CONDENAÇÃO PELA PENA MÍNIMA PODE LEVAR Á PRESCRIÇÃO DOS CRIMES DO MENSALÃO.
Valor Econômico – Cristine Prestes – Juliano Basile, Maíra Magro, Fernando Exman e Yvna Sousa
27/ago/2012
Tradicionalmente, o Poder Judiciário brasileiro baseia-se na pena mínima prevista no Código Penal para condenar réus em processos criminais. A partir dela, os juízes consideram os chamados agravantes e, em seguida, as causas de aumento de pena – ambos critérios previstos na mesma legislação – para definir a sentença condenatória. Qualquer acréscimo da pena para além do mínimo deve ter fundamentos objetivos para que ocorra. É essa a jurisprudência tanto do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto dos tribunais de segunda instância do país.
No caso do mensalão, os ministros da Corte Suprema terão que fazer um verdadeiro “malabarismo” se quiserem evitar que boa parte dos crimes imputados aos 37 réus prescrevam. Dos sete crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na Ação Penal nº 470, quatro estão prescritos desde agosto de 2011. Se a pena imposta pelo Supremo for a mínima prevista na lei penal, a condenação pela pena mínima pode levar à prescrição
O crime de formação de quadrilha, atribuído a 21 dos 37 acusados, é o que tem a maior possibilidade de já estar prescrito no caso do mensalão. O prazo de prescrição dependerá da pena imposta pelo Supremo aos possíveis condenados – que deve variar entre a mínima, de um ano, e a máxima, de três anos de reclusão.
Na fase atual da Ação Penal nº 470, que ainda não tem uma sentença, o cálculo é feito pela pena máxima e a prescrição ocorre em 8 anos, contados a partir do recebimento da denúncia da PGR ao Supremo. Ou seja, só prescreveria em agosto de 2015. Mas, se a condenação for pela pena mínima, o prazo de prescrição cai para quatro anos, já que após a sentença o cálculo é feito pela pena já imposta. Isso significa que, se os réus do mensalão forem condenados a um ano de reclusão por formação de quadrilha, no momento em que a sentença for dada, o crime já estará prescrito desde agosto de 2011.
Assim como a formação de quadrilha, os crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e evasão de divisas também estarão prescritos desde o ano passado se, no momento da sentença, os ministros aplicarem as penas mínimas previstas no Código Penal (veja quadro acima).
Isso ocorre porque, de acordo com o Código Penal, o prazo de prescrição dos crimes é calculado de duas formas. A primeira delas é feita antes da sentença judicial e serve para balizar o prazo que o Estado tem para julgar o réu. Segundo as regras da lei, crimes com pena máxima de dois anos prescrevem em quatro anos; com pena máxima de quatro anos prescrevem em oito anos e assim por diante, conforme prevê uma “tabela” inserida no artigo 109 do código. A segunda forma de cálculo do prazo de prescrição penal ocorre após a sentença, quando a pena é fixada, e segue a mesma tabela da anterior, mas com base na pena efetivamente aplicada ao réu.
É esse último critério que definirá os prazos de prescrição dos crimes supostamente cometidos no caso do mensalão. A partir do momento em que os ministros do Supremo definirem a pena a ser aplicada aos réus que condenarem – a chamada “dosimetria das penas”, que será a última etapa do julgamento -, saberão se os crimes estão ou não prescritos. Se estiverem, é extinta a punibilidade do réu – o que significa dizer que ele não será considerado condenado e não carregará antecedentes criminais.
De acordo com Renato de Mello Jorge Silveira, chefe do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), há uma série de situações que podem agravar as penas a serem impostas pelo Supremo. “Mas, para ir além do mínimo, a decisão precisa estar devidamente fundamentada”, afirma. Segundo ele, é preciso considerar situações pontuais que justifiquem o acréscimo das penas – e que não sejam critérios subjetivos. “O Supremo normalmente não aceita como fundamento para aumentar a pena a repercussão do caso ou o volume de dinheiro envolvido”, diz.
O temor dos advogados é o de que, para evitar que a maior parte dos crimes do mensalão esteja prescrita, o Supremo condene os réus a penas acima das mínimas, contrariando sua jurisprudência. “A pena não é moeda de troca da prescrição”, diz o criminalista Renato Vieira, do escritório Kehdi e Vieira Advogados, que não atua para nenhum réu do mensalão. “Para aumentar as penas para além do mínimo legal o juiz tem que se ater às circunstâncias”, afirma.
