por Marcos Rolim*
Quase todas as análises que li sobre os linchamentos no Brasil destacam o fenômeno da baixa confiança nas instituições, mormente na Justiça. Os linchadores estariam, em síntese, agindo por conta da omissão do Poder Público. Será? Pesquisa de José de Souza Martins chama a atenção para o fato de que os linchamentos sempre ocorreram em nossa história, onde torturar, arcabuzar, cortar a língua e picotar corpos, especialmente de negros e índios, foram práticas comuns.
No século 19, os jornais passaram a usar a expressão “linchamento”, mas raramente apresentaram o tema como tradução da barbárie ou cobraram com vigor as devidas providências. Para todos os efeitos, o horror era parte da paisagem. Martins levantou 515 casos de linchamento no Brasil entre 1970 e 1994. Na melhor das hipóteses, diz ele, só um terço dos casos foi objeto de matéria jornalística. Nossos linchamentos são diferentes dos praticados nos EUA, onde havia o “vigilantismo” racista. Aqui, impera o “mob lynching”, linchamentos punitivos, motivados por explosões de ódio, quase sempre em ações de vizinhos em comunidades pobres.
O ódio, entretanto, é sentimento ensinado, assim como a empatia e a compaixão. A ideia de que “bandido bom é bandido morto” é expressão de uma estupidez socialmente construída, assim como os princípios civilizatórios que se opõem a ela, como a presunção da inocência e o devido processo legal.
O fato é que temos sido bombardeados por um discurso que dissemina o medo e que se oferece ao público um cardápio de horrores, tratado como espetáculo para que o fascínio da plateia se mantenha. Os cavaleiros do apocalipse lucram com o medo e ainda elegem demagogos especialistas em transformar o pavor em votos. Hipnotizadas, parcelas expressivas, incluindo camadas médias semi-intelectualizadas, passam a hostilizar advogados e tomam o direito à defesa como uma inconveniência. Linchar, entre nós, tornou-se, assim, um verbo que se conjuga em todas as pessoas.
O resultado é que, ao invés da divergência e do debate, temos a calúnia e as ameaças. Seria surpreendente que um contexto do tipo não estimulasse o que há de pior em cada um de nós. Reduzir os linchamentos a uma “crise de confiança” nas instituições é, por isso mesmo, desconhecer a persistência do problema, com o risco adicional de, involuntariamente, se amparar uma “cultura Sherazade”. Linchar é ato de covardes e não se faz justiça com as mãos. A justiça exige, sobretudo, cérebro e coração.
*JORNALISTA
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