JORNAL DO COMÉRCIO 18/11/2014
Advogado fala sobre o porquê de a imagem dos juízes ser atrelada, em alguns casos, a Deus
Wagner Miranda de Figueiredo
A condenação de uma ex-agente de trânsito por afirmar que “juiz não é Deus” vem sendo pautada diariamente pela mídia nacional. A cada dia surge uma nova versão. Estas repercussões levantam questões sobre qual seria o momento certo de um juiz dar voz de prisão a um cidadão. Na busca por esta resposta, o Jornal da Lei conversou com um advogado e com um representante da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Os magistrados do Rio Grande do Sul preferiram não se manifestar sobre o caso.
Primeiro, devemos relembrar o caso. Em fevereiro de 2011, no Rio de Janeiro, o juiz João Carlos de Souza Correa dirigia um automóvel sem placa, sem documentação, e não estava com a habilitação quando foi parado pela ex-agente de trânsito, Luciana Silva Tamburini. A agente informou o juiz que o carro deveria ser apreendido e levado para um pátio do Detran, mas o magistrado exigiu que o veículo fosse para uma delegacia. Durante o desentendimento, Luciana afirmou ao juiz a seguinte frase: “Você não é Deus”. E o juiz retrucou: “Cuidado que posso te prender”. Dito e feito, minutos mais tarde ele daria voz de prisão à agente.
Passados três anos, o caso voltou a ser discutido na sociedade. Na última semana, foi noticiado que os desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) mantiveram, por unanimidade, a decisão inicial do desembargador José Carlos Paes e da 1ª instância, assinada pela juíza Andrea Quintella, que condenaram Luciana ao pagamento de R$ 5 mil de indenização por danos morais ao magistrado.
Procurado pela reportagem para esclarecer se existe algum tipo de tratamento especial a juízes e desembargadores nas blitze do Balada Segura, em Porto Alegre, o assessor da gerência de fiscalização da EPTC, Daniel Denardi, afirma que todos os agentes de trânsito são instruídos a tratarem de forma igual e sem qualquer tipo de diferença todos os cidadãos. “O artigo 5 de nossa Constituição trata da igualdade das pessoas. Então, os nossos agentes recebem orientações baseadas nesSe artigo. Por isso, o trato é o mesmo, não importando se o cidadão tem ou não formação”, pondera.
Denardi ainda explica qual é a forma de recomendação passada aos agentes: “A principal delas é não emitir juízo de valor sobre as pessoas. Em seguida, entender que nenhuma parte é robótica, sendo aceitável o diálogo de forma informal durante a abordagem”.
Por ser uma das principais fontes na construção das notícias, a associação dos magistrados do Rio de Janeiro publicou, em seu site, uma nota oficial sobre este caso, destinada a toda imprensa. Nela, a associação esclarece que qualquer cidadão que seja parado em uma blitz deverá ter um comportamento regular. A nota diz ainda que “a associação também acredita que o agente público envolvido nessa situação deve tratar com respeito e urbanidade, qualquer pessoa, independente se for autoridade ou não”.
Quando a imagem do juiz é atrelada a Deus
Para o advogado criminalista Alexandre Wunderlich, a questão toda é o poder. “As relações no mundo são permeadas de poder e o magistrado detém um poder, que o da decisão sobre os litígios. E por ninguém estar imune ao Poder Judiciário, isso pode ter alguma correlação com o que a ex-agente fez no momento da abordagem, quando afirmou que o juiz não era Deus”, imagina.
Wunderlich expõe o seu entendimento sobre o que está sendo contestado neste caso. “Pelo que vi na mídia, o que está sendo bastante criticado é certo corporativismo nesta decisão que impõe a multa à agente de trânsito”, avalia.
Por fim, o advogado reafirma que a abordagem deve ser a mesma para todas as pessoas. “Todos são iguais perante a lei. Com um olhar mais jurídico, todos os atores desta área são iguais, seja advogado, promotor ou juiz. Então, o treinamento do agente público independe de raça, credo ou profissão. Ele deve ser zeloso pelo trabalho dele e agir pela sociedade”, finaliza.
OAB quer afastamento imediato de juiz carioca
A Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro decidiu reagir contra a decisão dos desembargadores que mantiveram a condenação da ex-agente Luciana. Segundo os conselheiros da OAB-RJ, o juiz incorpora o distanciamento e encastelamento de parte do Judiciário que ainda se comporta de forma arbitrária, como se vivesse na ditadura.
A Ordem irá entrar com pedido de afastamento imediato do juiz ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Vamos elaborar uma peça com todas as denúncias para pedir ao CNJ o afastamento do juiz João Carlos”, afirma o presidente da entidade, Felipe Santa Cruz.
A OAB do Rio pretende ainda fazer uma ação conjunta de entidades, a fim de instituir uma campanha nacional para denunciar abusos de magistrados que desrespeitam a Constituição.
ANTONIO PAZ/JC
Denardi conta que os agentes recebem orientação para não emitirem juízo de valor nas abordagens
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