Essas circunstâncias também estão previstas no Código Penal e são consideradas com base em uma ordem seguida por todos os juízes, que no meio jurídico é denominado de “método trifásico”. Por esse método, a partir do estabelecimento da pena mínima a ser aplicada a um réu, o julgador analisa, em um segundo momento, se há os chamados agravantes ou atenuantes, previstos nos artigos 61 a 66 da lei. Entre eles está a reincidência, o cometimento do crime por motivo fútil, o uso de veneno, explosivo ou tortura, entre outros.
No processo do mensalão, um agravante previsto na legislação e possível de ser aplicado pelo Supremo é a existência de abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo. Em uma terceira e última fase da aplicação da pena, o juiz avalia se há causas de aumento ou diminuição de pena, critérios presentes no Código Penal mas restritos a alguns tipos de crime.
Polarização entre ministros do STF favorece a defesa
A polarização entre os votos do relator do mensalão, Joaquim Barbosa, e do revisor, Ricardo Lewandowski, favorece os réus, pois permitirá uma enxurrada de recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) nos casos de condenação. A expectativa de advogados que atuam no processo é a de que, mesmo se o julgamento for concluído neste ano, os recursos devem entrar pelo próximo e muitos deles seriam julgados apenas depois do carnaval.
“O mensalão é um processo de 11 homens, 38 sentenças, mais de mil decisões e um número incalculável de recursos”, definiu o advogado Márcio Thomaz Bastos, que defende José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural. Um dos recursos que devem ser utilizados é o de embargos infringentes. Eles podem ser interpostos no STF sempre que, em uma decisão, quatro ministros ficarem vencidos.
A oposição entre o revisor e o relator favorece esse tipo de embargo, pois indica que os demais ministros da Corte vão ter duas linhas distintas de raciocínio para seguir. O tribunal pode se dividir quanto a alguns réus, o que abre espaço para que cada condenação seja contestada com maior força posteriormente.
Também favorece os réus o fato de Barbosa anunciar que vai fazer uma réplica, hoje, para rebater as conclusões de Lewandowski pela absolvição do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) e de este último responder que, nessa hipótese, fará tréplica. Além de criar uma tensão adicional no julgamento, atrasando sua conclusão, novos embates podem dar mais força aos embargos, já que aumentam as discordâncias internas entre os ministros e, com isso, suscitam a possibilidade de advogados pedirem esclarecimentos sobre a posição de cada um.
Por fim, a redação do acórdão (resumo da decisão) também deve gerar embargos de declaração. Esse tipo de recurso é utilizado sempre que há omissão, obscuridade ou contradição numa sentença. Como no mensalão vão ser produzidas centenas de decisões – cada um dos 37 réus é acusado por uma lista que vai de dois até cinco crimes -, os embargos de declaração devem ser amplamente utilizados na fase posterior à conclusão do julgamento.
A demora na conclusão do processo vai fazer com que os embargos sejam decididos por uma composição de ministros diversa daquela que está participando do julgamento. Pela hipótese mais otimista, o julgamento terminaria em setembro, conforme expectativa manifestada na semana passada por Barbosa. Nem todos os integrantes da Corte contam com isso. O ministro Marco Aurélio Mello opinou que, diante das discussões “sem balizas”, o julgamento do mensalão pode se arrastar até 2013. “Eu creio e já receio que ele não termine até o fim do ano”, declarou.
Alguns ministros acreditam que o julgamento pode tomar toda a presidência de Carlos Ayres Britto, que termina em 18 de novembro, quando ele se aposenta, ao completar 70 anos. Caso essa hipótese se confirme, as sessões do mensalão passariam a ser presididas, a partir daquela data, por Barbosa, atual vice-presidente da Corte. Provavelmente, o relator vai comandar as sessões em que o STF vai decidir sobre os futuros embargos do mensalão, já que será o próximo presidente do tribunal. Na ausência de Barbosa, essas sessões passariam a ser presididas por Lewandowski, que vai ser o vice-presidente do STF na gestão do primeiro.
Definir uma data final para o mensalão se tornou uma tarefa praticamente impossível, já que o STF não tem prazo para julgar os recursos. Advogados dos réus defendem que eventuais mandados de prisão só podem ser expedidos com uma sentença definitiva – ou seja, após o julgamento do último embargo.
