ZERO HORA 25 de fevereiro de 2014 | N° 17715
ARTIGOS
por MAria de Nazareth Agra Hassen*
Completam-se hoje três anos do dia em que Ricardo Neis investiu com seu carro sobre pessoas que pedalavam durante a Massa Crítica. Sem ter sido julgado até hoje, deve ter retornado à sua vida normal. Por normal, entenda-se a vida que escolheu, pontuada, até aquele dia de 2011, por cinco infrações de trânsito e pela ameaça a uma namorada com facão e machadinha.
O tão mencionado sentimento de impunidade amplia-se quando o atentado contra a vida de 150 pessoas não mereceu sequer a celeridade do julgamento. Esfria a opinião pública, e a distância do fato vai atenuando o impacto, afinal as 17 pessoas feridas sobreviveram.
É difícil compreender como se pode produzir justiça com tamanha demora nos julgamentos.
Catalisaram-se naquele episódio as agressões sofridas pelos vulneráveis na guerra do trânsito. A menos que mudemos radicalmente a forma como vemos o trânsito e a chamada mobilidade, mais e mais vítimas encontrarão o fim de suas existências nas ruas e estradas.
Existem formas que praticamente impedem a morte das pessoas no trânsito: os mecanismos de baixar a velocidade. Mobilidade é transportar-se com vida. Onde está dito que mobilidade é velocidade e insegurança?
Aceitamos definições com muita rapidez. Convencem-nos que viadutos, autopistas e outras formas de expulsar o pedestre da cena pública são soluções de mobilidade. Eles aceleram sobretudo a transformação das metrópoles em necrópoles – lugares com cimento, asfalto, sem árvores e sem crianças nas ruas. Lugares que desumanizam a ponto de produzirem motoristas como o atropelador da Massa.
De lá para cá, mais e mais bicicletas se apresentaram ao trânsito atemorizante da Capital. Isso porque o sentimento agressivo de alguns motoristas, cuja síntese se fez presente no acelerador de Ricardo Neis três anos atrás, permanece existindo, mas a vontade de insistir com a utopia da cidade humanizada atraiu mais pessoas para o transporte a propulsão humana.
Não temos notícia de efetivas campanhas de humanização que aproximem os motoristas da condição de pedestres que todos somos, de multas a quem ultrapassa a distância de um metro e meio do ciclista, mas os pedalantes estão fazendo valer seu direito ao compartilhamento da pista previsto no Código Brasileiro de Trânsito. Movimentar-se de bicicleta é um ato político, uma afirmação de outro estilo de vida, assim como práticas que vão da alimentação ética a novos conceitos de lazer, de intervenções no meio urbano, de família. São primeiros passos, que partem dos habitantes da cidade, mas eles precisam do apoio das instituições. Um modelo de cidade para pessoas e uma Justiça célere e eficiente, combinados, resultariam em uma nova forma de ser e de viver.
Resgataríamos a vida em comunidade, pessoalizada, respeitosa e solidária. Não é possível, entretanto, que a Justiça continue tão lenta, e os automóveis tão velozes. E furiosos.
*DOUTORA EM EDUCAÇÃO (UFRGS)
ARTIGOS
por MAria de Nazareth Agra Hassen*
Completam-se hoje três anos do dia em que Ricardo Neis investiu com seu carro sobre pessoas que pedalavam durante a Massa Crítica. Sem ter sido julgado até hoje, deve ter retornado à sua vida normal. Por normal, entenda-se a vida que escolheu, pontuada, até aquele dia de 2011, por cinco infrações de trânsito e pela ameaça a uma namorada com facão e machadinha.
O tão mencionado sentimento de impunidade amplia-se quando o atentado contra a vida de 150 pessoas não mereceu sequer a celeridade do julgamento. Esfria a opinião pública, e a distância do fato vai atenuando o impacto, afinal as 17 pessoas feridas sobreviveram.
É difícil compreender como se pode produzir justiça com tamanha demora nos julgamentos.
