JORNAL DO COMÉRCIO 29/10/2013
Estudo realizado em 1999 se transformou em livro e testemunho histórico da situação
Fernanda Ribeiro Mazzocco
MARCO QUINTANA/JC
Sudbrack acredita que hoje há mais transparência do sistema criminal
De autoria do desembargador Umberto Sudbrack, a obra O Extermínio dos Meninos de Rua no Brasil: Estudo de Política Criminal foi lançada no início deste mês. Síntese da tese de doutorado do desembargador na Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), sob orientação da renomada jurista Mireille Delmas-Marty, o texto do livro serve como testemunho histórico capaz de colaborar na compreensão do fenômeno estudado e das realidades existentes no sistema criminal brasileiro, com destaque na contribuição à defesa dos direitos humanos no País.
Conforme Sudbrack, uma pesquisa divulgada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais mostra que os assassinatos de crianças continuam ocorrendo no País. A pesquisa chamada Observatório das Metrópoles apontou incrementos nas taxas de assassinatos de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos (32%) e adolescentes de 15 a 19 anos (18,5%) no período de 1999 a 2009. “O que predomina no assassinato de crianças e jovens, atualmente, são os conflitos entre facções rivais no tráfico de drogas e, principalmente, o uso do crack. Não somente o consumo, mas também o envolvimento dessas crianças no tráfico, porque são inimputáveis e dificilmente responderão a um processo criminal como um adulto responderia”, explica.
O desembargador comenta que o trabalho lançado agora é um estudo do período de 1985 a 1995 e classificou os tipos de assassinatos de crianças na época. Os crimes de homicídios mais fortes eram praticados por grupos de extermínio formados pelos policiais civis, agentes de segurança privados e outros agentes contratados por grupos da sociedade civil interessado em eliminar essas crianças porque elas atrapalhavam, pela simples presença na rua, ou porque cometiam pequenos furtos. O livro utiliza como objeto de estudo a chacina da Candelária, em que seis menores e dois maiores sem-teto foram assassinados por policiais militares.
Jornal da Lei - Como é a atual situação dos meninos de rua, visto que a sua tese foi defendida no ano de 1999?
Umberto Sudbrack - No Rio Grande do Sul, por exemplo, na época do meu trabalho, utilizei dados do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, que criou um conceito de extermínio. O conselho explicitou que no Estado não havia uma sistematização de extermínio, como no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Recife e em Salvador. O que vejo de positivo na publicação recente do estudo é que representa um testemunho histórico desse período e também sobre a história da repressão do Brasil. Procurei mostrar que é completamente inviável e inverídica essa menção de que o brasileiro é cordial e não pratica violência. Há muita violência no trato dessas camadas menos privilegiadas da sociedade, porque o grande problema ligado ao extermínio dos meninos de rua é a desigualdade social, e isso reflete a existência da falta de renda. As crianças e os adolescentes se envolvem com o crime e acabam sendo vítimas desses assassinatos.
JL - O texto da obra serve como testemunho histórico. O sistema criminal brasileiro já apontou algumas mudanças, ou a situação vem se agravando no decorrer dos anos?
Sudbrack - Está havendo mais transparência do sistema criminal brasileiro, em face dessa história de autoritarismo no sistema criminal. Paulo Sérgio Pinheiro, estudioso dessa questão, mostra que o autoritarismo começou no Brasil colônia com o extermínio dos índios, depois continuou com o tratamento dos escravos e negros, vítimas da repressão das elites. Pinheiro defende que os Estados de Direito só existem para as elites e não existem para os membros das classes subalternas. Mas isso tem mudado com os movimentos em defesa dos direitos humanos. A própria polícia está se reciclando. No Brasil, existe a busca de uma nova formação policial. Esse é um movimento que tem ocorrido principalmente nos últimos anos. Uma polícia cidadã, que defenda os direitos humanos, é o grande desafio. Não podemos permitir uma polícia incontrolada. É preciso um ideal e que a própria polícia se autocontrole e exclua esses elementos violentos que não respeitam a legalidade e o Estado de Direito.
JL - O que representa a indiferença da sociedade civil em relação ao problema? Como a sociedade deve agir, o que ela pode oferecer de melhorias para o quadro?
Sudbrack - A sociedade deveria se reciclar no sentido de ser mais aberta e aceitar os direitos humanos, acabar com certos preconceitos e posicionamentos como, por exemplo, se mostrar a favor da pena de morte e da redução da idade penal. Eu sou contra, porque isso não vai resolver a violência. Precisa haver uma mudança na infraestrutura social econômica. A política criminal nada mais é do que a política social de um país, então, se a política social do Estado brasileiro não for favorável aos segmentos mais carentes, vai haver criminalidade, e a sociedade civil vai aceitar manter um grupo que faz ameaças afastado e pouco se importando com a qualidade dos presídios. As elites brasileiras são insensíveis a essa situação de uma maneira ignorante, pois acabam sendo vítimas dessa violência também.
JL - Falta um melhor aproveitamento das normas instituídas pela Constituição e Código Penal, ou estes é que estão errados e devem ser reformulados?
Sudbrack - No Brasil, existe uma grande contradição entre teoria e prática. Nós temos uma Constituição liberal e uma legislação penal liberal, mas temos práticas repressivas. O grupo de extermínio é uma prática repressiva, assim como a tortura por parte da polícia. Esses fatos deslegitimam o sistema penal. Existe um problema que é a insuficiência do Direito Penal para resolver os problemas criminais que envolvem os direitos humanos. Então o Brasil deveria se submeter às cortes e às comissões pertinentes de direitos humanos. As leis, em geral, são liberais e realistas; o problema é a aplicação e o convívio das leis que não beneficiam todas as camadas populares.