O mensalão já tomou 14 sessões exclusivas do Supremo e, até agora, apenas dois ministros votaram um só item de um total de sete. A votação continua, hoje, a partir das 14h. Além da previsão da réplica de Barbosa e da tréplica de Lewandowski, os demais ministros vão ter que definir se vão adotar a sequência do relator ou do revisor dentro do primeiro item que ambos votaram. Enquanto Barbosa começou pelo desvio de dinheiro na Câmara dos Deputados e, depois, passou para o da diretoria de marketing do Banco do Brasil, o revisor adotou o caminho contrário.
Britto pode se recusar a dar voto de desempate
Dois precedentes do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, indicam que ele pode se recusar a dar o voto de minerva caso a Corte chegue a empates no julgamento do mensalão.
Ao julgar uma disputa da Vale com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em dezembro de 2007, três meses após o recebimento da denúncia do mensalão, Britto afirmou que o sistema de desempate pelo qual o presidente vota duas vezes vai contra a democracia. Na ocasião, ele afirmou que o sistema que deve prevalecer é o de “um homem, um voto”. “A República é constituída por cidadãos regidos pela igualdade”, enfatizou Britto. “Na democracia, quem decide é a maioria. Os órgãos públicos podem decidir ignorando o princípio da majoritariedade? Eu penso que não.”
Naquele julgamento estava em jogo uma decisão que foi tomada pelo Cade com o voto de desempate da então presidente do órgão antitruste, Elizabeth Farina. Com base no voto de minerva de Farina, o Cade determinou que a Vale deveria vender a mineradora Ferteco ou se abster do direito de adquirir o excedente produzido na mina Casa de Pedra, de propriedade da CSN, sua concorrente.
A Vale mobilizou dezenas de advogados para derrubar o voto de desempate e o processo foi decidido pela 1ª Turma do STF por três votos a dois. Britto e Marco Aurélio Mello foram os autores dos dois votos vencidos. Ambos concluíram que nenhum ministro pode fazer “manifestação dupla” de sua vontade. “É possível que, num colegiado, um cidadão falível, como outro qualquer, profira um voto neutralizando o dos demais?”, questionou Marco Aurélio para, em seguida, responder negativamente.
O outro precedente envolvendo Britto é mais recente: o julgamento da Lei da Ficha Limpa, em setembro de 2010. Na ocasião, diante da iminência de um empate, Britto, favorável à lei, questionou frontalmente a possibilidade de o então presidente, ministro Cezar Peluso, contrário à Ficha Limpa, proferir o voto de minerva. Peluso respondeu que não tinha “vocação para déspota” e que não achava que o seu voto fosse “melhor do que o dos outros”, tranquilizando Britto.
No caso envolvendo a Vale, Marco Aurélio lembrou de outro precedente que está sendo bastante citado no mensalão. Ele afirmou que, durante o julgamento do ex-presidente Fernando Collor, em 1994, houve empate no STF e não prevaleceu a posição do presidente da Corte. Foi convocado um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para desempatar.
A possibilidade de empates no mensalão se tornou maior diante de dois fatos. O primeiro é a aposentadoria de Peluso, que completa 70 anos em 3 de setembro. A sua última sessão será a do dia 30. Sem Peluso, o STF vai ficar com 10 integrantes, e não 11. No caso Collor, oito ministros votaram e houve empate em quatro votos a quatro. O segundo fato é a polarização entre o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Ela faz com que os demais integrantes da Corte partam do voto de um ou de outro para chegar às suas próprias conclusões.
Advogados dos réus do mensalão têm receio de um eventual desempate pelo presidente, pois Britto costuma ser bastante rigoroso em julgamentos envolvendo políticos. Além de defender a Lei da Ficha Limpa, o presidente do STF foi o relator da primeira condenação de um político desde a Constituição de 1988 e tem dado amplo apoio a Barbosa, que é considerado um voto certo contra a maioria dos réus do mensalão.
Caso Britto siga o entendimento de que o presidente não pode desempatar, os impasses terão que ser resolvidos por outras soluções que favorecem os réus. Uma delas é o princípio de que, na dúvida, decide-se a favor do réu. A outra seria a de adotar, por analogia, a regra de que, em empates nos julgamentos de habeas corpus, o réu fica em liberdade.
Os precedentes de Britto indicam uma clara tendência, uma forte linha argumentativa que ele traçou no passado. Mas o ministro pode mudar de opinião, se o fizer justificadamente. Na quinta-feira, Lewandowski citou frases de Britto proferidas em agosto de 2007 contra o recebimento da denúncia contra o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) por lavagem de dinheiro – e o presidente advertiu que poderia mudar de opinião. “O juízo do recebimento da denúncia é diferente do atual. São sedes de análise diferentes”, afirmou Britto.
