. É nessa linha de raciocínio que eu tenho procurado agir e pensar.

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