Catalisaram-se naquele episódio as agressões sofridas pelos vulneráveis na guerra do trânsito. A menos que mudemos radicalmente a forma como vemos o trânsito e a chamada mobilidade, mais e mais vítimas encontrarão o fim de suas existências nas ruas e estradas.
Existem formas que praticamente impedem a morte das pessoas no trânsito: os mecanismos de baixar a velocidade. Mobilidade é transportar-se com vida. Onde está dito que mobilidade é velocidade e insegurança?
Aceitamos definições com muita rapidez. Convencem-nos que viadutos, autopistas e outras formas de expulsar o pedestre da cena pública são soluções de mobilidade. Eles aceleram sobretudo a transformação das metrópoles em necrópoles – lugares com cimento, asfalto, sem árvores e sem crianças nas ruas. Lugares que desumanizam a ponto de produzirem motoristas como o atropelador da Massa.
De lá para cá, mais e mais bicicletas se apresentaram ao trânsito atemorizante da Capital. Isso porque o sentimento agressivo de alguns motoristas, cuja síntese se fez presente no acelerador de Ricardo Neis três anos atrás, permanece existindo, mas a vontade de insistir com a utopia da cidade humanizada atraiu mais pessoas para o transporte a propulsão humana.
Não temos notícia de efetivas campanhas de humanização que aproximem os motoristas da condição de pedestres que todos somos, de multas a quem ultrapassa a distância de um metro e meio do ciclista, mas os pedalantes estão fazendo valer seu direito ao compartilhamento da pista previsto no Código Brasileiro de Trânsito. Movimentar-se de bicicleta é um ato político, uma afirmação de outro estilo de vida, assim como práticas que vão da alimentação ética a novos conceitos de lazer, de intervenções no meio urbano, de família. São primeiros passos, que partem dos habitantes da cidade, mas eles precisam do apoio das instituições. Um modelo de cidade para pessoas e uma Justiça célere e eficiente, combinados, resultariam em uma nova forma de ser e de viver.
Resgataríamos a vida em comunidade, pessoalizada, respeitosa e solidária. Não é possível, entretanto, que a Justiça continue tão lenta, e os automóveis tão velozes. E furiosos.
*DOUTORA EM EDUCAÇÃO (UFRGS)
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O poder representativo do povo e a sociedade organizada deveriam reagir e se mobilizarem para exigir uma profunda reforma na justiça criminal brasileira. A forma assistemática de tratar as ilicitudes, a morosidade dos processos e decisões e a conduta permissiva são causas da ineficácia e do descrédito na justiça que fomentam o corporativismo nas instituições, as ações isoladas, a segregação de funções essenciais, a impunidade e o crescimento da violência e da criminalidade no Brasil. 2014 tem eleições. É a oportunidade de eleger representantes duros contra o crime, compromissados com o povo e com a vida das pessoas.
Bom dia Jorge, acompanho sempre seus blogs, e admiro muito sua luta para informar e ajudar na mudança que o Brasil tanto precisa!! Gostaria de saber qual é o método que vc usa pra fazer essas pesquisas, e para postar nos blogs. Um abraço do RJ!!
ResponderExcluirAmigo Arthur. Obrigado pelas palavras de incentivo. Eu leio muito, acompanho notícias nos principais jornais do Brasil e nos blogs que tratam destas questões. Além disto, em 2006, fiz uma pesquisa sobra as mazelas que impedem a garantia da justiça e da segurança pública e vi que a origem delas está na nossa justiça que é assistemática, morosa, burocrata, corporativa, leniente, entre outros adjetivos que constam neste blog.Da pesquisa saiu um livro "Ordem e Liberdade". A justiça é o pilar da democracia, se o pilar está tomado pelos cupins, não existe democracia, não há liberdade, não vigora a justiça e tampouco há segurança.
ResponderExcluirVlw Jorge, suas palavras e suas pesquisas estão me ajudando muito, guerreiro continue na luta!
ResponderExcluir