27/ago/2012
Tradicionalmente, o Poder Judiciário brasileiro baseia-se na pena mínima prevista no Código Penal para condenar réus em processos criminais. A partir dela, os juízes consideram os chamados agravantes e, em seguida, as causas de aumento de pena – ambos critérios previstos na mesma legislação – para definir a sentença condenatória. Qualquer acréscimo da pena para além do mínimo deve ter fundamentos objetivos para que ocorra. É essa a jurisprudência tanto do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto dos tribunais de segunda instância do país.
No caso do mensalão, os ministros da Corte Suprema terão que fazer um verdadeiro “malabarismo” se quiserem evitar que boa parte dos crimes imputados aos 37 réus prescrevam. Dos sete crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na Ação Penal nº 470, quatro estão prescritos desde agosto de 2011. Se a pena imposta pelo Supremo for a mínima prevista na lei penal, a condenação pela pena mínima pode levar à prescrição
O crime de formação de quadrilha, atribuído a 21 dos 37 acusados, é o que tem a maior possibilidade de já estar prescrito no caso do mensalão. O prazo de prescrição dependerá da pena imposta pelo Supremo aos possíveis condenados – que deve variar entre a mínima, de um ano, e a máxima, de três anos de reclusão.
Na fase atual da Ação Penal nº 470, que ainda não tem uma sentença, o cálculo é feito pela pena máxima e a prescrição ocorre em 8 anos, contados a partir do recebimento da denúncia da PGR ao Supremo. Ou seja, só prescreveria em agosto de 2015. Mas, se a condenação for pela pena mínima, o prazo de prescrição cai para quatro anos, já que após a sentença o cálculo é feito pela pena já imposta. Isso significa que, se os réus do mensalão forem condenados a um ano de reclusão por formação de quadrilha, no momento em que a sentença for dada, o crime já estará prescrito desde agosto de 2011.
Assim como a formação de quadrilha, os crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e evasão de divisas também estarão prescritos desde o ano passado se, no momento da sentença, os ministros aplicarem as penas mínimas previstas no Código Penal (veja quadro acima).
Isso ocorre porque, de acordo com o Código Penal, o prazo de prescrição dos crimes é calculado de duas formas. A primeira delas é feita antes da sentença judicial e serve para balizar o prazo que o Estado tem para julgar o réu. Segundo as regras da lei, crimes com pena máxima de dois anos prescrevem em quatro anos; com pena máxima de quatro anos prescrevem em oito anos e assim por diante, conforme prevê uma “tabela” inserida no artigo 109 do código. A segunda forma de cálculo do prazo de prescrição penal ocorre após a sentença, quando a pena é fixada, e segue a mesma tabela da anterior, mas com base na pena efetivamente aplicada ao réu.
É esse último critério que definirá os prazos de prescrição dos crimes supostamente cometidos no caso do mensalão. A partir do momento em que os ministros do Supremo definirem a pena a ser aplicada aos réus que condenarem – a chamada “dosimetria das penas”, que será a última etapa do julgamento -, saberão se os crimes estão ou não prescritos. Se estiverem, é extinta a punibilidade do réu – o que significa dizer que ele não será considerado condenado e não carregará antecedentes criminais.
De acordo com Renato de Mello Jorge Silveira, chefe do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), há uma série de situações que podem agravar as penas a serem impostas pelo Supremo. “Mas, para ir além do mínimo, a decisão precisa estar devidamente fundamentada”, afirma. Segundo ele, é preciso considerar situações pontuais que justifiquem o acréscimo das penas – e que não sejam critérios subjetivos. “O Supremo normalmente não aceita como fundamento para aumentar a pena a repercussão do caso ou o volume de dinheiro envolvido”, diz.
O temor dos advogados é o de que, para evitar que a maior parte dos crimes do mensalão esteja prescrita, o Supremo condene os réus a penas acima das mínimas, contrariando sua jurisprudência. “A pena não é moeda de troca da prescrição”, diz o criminalista Renato Vieira, do escritório Kehdi e Vieira Advogados, que não atua para nenhum réu do mensalão. “Para aumentar as penas para além do mínimo legal o juiz tem que se ater às circunstâncias”, afirma.
