ZERO HORA 17/04/2014 | 05h31
"Somos vítimas da tragédia", afirmou juiz sobre decisão no caso de Bernardo. Titular da 2ª Vara Judicial e do Juizado Especial da Criança e do Adolescente de Três Passos comentou sobre críticas que recebeu
José Luís Costa
Titular da 2ª Vara Judicial e do Juizado Especial da Criança e do Adolescente de Três Passos, o juiz Fernando Vieira dos Santos, 35 anos, falou ontem sobre sua decisão ao analisar o caso de Bernardo Boldrini.
Zero Hora – Como o senhor avalia as críticas a sua decisão?
Fernando dos Santos – Falar depois do fato consumado é muito fácil. Tomamos a decisão mais correta diante das informações que tínhamos.
ZH – O senhor se sente responsável pelo desfecho do caso?
Santos – Não me sinto responsável de forma alguma pelo que aconteceu. Adotei as medidas adequadas de acordo com minha consciência. Foram dados todos os encaminhamentos legais. Estou com a consciência limpa e tranquila, evidentemente, muito triste. Também somos vítimas da tragédia.
ZH – O senhor conhece Leandro Boldrini, pai do menino?
Santos – Conheço. A cidade é pequena. É um cirurgião, operou um servidor do Fórum. Via ele na rua, algumas vezes com o menino.
ZH – O fato de ser uma pessoa de classe alta influenciou sua decisão?
Santos – Agimos em cima de fatos. Agiria da mesma forma se fosse um pedreiro, um catador de lixo. Sempre parto do pressuposto de que um pai não vai maltratar um filho.
Um pedido de ajuda incomum
ADRIANA IRION
Ao procurar o Fórum de Três Passos, o menino Bernardo demonstrou que havia algo errado na família Boldrini
Abusca de Bernardo Uglione Boldrini por ajuda, uma angústia que fez o menino de 11 anos procurar o Fórum de Três Passos para reclamar de insultos recebidos da madrasta e da falta de interesse do pai, é um caso atípico no dia a dia da área de proteção à infância e à juventude, segundo o Ministério Público. Primeiro, por ser incomum uma criança ir sozinha até as autoridades e, segundo, por não haver relato de violência física.
– Nosso dia a dia é violência, abuso sexual, drogadição. Não é comum a queixa de desamor e desatenção. É um caso que está na linha do excepcional, que ninguém poderia supor que acabaria em morte. Avaliamos que todas as decisões da promotora (Dinamárcia de Oliveira) e do juiz (Fernando Vieira dos Santos) foram adequadas às informações conhecidas – defende o subprocurador-geral para Assuntos Institucionais, Marcelo Dornelles.
A primeira notícia sobre o abandono afetivo do qual Bernardo seria vítima chegou à Promotoria da Infância e da Juventude em novembro, quando foi aberto expediente para apurar a situação familiar. O menino era alvo de comentários na cidade.
– A assistente social perguntou se iríamos agir sendo um menino de classe alta. Se iríamos entrar na vida íntima da família. Eu disse que, se havia notícia de que a criança precisava de ajuda, iríamos entrar, sim – conta a promotora Dinamárcia de Oliveira.
Bernardo esteve no Fórum em 24 de janeiro, quando a promotora já estava prestes a concluir a apuração. Ela aguardava apenas o depoimento da avó materna, que havia sido dado em Santa Maria. O pai e a madrasta seriam os últimos a serem ouvidos.
– Não podia chamá-los antes. Se notifico a família, o pai pode pressionar o filho – diz Dinamárcia.
Conforme a promotora, apesar de não haver indícios de que o menino sofresse violência física, o caso teve prioridade. Em janeiro, Dinamárcia estava responsável por três comarcas:
– Eu tinha 50 expedientes, de 14 Conselhos Tutelares, envolvendo crianças, mas nunca tinha acontecido de uma criança procurar ajuda sozinha.
Depois de conversar com Bernardo e confirmar as queixas sobre o pai e a implicância da madrasta, a promotora preparou a ação judicial pedindo que a guarda do menino fosse dada para a avó materna. O juiz Fernando Vieira dos Santos entendeu por tentar uma conciliação entre o pai, o médico Leandro Boldrini, e o menino. Em uma audiência em 11 de fevereiro, Boldrini pediu uma chance para melhorar a relação com o filho. Em 13 de maio, pai e filho seriam novamente ouvidos.
