OPINIÃO
No período em que presidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) - 2010-2012 -, o ministro Cezar Peluso sugeriu ao Congresso a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para desestimular os advogados a impetrar recursos protelatórios e reduzir o número de recursos enviados à Corte e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Diante da repercussão que alcançou nos meios forenses - foi bem recebida por entidades de magistrados e criticada por corporações de advogados -, a proposta foi patrocinada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES).
Incluída no III Pacto Republicano de Reforma do Poder Judiciário, a PEC propõe o fim do efeito suspensivo dos recursos extraordinários e especiais - interpostos no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça, respectivamente - e a imediata execução das decisões dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais. Assim, haveria o trânsito em julgado da causa e à parte interessada restaria a possibilidade de impetrar uma ação rescisória, para desfazer os efeitos de sentença já transitada em julgado.
Para Peluso, essa modificação - que não compromete o direito de defesa assegurado pela Constituição - possibilitaria a redução, em dois terços, do tempo de tramitação das ações. Do ponto de vista prático, não há necessidade de quatro instâncias, principalmente porque as duas últimas se limitam a examinar questões teóricas, disse ele na época.
"Os fatos que condicionam a solução dos problemas já foram redefinidos pelas duas primeiras instâncias e não podem ser revistos nem pelos tribunais superiores nem pelo Supremo. A PEC não tem a pretensão de resolver todos os problemas do Judiciário, mas significa um passo expressivo para a sociedade, que tem uma demanda crônica, velha e persistente de medidas que ponham fim à morosidade das ações, sem comprometer a segurança do direito", afirmou o ministro.
Depois de quase dois anos de tramitação no Congresso, o que começou como uma iniciativa bem-intencionada para desestimular recursos protelatórios se converteu em confusão jurídica. Incorporando sugestões dos setores interessados, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) apresentou um primeiro substitutivo que fazia mudanças pontuais na chamada "PEC dos recursos", sem alterar seus objetivos. Pelo substitutivo, decisões de segunda instância determinando prisões, pagamentos de indenizações ou quitação de dívidas trabalhistas poderiam ser cumpridas imediatamente, ainda que recursos apresentados aos tribunais superiores pudessem alterá-las.
No entanto, ao ser votado no último dia 4 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, o substitutivo foi praticamente deixado de lado e o texto aprovado mudou integralmente - e para pior - a essência da PEC. Em vez de modificar os artigos 102 e 105 da Constituição, como estava no texto original e no primeiro substitutivo, o texto aprovado alterou o artigo 96 da Constituição. Os dois primeiros artigos tratam das competências específicas do STF e do STJ. Já o artigo 96 trata das competências genéricas dos tribunais, disciplinando eleição de órgãos diretivos, organização de serviços auxiliares, criação de cargos de juiz e de varas judiciárias, concursos públicos, licenças e alterações e divisão da organização judicial. Além disso, o texto aprovado restringiu o alcance da PEC dos recursos somente para a área penal.
"A ideia de Peluso morreu na praia", disse o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, em debate promovido pela ONG Transparência Brasil. "Eu queria resolver um problema geral e não estava preocupado com prisões", afirmou o ex-presidente do STF. Além de os objetivos originários da PEC terem sido jogados na lata do lixo, o texto aprovado contém absurdos - a ponto, por exemplo, de violar a garantia da presunção de inocência em matéria penal. Esses absurdos são tantos, que alguns ministros do STF já deram a entender que, se o texto for aprovado pelo plenário do Senado e da Câmara, eles não hesitarão em votar por sua inconstitucionalidade.
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