REVISTA ÉPOCA, 06/03/2015 22h54
O procurador Rodrigo Janot não acusou apenas os políticos do petrolão. Acusou o sistema de financiamento de campanhas do Brasil. Agora, cabe ao Supremo definir como prosseguir num enredo essencial do aperfeiçoamento da democracia brasileira
FLÁVIA TAVARES E FILIPE COUTINHO
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
Era perto de 8 da noite da terça-feira quando dois procuradores da República, Douglas Fischer e Eduardo Pelella, estacionaram a bordo de duas caminhonetes, uma preta e uma branca, ambas sem identificação, na garagem do Supremo Tribunal Federal. Eles vinham escoltados por seguranças. Traziam na bagagem cinco caixas brancas lacradas. Discretamente, tomaram o elevador privativo para o 3º andar. Os seguranças transportaram as caixas em carrinhos de mão. Chegando ao gabinete de Teori Zavascki, os procuradores e o ministro trocaram saudações formais. Estavam na sala, além dos três, um funcionário do protocolo e Marcio Schiefler Fontes, juiz-auxiliar do ministro. Zavascki aguardou enquanto os demais protocolaram os papéis na sala ao lado. O primeiro carimbo foi batido às 20h11. Fischer e Pelella voltaram ao gabinete e fizeram um rápido resumo do conteúdo das cinco caixas: 28 pedidos de abertura de inquérito, atingindo 54 pessoas, entre políticos graúdos e seus satélites, além de sete requerimentos de arquivamento e uma tese jurídica controversa – a de que o esquema de corrupção das grandes empreiteiras do Brasil contaminou irreversivelmente o caixa oficial das campanhas no país; e, com ele, o atual modelo de financiamento eleitoral. Zavascki abriu as caixas e folheou os papéis, sem se deter muito em nenhum deles. Preferiu guardar o material numa sala cofre em seu gabinete. Nascido na pequena Faxinal dos Guedes, em Santa Catarina, o ministro chegou a seu apartamento funcional por volta das 22h30. Bebericou um vinho tinto e foi dormir. Mas Brasília permaneceu insone.
Faz um ano que muitos estão insones em Brasília. Desde a manhã de 20 de março do ano passado, no início da Operação Lava Jato, quando a Polícia Federal prendeu Paulo Roberto Costa, o poderoso ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, os políticos mais ladinos da capital percebiam que esse desfecho era possível. Eis o desfecho: o procurador-geral, Rodrigo Janot, finalmente relacionou os políticos com foro privilegiado apontados pelos dois principais delatores do petrolão, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef, como beneficiários do esquema de corrupção na estatal.
A lista de Janot foi divulgada na sexta-feira, dia 6, à noite, e relacionou os maiores chefes da base aliada: os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, respectivamente, mais sete senadores, cinco políticos com passagem pelo ministério de Dilma Rousseff, dois governadores e muitos, muitos deputados. Ficaram de fora os dois candidatos presidenciais da última campanha. A petista Dilma Rousseff, pela Constituição, não pode ser investigada por crimes anteriores ao mandato – mesmo que pudesse, os procuradores consideraram fracos os elementos que pesam contra ela. No caso do tucano Aécio Neves, a delação de Youssef trazia mais detalhes – mas os crimes já prescreveram, na avaliação dos procuradores. Segundo o doleiro disse ao MPF dias antes da eleição (fato que pesou contra a credibilidade da acusação), Aécio e uma de suas irmãs, Andréa Neves, receberam propina por participar de um esquema em Furnas, ao lado do empresário Ayrton Daré, morto em 2011, cuja empresa detinha contratos na estatal. Youssef disse que o dinheiro foi pago no começo do anos 2000, ainda no governo FHC. Na avaliação dos procuradores, o depoimento de Youssef não é elemento suficiente para pedir uma investigação contra o tucano.
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