– O tempo de apuração foi até mais ágil do que o normal. O natural e o previsto em lei é tentar a reconstrução do laço com a família – diz o subprocurador-geral Dornelles.
Uma rede cheia de furos
JOSÉ LUÍS COSTA
Especialistas apontam falhas no caso Bernardo e destacam mudanças que poderiam melhorar sistema de proteção
Odescompasso provocado por uma legislação inadequada e por falhas na rede que deveria proteger o menino Bernardo Uglione Boldrini é apontado como um dos fatores que levaram à tragédia em Três Passos.
O garoto de 11 anos, vítima de uma tragédia familiar, emitiu sinais de que precisava de ajuda, mas faltou compreensão suficiente. Esse é o diagnóstico da maioria dos especialistas no tema consultados por ZH.
Consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o advogado João Batista Costa Saraiva afirma que o principal problema está na estrutura de atendimento:
– O sistema não está suficientemente aparelhado. Para um caso desses, não são suficientes os ouvidos do juiz e do promotor. Precisa, também, de um assistente social, um psicólogo. O Conselho Tutelar tem de melhorar, assim como os centro de atendimento. Não houve capacidade de diagnosticar a extensão do problema.
Verônica Petersen Chaves, psicóloga do Tribunal de Justiça (TJ), afirma que, para casos como o de Bernardo, juízes deveriam contar com apoio de profissionais de psicologia, valendo-se de pareceres técnicos para auxiliar na tomada de decisões.
– Infelizmente, somos poucos profissionais disponíveis para atender a todas as comarcas – avalia Verônica, que atua no núcleo da infância do Centro de Atendimento Psicossocial Multidisciplinar no Fórum Central.
Desembargador defende decisão
Para Márcia Herbertz, ex-conselheira tutelar e ex-integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedica), a rede de proteção está preparada para entrar em casas empobrecidas, mas tem dificuldades de cruzar os muros das classes mais altas.
– As atitudes do menino, que dormia na casa dos amigos sem horário para voltar para casa, a falta de amor e de carinho e o suicídio da mãe são sinais evidentes de violência psicológica. Não perceberam que o menino estava pedindo socorro – interpreta Márcia.
A advogada Maria Dinair Acosta Gonçalves, presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB no Rio Grande do Sul, aponta falhas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
– A lei é falha ao não prever a presença de um advogado nestes casos, e nenhum defensor foi chamado. O advogado acompanharia a criança e, ao primeiro sinal de maus-tratos, encaminharia a um abrigo.
O desembargador José Antônio Daltoé Cezar entende que o juiz local agiu de acordo com a lei.
– Sou um crítico do ECA porque supervaloriza vínculos biológicos, engessando o juiz e o promotor. Exige que se busque ao máximo soluções para manter a criança em família – afirma Cezar, que atuou por mais de duas décadas em varas da infância e juventude.
O desembargador Túlio Martins, presidente do conselho de comunicação social do TJ, é enfático:
– O juiz de Três Passos não cometeu erro. A decisão foi técnica, não havia possibilidade de prever o que ocorreu. Eu teria decidido da mesma maneira.
O QUE ESTÁ EM DEBATE
Odescompasso provocado por uma legislação inadequada e por falhas na rede que deveria proteger o menino Bernardo Uglione Boldrini é apontado como um dos fatores que levaram à tragédia em Três Passos.
O garoto de 11 anos, vítima de uma tragédia familiar, emitiu sinais de que precisava de ajuda, mas faltou compreensão suficiente. Esse é o diagnóstico da maioria dos especialistas no tema consultados por ZH.
Consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o advogado João Batista Costa Saraiva afirma que o principal problema está na estrutura de atendimento:
– O sistema não está suficientemente aparelhado. Para um caso desses, não são suficientes os ouvidos do juiz e do promotor. Precisa, também, de um assistente social, um psicólogo. O Conselho Tutelar tem de melhorar, assim como os centro de atendimento. Não houve capacidade de diagnosticar a extensão do problema.
Verônica Petersen Chaves, psicóloga do Tribunal de Justiça (TJ), afirma que, para casos como o de Bernardo, juízes deveriam contar com apoio de profissionais de psicologia, valendo-se de pareceres técnicos para auxiliar na tomada de decisões.
