O GLOBO 05/06/2014 0:00
Ministros não precisam nem devem convergir nos votos. Mas precisam convergir em procedimentos que levem à eficiência institucional
Ao Supremo não lhe falta nada. Tem orçamentos aprovados. Mais de 1.500 servidores. Recursos financeiros e tecnológicos suficientes. Bons salários. Ministros com automóvel, motorista, viagens e publicações como queiram. Muito bom sistema de estatísticas. Instalações físicas deslumbrantes. Tem o respeito dos demais poderes. Tem um crescente mercado: as partes, os cidadãos, precisam desesperadamente dele.
Por que então é tão lento? Não consegue produzir decisões com a agilidade que dele esperam as leis, a sociedade e a democracia? O que lhe falta? Antes de colocar a culpa no Congresso, que decide nosso direito processual, talvez fosse bom analisar a gestão interna do próprio Supremo.
Imaginem uma empresa, país, ou instituição que mude de presidente a cada dois anos. Que cada presidente somente execute um orçamento no seu mandato. Que, para tomar qualquer decisão administrativa relevante, o presidente precise do voto de todos os 11 conselheiros. Que o conselho seja centralizador. Que qualquer conselheiro pode desobedecer às decisões, mesmo tendo sido amplamente derrotado. E que contrariar a maioria não lhe traz incômodo algum. Que os conselheiros são inamovíveis. Mas de gerações diferentes. Formações diferentes. Objetivos diferentes. Visões distintas.
Com este modelo de governança a lentidão é um destino. Esta instituição é o Supremo.
O que um ministro do Supremo tem a ver com isto?
Nada. Aliás, tudo. Nem são administradores, e nem um ministro é responsável individualmente. Mas todos herdaram e praticam esta governança inadministrável, feita historicamente por camadas superpostas de ineficiências anônimas e caóticas. Aliás, é bom tomar cuidado. A história, como diz o Piketty, economista da moda, pode devorar o futuro.
Permitam um exemplo para ilustrar esta antigovernança. Em 2007 implantou-se o mecanismo da repercussão geral. Semelhante ao que bem funciona nos Estados Unidos. Ou seja, como existem muitos casos com teses iguais, julgam apenas uma, que terá repercussão geral sobre os milhares de outros casos iguais. Assim, julgando-se uma tese, decide-se milhares de processos. Óbvio.
Para tanto, o Supremo teria de fazer três procedimentos. Primeiro, listar, pinçar, escolher as teses a serem julgadas e merecedoras de repercussão geral. Escolhida a tese como, por exemplo, a obrigatoriedade, ou não, de o Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo, o Supremo faria o segundo procedimento: decidiria se a tese é certa ou não. Finalizava, mandando os tribunais aplicarem a sua decisão aos milhares de casos iguais, que instantaneamente despareceriam.
Simples, não? Não.
Em sete anos o Supremo escolheu 512 teses merecedoras de repercussão geral. Ou seja, uma média de 73 por ano. Mas julgou somente 174 das 512 escolhidas. Um déficit total de 338, ou 48 por ano.
O problema é que, enquanto não julga os restantes 338 escolhidos, os processos iguais estão suspensos. Param. Hoje, pelo site do Supremo, existem 685.034 processos parados. Provavelmente mais de um milhão de interessados estão com a vida em suspenso.
Os processos não seguem o lento rito normal, nem são beneficiados pela inovação anunciada e prometida. E não vinda. A fila cresce, mas não anda.
Ministros não precisam nem devem convergir nos votos. Mas precisam convergir em procedimentos que levem à eficiência institucional. Até o Supremo americano tem metas a cumprir. A cada ano eles se comprometem a julgar um determinado número de ações. E julgam.
Se o Supremo se comprometeu com a repercussão geral, que a faça bem funcionar. A sociedade, o Executivo e o Congresso têm lhe dado tudo o que pede e necessita.
Joaquim Falcão é professor da FGV Direito Rio
Nenhum comentário:
Postar um comentário