OPINIÃO
A aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, em caráter terminativo - o que significa que a matéria segue diretamente para a Câmara -, de projeto de lei que estabelece duras penas para a autoridade que não der destinação correta ao dinheiro proveniente de multas de trânsito tem vários aspectos importantes a considerar. Em primeiro lugar, evidentemente, está o esforço para evitar o desvio de recursos que podem ajudar a disciplinar o trânsito e reduzir o elevado número de acidentes, nos quais dezenas de milhares de pessoas perdem a vida todo ano.
Estabelece o artigo 320 do Código de Trânsito Brasileiro que "a receita arrecadada com a cobrança de multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito". Uma única exceção é aberta pelo parágrafo único - 5% dessa receita deve ser depositada "na conta de um fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito". Ou seja, a finalidade é praticamente a mesma, só que considerada em nível nacional.
Embora a lei seja, como se vê, muito clara e direta, ela vem sendo sistematicamente desrespeitada. Segundo o senador Vital do Rego Filho (PMDB-PB), autor daquele projeto - PLS 329/2012 -, um levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo indica que, dos mais de R$ 600 milhões arrecadados com a aplicação de multas no Estado, apenas 0,05% teve destinação correta. A porcentagem é tão pequena - uma ninharia - que se pode considerar que nesse item o Código está sendo totalmente ignorado.
Daí a razão do projeto, que considera ato de improbidade administrativa a não aplicação correta daqueles recursos. A autoridade que assim agir poderá, de acordo com a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.429/1992), ser punida com penas duras, como a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos por cinco a oito anos. O relator do projeto, senador Sérgio de Souza (PMDB-PR), afirmou em seu parecer que "uma imposição legal deve estar acompanhada da sanção correspondente para quem a desrespeite".
O argumento procede, mas mesmo assim não há como evitar a desagradável constatação - e esse é um outro aspecto da questão, a ser devidamente assinalado - de que se faz necessária uma nova lei para obrigar o cumprimento de outra anterior, sistematicamente desrespeitada durante 16 anos (o Código de Trânsito é de 1997). O que leva inevitavelmente à pergunta: o que garante que, se o projeto for aprovado pela Câmara, como se espera, a nova lei terá melhor sorte do que a outra? Infelizmente, não será nada fácil, conhecendo-se os nossos costumes, punir com o rigor pretendido - e sem dúvida merecido - a autoridade que infringir as regras sobre o destino do dinheiro das multas de trânsito.
Mas não custa torcer para que o projeto vire lei e com ela aconteça o que é elementar - que seja respeitada pelo temor de suas penas. Porque estão em jogo nesse caso recursos consideráveis, cuja utilidade para a melhoria da segurança do trânsito é inegável. O ideal é que o número de multas seja pequeno e, consequentemente, o dinheiro delas proveniente seja insignificante. Este é o resultado de trânsito seguro e motorista educado.
Já que isso não ocorre entre nós, que pelo menos os milhões das multas sirvam, como estabelece corretamente a lei, para ajudar a mudar a situação. O exemplo da capital paulista, que tem a maior frota de veículos do País, é ilustrativo. As multas batem recorde a cada ano. Em 2012, foram arrecadados R$ 799 milhões, equivalentes ao orçamento da cidade de Mauá, na Grande São Paulo, com 400 mil habitantes. A arrecadação cresceu 7% em relação a 2011, bem mais que a frota de veículos, que aumentou 2% no período.
A capital paulista criou no governo passado um fundo para receber os recursos das multas e dar-lhes destinação certa. Como mesmo assim não há sinais de que a segurança aumenta e as multas diminuem, a solução para todo o País parece ser mesmo tentar, com uma nova lei mais dura, conseguir o cumprimento de outra que não "pegou".
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