– Infelizmente, somos poucos profissionais disponíveis para atender a todas as comarcas – avalia Verônica, que atua no núcleo da infância do Centro de Atendimento Psicossocial Multidisciplinar no Fórum Central.
Desembargador defende decisão
Para Márcia Herbertz, ex-conselheira tutelar e ex-integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedica), a rede de proteção está preparada para entrar em casas empobrecidas, mas tem dificuldades de cruzar os muros das classes mais altas.
– As atitudes do menino, que dormia na casa dos amigos sem horário para voltar para casa, a falta de amor e de carinho e o suicídio da mãe são sinais evidentes de violência psicológica. Não perceberam que o menino estava pedindo socorro – interpreta Márcia.
A advogada Maria Dinair Acosta Gonçalves, presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB no Rio Grande do Sul, aponta falhas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
– A lei é falha ao não prever a presença de um advogado nestes casos, e nenhum defensor foi chamado. O advogado acompanharia a criança e, ao primeiro sinal de maus-tratos, encaminharia a um abrigo.
O desembargador José Antônio Daltoé Cezar entende que o juiz local agiu de acordo com a lei.
– Sou um crítico do ECA porque supervaloriza vínculos biológicos, engessando o juiz e o promotor. Exige que se busque ao máximo soluções para manter a criança em família – afirma Cezar, que atuou por mais de duas décadas em varas da infância e juventude.
O desembargador Túlio Martins, presidente do conselho de comunicação social do TJ, é enfático:
– O juiz de Três Passos não cometeu erro. A decisão foi técnica, não havia possibilidade de prever o que ocorreu. Eu teria decidido da mesma maneira.
O QUE ESTÁ EM DEBATE
A REDE - O sistema de atendimento é uma união de serviços de saúde, como os centros de referência em assistência social e psicossocial, com Judiciário, Ministério Público, escolas e Conselhos Tutelares.
Os centros de referências são mantidos por prefeituras com ajuda de recursos federais. Esses organismos fazem encaminhamentos e trocam informações entre si. Em geral, costumam se reunir periodicamente para discutir medidas de melhoria dos serviços.
AS FALHAS - Segundo especialistas ouvidos por Zero Hora ontem, a escola, a comunidade e os amigos deveriam ter se imposto para ajudar Bernardo ao perceberem que ele sofria com a rejeição familiar.
Quando o menino procurou ajuda, o Ministério Público e o Judiciário deveriam ter convocado a rede de atendimento psicossocial da cidade para acompanhá-lo, o pai e a madrasta para avaliar sintomas de maus-tratos afetivos.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Com certeza, somos todos vítima da tragédia e das tragédias que tiram a vida, a saúde, o patrimônio, o futuro e o bem-estar das pessoas, especialmente crianças e idosos. os magistrados são vítimas de um judiciário encastelado, sem sistema, moroso, burocrata e centralizador, onde a aplicação da lei nem sempre tem uma lei clara e depende da convicção pessoal da autoridade judicial e da "confiança" no cumprimento da decisão, no respeito às leis e nos resultados e objetivos propostos. Assim, os juízes decidem ex-ofício, em circunstâncias amenas e diante de lobos que se dizem cordeiros, distante do contraditório ou de uma análise mais apurada. Desta maneira, vítimas aceitam condições fictícias, dependendo do emocional, da sorte e da falaciosa proteção do Estado. Outras, recebem nas ruas, o terror daqueles que denunciam e são soltos pela impunidade. E os policiais atingem níveis altos de estresse ao se depararem sempre com os mesmos e perigosos bandidos, colocando a vida deles e de terceiros em risco. E os agentes prisionais sofrem com as más condições dos presídio onde não há segurança e nem controle. Por fim, a sociedade não é capaz de exigir justiça e banir os políticos que fazem leis permissivas, que administram contra as pessoas e que não se importam com a vida, saúde, patrimônio e justiça, mas só com os interesses pessoais e do partido que militam.
Neste caso em especial, não se pode crucificar os juízes, mas a forma assistemática, desestruturada, burocrata, distante e impessoal de fazer justiça no Brasil, que transforma a todos em vítimas, desprotegidas pela falta de sistema, leis coativas e proteção real e adequada.
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