Essas circunstâncias também estão previstas no Código Penal e são consideradas com base em uma ordem seguida por todos os juízes, que no meio jurídico é denominado de “método trifásico”. Por esse método, a partir do estabelecimento da pena mínima a ser aplicada a um réu, o julgador analisa, em um segundo momento, se há os chamados agravantes ou atenuantes, previstos nos artigos 61 a 66 da lei. Entre eles está a reincidência, o cometimento do crime por motivo fútil, o uso de veneno, explosivo ou tortura, entre outros.
No processo do mensalão, um agravante previsto na legislação e possível de ser aplicado pelo Supremo é a existência de abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo. Em uma terceira e última fase da aplicação da pena, o juiz avalia se há causas de aumento ou diminuição de pena, critérios presentes no Código Penal mas restritos a alguns tipos de crime.
Polarização entre ministros do STF favorece a defesa
A polarização entre os votos do relator do mensalão, Joaquim Barbosa, e do revisor, Ricardo Lewandowski, favorece os réus, pois permitirá uma enxurrada de recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) nos casos de condenação. A expectativa de advogados que atuam no processo é a de que, mesmo se o julgamento for concluído neste ano, os recursos devem entrar pelo próximo e muitos deles seriam julgados apenas depois do carnaval.
“O mensalão é um processo de 11 homens, 38 sentenças, mais de mil decisões e um número incalculável de recursos”, definiu o advogado Márcio Thomaz Bastos, que defende José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural. Um dos recursos que devem ser utilizados é o de embargos infringentes. Eles podem ser interpostos no STF sempre que, em uma decisão, quatro ministros ficarem vencidos.
A oposição entre o revisor e o relator favorece esse tipo de embargo, pois indica que os demais ministros da Corte vão ter duas linhas distintas de raciocínio para seguir. O tribunal pode se dividir quanto a alguns réus, o que abre espaço para que cada condenação seja contestada com maior força posteriormente.
Também favorece os réus o fato de Barbosa anunciar que vai fazer uma réplica, hoje, para rebater as conclusões de Lewandowski pela absolvição do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) e de este último responder que, nessa hipótese, fará tréplica. Além de criar uma tensão adicional no julgamento, atrasando sua conclusão, novos embates podem dar mais força aos embargos, já que aumentam as discordâncias internas entre os ministros e, com isso, suscitam a possibilidade de advogados pedirem esclarecimentos sobre a posição de cada um.
Por fim, a redação do acórdão (resumo da decisão) também deve gerar embargos de declaração. Esse tipo de recurso é utilizado sempre que há omissão, obscuridade ou contradição numa sentença. Como no mensalão vão ser produzidas centenas de decisões – cada um dos 37 réus é acusado por uma lista que vai de dois até cinco crimes -, os embargos de declaração devem ser amplamente utilizados na fase posterior à conclusão do julgamento.
A demora na conclusão do processo vai fazer com que os embargos sejam decididos por uma composição de ministros diversa daquela que está participando do julgamento. Pela hipótese mais otimista, o julgamento terminaria em setembro, conforme expectativa manifestada na semana passada por Barbosa. Nem todos os integrantes da Corte contam com isso. O ministro Marco Aurélio Mello opinou que, diante das discussões “sem balizas”, o julgamento do mensalão pode se arrastar até 2013. “Eu creio e já receio que ele não termine até o fim do ano”, declarou.
Alguns ministros acreditam que o julgamento pode tomar toda a presidência de Carlos Ayres Britto, que termina em 18 de novembro, quando ele se aposenta, ao completar 70 anos. Caso essa hipótese se confirme, as sessões do mensalão passariam a ser presididas, a partir daquela data, por Barbosa, atual vice-presidente da Corte. Provavelmente, o relator vai comandar as sessões em que o STF vai decidir sobre os futuros embargos do mensalão, já que será o próximo presidente do tribunal. Na ausência de Barbosa, essas sessões passariam a ser presididas por Lewandowski, que vai ser o vice-presidente do STF na gestão do primeiro.
Definir uma data final para o mensalão se tornou uma tarefa praticamente impossível, já que o STF não tem prazo para julgar os recursos. Advogados dos réus defendem que eventuais mandados de prisão só podem ser expedidos com uma sentença definitiva – ou seja, após o julgamento do último embargo.
O mensalão já tomou 14 sessões exclusivas do Supremo e, até agora, apenas dois ministros votaram um só item de um total de sete. A votação continua, hoje, a partir das 14h. Além da previsão da réplica de Barbosa e da tréplica de Lewandowski, os demais ministros vão ter que definir se vão adotar a sequência do relator ou do revisor dentro do primeiro item que ambos votaram. Enquanto Barbosa começou pelo desvio de dinheiro na Câmara dos Deputados e, depois, passou para o da diretoria de marketing do Banco do Brasil, o revisor adotou o caminho contrário.
