OPINIÃO
Cidadãos que esperam - alguns, há décadas - o pagamento de dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça certamente ficaram satisfeitos com a proposta de quitação de todas elas em cinco anos, apresentada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux no voto em que, como relator do tema, propõe um prazo para a liquidação dos precatórios, como são chamados esses débitos. O problema vem se arrastando há anos, gerando dificuldades financeiras para os credores do poder público - parte dos quais não conseguiu receber em vida os valores a que tinha direito legítimo e juridicamente inquestionável -, mas o voto do ministro Luiz Fux está, ainda, longe de representar garantia de que o pagamento será feito no prazo proposto.
Em março, o STF havia julgado parcialmente inconstitucional a Emenda Constitucional (EC) 62/2009, que instituiu um regime especial de pagamento de precatórios. Esse regime permitia o parcelamento da dívida em 15 anos, combinado com a destinação de 1% a 2% da receita líquida dos Estados e municípios para um fundo especial reservado à quitação dos precatórios. Dos recursos desse fundo, 50% seriam destinados ao pagamento por ordem cronológica e 50% ao pagamento por um sistema que combinava pagamentos por ordem crescente de valores e por meio de leilões ou acordos. Essas regras protelavam indefinidamente diversos pagamentos, razão pela qual a EC 62 ficou conhecida como a "emenda do calote".
Tudo isso caiu em março. Escolhido então como redator do acórdão da decisão do STF, Fux é também relator do que passou a se chamar "modulação temporal" dos efeitos da decisão sobre os pagamentos dos precatórios que vinham sendo feitos até agora.
Em seu voto, apresentado na quinta-feira passada, Fux propôs que as dívidas existentes sejam quitadas até 2018. As que forem contraídas até 2018 deverão ser pagas em cinco anos. Mas as contraídas a partir de 2018 deverão ser pagas no ano seguinte ao da inscrição do precatório nos compromissos financeiros do devedor.
Para tornar-se efetiva, essa proposta precisa superar três etapas. A primeira é sua aprovação no STF. Com o pedido de vista feito pelo ministro Luís Roberto Barroso - para examinar melhor os argumentos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora das duas ações diretas de inconstitucionalidade cujo julgamento pelo STF levou à declaração parcial de inconstitucionalidade da EC 62 -, não há nova data para que o tema volte a ser examinado pela Corte. E, quando voltar, é preciso ver como votarão seus demais integrantes.
Há, ainda, uma questão institucional, a respeito da competência dos Poderes. Decerto o STF agiu dentro dos limites de sua competência no julgamento da inconstitucionalidade da "emenda do calote". Mas será de sua competência estabelecer regras para o pagamento de compromissos do poder público, qualquer que seja a natureza desses compromissos? Ou elas devem ser estabelecidas em lei ou, em determinados casos, em emenda constitucional, cuja aprovação é de competência exclusiva do Poder Legislativo?
Por fim, há uma questão de natureza prática, eminentemente financeira. Não se discute o direito dos credores do poder público de receber aquilo que a Justiça, em todas as instâncias, declarou que lhes deve ser pago, com as devidas correções. Entre os credores, há cidadãos cuja residência foi desapropriada para a execução de obras públicas, funcionários públicos que têm direito a diferenças de salários ou a salários atrasados e prestadores de serviço que não receberam pelo serviço prestado ao poder público.
Dado, porém, o montante dos precatórios em atraso - que somam R$ 94 bilhões, de acordo com estimativas recentes, sendo R$ 16 bilhões devidos apenas pela Prefeitura paulistana -, é preciso que a "modulação temporal" dos pagamentos não implique a inviabilização da prestação de serviços públicos essenciais ou a completa paralisia da administração. Alguns ministros do STF já advertiram para a necessidade de a decisão da Corte nesse caso permitir o equilíbrio entre receita e o pagamento da dívida.
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