Estudo realizado em 1999 se transformou em livro e testemunho histórico da situação
Fernanda Ribeiro Mazzocco
MARCO QUINTANA/JC
Sudbrack acredita que hoje há mais transparência do sistema criminal
De autoria do desembargador Umberto Sudbrack, a obra O Extermínio dos Meninos de Rua no Brasil: Estudo de Política Criminal foi lançada no início deste mês. Síntese da tese de doutorado do desembargador na Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), sob orientação da renomada jurista Mireille Delmas-Marty, o texto do livro serve como testemunho histórico capaz de colaborar na compreensão do fenômeno estudado e das realidades existentes no sistema criminal brasileiro, com destaque na contribuição à defesa dos direitos humanos no País.
Conforme Sudbrack, uma pesquisa divulgada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais mostra que os assassinatos de crianças continuam ocorrendo no País. A pesquisa chamada Observatório das Metrópoles apontou incrementos nas taxas de assassinatos de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos (32%) e adolescentes de 15 a 19 anos (18,5%) no período de 1999 a 2009. “O que predomina no assassinato de crianças e jovens, atualmente, são os conflitos entre facções rivais no tráfico de drogas e, principalmente, o uso do crack. Não somente o consumo, mas também o envolvimento dessas crianças no tráfico, porque são inimputáveis e dificilmente responderão a um processo criminal como um adulto responderia”, explica.
O desembargador comenta que o trabalho lançado agora é um estudo do período de 1985 a 1995 e classificou os tipos de assassinatos de crianças na época. Os crimes de homicídios mais fortes eram praticados por grupos de extermínio formados pelos policiais civis, agentes de segurança privados e outros agentes contratados por grupos da sociedade civil interessado em eliminar essas crianças porque elas atrapalhavam, pela simples presença na rua, ou porque cometiam pequenos furtos. O livro utiliza como objeto de estudo a chacina da Candelária, em que seis menores e dois maiores sem-teto foram assassinados por policiais militares.
Jornal da Lei - Como é a atual situação dos meninos de rua, visto que a sua tese foi defendida no ano de 1999?
Umberto Sudbrack - No Rio Grande do Sul, por exemplo, na época do meu trabalho, utilizei dados do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, que criou um conceito de extermínio. O conselho explicitou que no Estado não havia uma sistematização de extermínio, como no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Recife e em Salvador. O que vejo de positivo na publicação recente do estudo é que representa um testemunho histórico desse período e também sobre a história da repressão do Brasil. Procurei mostrar que é completamente inviável e inverídica essa menção de que o brasileiro é cordial e não pratica violência. Há muita violência no trato dessas camadas menos privilegiadas da sociedade, porque o grande problema ligado ao extermínio dos meninos de rua é a desigualdade social, e isso reflete a existência da falta de renda. As crianças e os adolescentes se envolvem com o crime e acabam sendo vítimas desses assassinatos.
JL - O texto da obra serve como testemunho histórico. O sistema criminal brasileiro já apontou algumas mudanças, ou a situação vem se agravando no decorrer dos anos?
Sudbrack - Está havendo mais transparência do sistema criminal brasileiro, em face dessa história de autoritarismo no sistema criminal. Paulo Sérgio Pinheiro, estudioso dessa questão, mostra que o autoritarismo começou no Brasil colônia com o extermínio dos índios, depois continuou com o tratamento dos escravos e negros, vítimas da repressão das elites. Pinheiro defende que os Estados de Direito só existem para as elites e não existem para os membros das classes subalternas. Mas isso tem mudado com os movimentos em defesa dos direitos humanos. A própria polícia está se reciclando. No Brasil, existe a busca de uma nova formação policial. Esse é um movimento que tem ocorrido principalmente nos últimos anos. Uma polícia cidadã, que defenda os direitos humanos, é o grande desafio. Não podemos permitir uma polícia incontrolada. É preciso um ideal e que a própria polícia se autocontrole e exclua esses elementos violentos que não respeitam a legalidade e o Estado de Direito.
JL - O que representa a indiferença da sociedade civil em relação ao problema? Como a sociedade deve agir, o que ela pode oferecer de melhorias para o quadro?
Sudbrack - A sociedade deveria se reciclar no sentido de ser mais aberta e aceitar os direitos humanos, acabar com certos preconceitos e posicionamentos como, por exemplo, se mostrar a favor da pena de morte e da redução da idade penal. Eu sou contra, porque isso não vai resolver a violência. Precisa haver uma mudança na infraestrutura social econômica. A política criminal nada mais é do que a política social de um país, então, se a política social do Estado brasileiro não for favorável aos segmentos mais carentes, vai haver criminalidade, e a sociedade civil vai aceitar manter um grupo que faz ameaças afastado e pouco se importando com a qualidade dos presídios. As elites brasileiras são insensíveis a essa situação de uma maneira ignorante, pois acabam sendo vítimas dessa violência também.
JL - Falta um melhor aproveitamento das normas instituídas pela Constituição e Código Penal, ou estes é que estão errados e devem ser reformulados?
Sudbrack - No Brasil, existe uma grande contradição entre teoria e prática. Nós temos uma Constituição liberal e uma legislação penal liberal, mas temos práticas repressivas. O grupo de extermínio é uma prática repressiva, assim como a tortura por parte da polícia. Esses fatos deslegitimam o sistema penal. Existe um problema que é a insuficiência do Direito Penal para resolver os problemas criminais que envolvem os direitos humanos. Então o Brasil deveria se submeter às cortes e às comissões pertinentes de direitos humanos. As leis, em geral, são liberais e realistas; o problema é a aplicação e o convívio das leis que não beneficiam todas as camadas populares.
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