Britto pode se recusar a dar voto de desempate
Dois precedentes do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, indicam que ele pode se recusar a dar o voto de minerva caso a Corte chegue a empates no julgamento do mensalão.
Ao julgar uma disputa da Vale com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em dezembro de 2007, três meses após o recebimento da denúncia do mensalão, Britto afirmou que o sistema de desempate pelo qual o presidente vota duas vezes vai contra a democracia. Na ocasião, ele afirmou que o sistema que deve prevalecer é o de “um homem, um voto”. “A República é constituída por cidadãos regidos pela igualdade”, enfatizou Britto. “Na democracia, quem decide é a maioria. Os órgãos públicos podem decidir ignorando o princípio da majoritariedade? Eu penso que não.”
Naquele julgamento estava em jogo uma decisão que foi tomada pelo Cade com o voto de desempate da então presidente do órgão antitruste, Elizabeth Farina. Com base no voto de minerva de Farina, o Cade determinou que a Vale deveria vender a mineradora Ferteco ou se abster do direito de adquirir o excedente produzido na mina Casa de Pedra, de propriedade da CSN, sua concorrente.
A Vale mobilizou dezenas de advogados para derrubar o voto de desempate e o processo foi decidido pela 1ª Turma do STF por três votos a dois. Britto e Marco Aurélio Mello foram os autores dos dois votos vencidos. Ambos concluíram que nenhum ministro pode fazer “manifestação dupla” de sua vontade. “É possível que, num colegiado, um cidadão falível, como outro qualquer, profira um voto neutralizando o dos demais?”, questionou Marco Aurélio para, em seguida, responder negativamente.
O outro precedente envolvendo Britto é mais recente: o julgamento da Lei da Ficha Limpa, em setembro de 2010. Na ocasião, diante da iminência de um empate, Britto, favorável à lei, questionou frontalmente a possibilidade de o então presidente, ministro Cezar Peluso, contrário à Ficha Limpa, proferir o voto de minerva. Peluso respondeu que não tinha “vocação para déspota” e que não achava que o seu voto fosse “melhor do que o dos outros”, tranquilizando Britto.
No caso envolvendo a Vale, Marco Aurélio lembrou de outro precedente que está sendo bastante citado no mensalão. Ele afirmou que, durante o julgamento do ex-presidente Fernando Collor, em 1994, houve empate no STF e não prevaleceu a posição do presidente da Corte. Foi convocado um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para desempatar.
A possibilidade de empates no mensalão se tornou maior diante de dois fatos. O primeiro é a aposentadoria de Peluso, que completa 70 anos em 3 de setembro. A sua última sessão será a do dia 30. Sem Peluso, o STF vai ficar com 10 integrantes, e não 11. No caso Collor, oito ministros votaram e houve empate em quatro votos a quatro. O segundo fato é a polarização entre o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Ela faz com que os demais integrantes da Corte partam do voto de um ou de outro para chegar às suas próprias conclusões.
Advogados dos réus do mensalão têm receio de um eventual desempate pelo presidente, pois Britto costuma ser bastante rigoroso em julgamentos envolvendo políticos. Além de defender a Lei da Ficha Limpa, o presidente do STF foi o relator da primeira condenação de um político desde a Constituição de 1988 e tem dado amplo apoio a Barbosa, que é considerado um voto certo contra a maioria dos réus do mensalão.
Caso Britto siga o entendimento de que o presidente não pode desempatar, os impasses terão que ser resolvidos por outras soluções que favorecem os réus. Uma delas é o princípio de que, na dúvida, decide-se a favor do réu. A outra seria a de adotar, por analogia, a regra de que, em empates nos julgamentos de habeas corpus, o réu fica em liberdade.
Os precedentes de Britto indicam uma clara tendência, uma forte linha argumentativa que ele traçou no passado. Mas o ministro pode mudar de opinião, se o fizer justificadamente. Na quinta-feira, Lewandowski citou frases de Britto proferidas em agosto de 2007 contra o recebimento da denúncia contra o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) por lavagem de dinheiro – e o presidente advertiu que poderia mudar de opinião. “O juízo do recebimento da denúncia é diferente do atual. São sedes de análise diferentes”, afirmou Britto.
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