MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

DISCURSO DE ABERTURA FAZ UM RELATO DAS AÇÕES POSITIVAS E NEGA CRISE NO JUDICIÁRIO


ÍNTEGRA DO DISCURSO DE ABERTURA DO ANO JUDICIÁRIO DE 2012 - Min. CEZAR PELUSO, Presidente do STF e do CNJ - 01/02/2012

Pelo segundo ano consecutivo, tenho a honra de, nesta sessão solene de abertura dos trabalhos institucionais, dirigir-me à Nação, em nome do Supremo Tribunal Federal e do Poder Judiciário, perante os dignos representantes dos Poderes Legislativo e Executivo e do Senhor Procurador-Geral da República, em celebração tipicamente republicana, que se renova há 8 anos.

Otimista por convicção e agora detentor de alguma maturidade e experiência profissional que, a cada década, o tempo insiste em acrescer-nos à vida, submeto,antes que resultados, algumas reflexões à consideração, sobretudo, de todas as pessoas que, destituídas de preconceitos e dotadas de perspectiva histórica, guardam espírito crítico e objetivo para, na lição de Bobbio, compreender antes de julgar e julgar antes de criticar fatos e instituições.

Temos ouvido, com surpresa, que o Poder Judiciário está em crise. Os mais alarmistas não excepcionam sequer os outros dois Poderes da República. Confesso que, alheio ao hábito da só visão catastrófica dos homens e das coisas, não é assim que percebo o País, nem o Poder Judiciário.

O grande magistrado e jurista, Eugênio Raúl Zaffaroni, já no final da década de 90,advertia com absoluta clareza a necessidade de nos livrarmos da superstição difusa da crise judiciária, porque, “dentro da relatividade do mundo, o ideal não legitima a perversão do real”. Sábias palavras, estas.

Não somos um povo sem memória, nem olhos para ver. Dentro de poucos dias, comemoram-se vinte anos da apresentação, no Congresso Nacional, da emenda conhecida como Reforma do Judiciário (PEC 96-A/1992).

Desde sua aprovação e promulgação (EC nº 45 de 2004), não foram raras as ocasiões em que aplaudimos todos, com entusiasmo, os notáveis avanços que propiciou. No seu traçado, o trajeto tem sido longo e pedregoso. Do tempo em que, como bordão de uso eleitoral, se depreciou o sistema tachando-o de caixa preta, conquanto historicamente sempre mais translúcido e fiscalizado que seus congêneres, passando pelo colapso da demanda, quando atingimos a insólita proporção de um processo para cada dois brasileiros, transpusemos grandes incertezas e começamos a construir o futuro.

Nessas duas décadas, transformou-se o Judiciário. É hoje visível serviço público presente na sociedade brasileira, tão presente, ou, decerto, mais que os serviços da saúde pública, da educação e da segurança, como não o podem desmentir os índices disponíveis de atendimento. E nenhum outro serviço público evoluiu tanto em
todos os sentidos.

Lembro-me bem de, para não ser longo, ter relevado no ano findo, na abertura do ano judiciário, dois importantes aspectos dessa vultosa empresa que chamei de a revolução silenciosa do Judiciário. Qualifiquei como inegáveis, não só o esforço extraordinário de que deram prova juízes e tribunais, mas, acima de tudo, o empenho e a sinergia que os comprometeram a todos na prestação da tutela jurisdicional, sob as múltiplas dimensões em que essa tarefa se desdobra. Asseverei que foi preciso boa dose de coragem para reconhecer fragilidades, confessar desacertos, confrontar carências e propor-lhes remédios viáveis, calcados em experiências controladas e possibilidades não temerárias, nem aventureiras.

Acima de tudo, porém, dei-lhes testemunho de que, durante a Conferência Mundial sobre Justiça Constitucional, que, realizada no Rio de Janeiro, no primeiro mês daquele ano, contou com a presença de mais de 350 pessoas na condição de presidentes e representantes de cortes constitucionais de todo o mundo, traços peculiares da nossa Justiça provocaram declarações públicas do mais vivo reconhecimento estrangeiro, como a transparência dos julgamentos transmitidos, em tempo real, pela TV Justiça, o desempenho extraordinário da Justiça Eleitoral, a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e a celebração dos Pactos Republicanos. E nem cogitei, então, de sublinhar que também somos o único Judiciário que, para além da TV, expõe seus atos e números na internet, produzindo o mais elevado nível de legitimidade e transparência que se possa exigir a um ente público.

Aos Pactos referiram-se os presidentes de outras cortes constitucionais como expressão maiúscula do amadurecimento do nosso Estado Democrático de direito, da democracia representativa e da consciência política dos chefes dos Poderes. E prestigiosos constitucionalistas e analistas internacionais já haviam apontado nosso Judiciário como objeto da mais larga demanda, observada no mundo, para solução dos conflitos intersubjetivos.

Nem custa rememorar, como exercício de reconhecimento das significativas conquistas e avanços, alguns benefícios concretos que reforma do Judiciário e, ao depois, esses expressivos arranjos institucionais entre os Poderes da República trouxeram à Nação.

Com a promulgação da EC nº 45/2004, tivemos, dentre outros: a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público; a introdução dos institutos da súmula vinculante e da repercussão geral; a federalização dos crimes contra os direitos humanos; a ampliação das prerrogativas do Ministério Público; e a autonomia funcional e administrativa das defensorias públicas.

Seguiram-se-lhes os Pactos. O primeiro, assinado em 2004, teve por objetivo fundante a construção de um Judiciário mais rápido e mais sensível às demandas da cidadania.

Dele advieram, para combater a morosidade dos processos judiciais, prevenir a multiplicação de demandas em torno do mesmo tema e aperfeiçoar procedimentos, as seguintes inovações e alterações legislativas: a previsão de racionalização de processos repetitivos no STJ; a regulamentação dos institutos da súmula vinculante e da repercussão geral; a vedação aos órgãos da Justiça do Trabalho para conhecer de questões já decididas, salvos os casos expressamente previstos na CLT e a ação rescisória, e a regulamentação do uso do meio eletrônico na tramitação de processos.

A segunda edição foi assinada em abril de 2009 e tinha por fim viabilizar sistema de Justiça mais acessível e efetivo.

Apenas no decorrer de 2010, foram aprovadas doze leis e uma emenda constitucional. Em matéria penal, foi aprovada a realização de interrogatório por meio do sistema de videoconferência; foi criminalizado o ingresso de aparelhos de comunicação móvel em penitenciárias; foi criado, no CNJ, o departamento que monitora e fiscaliza, agora em caráter permanente e sistemático, o cumprimento das resoluções e recomendações relativas às prisões provisórias e definitivas, às medidas de segurança e à internação de adolescentes.

E, aqui, abro parêntese para sobrelevar o fato singular de o programa do chamado Mutirão Carcerário, realizado por juízes do CNJ e convocados ad hoc, ter, só nos últimos 20 (vinte) meses, libertado 21.000 (vinte e um mil) cidadãos presos ilegalmente, sem prejuízo da concessão de incontáveis benefícios legais a que outros
encarcerados faziam jus. Não será demasia compará-lo à libertação de prisioneiros em condições inóspitas de campos de concentração.

Tal obra do Judiciário, insólita no concerto dos países estruturados sob a supremacia da ordem jurídico-constitucional, é, na sua vertente positiva de libertação, motivo permanente de orgulho e de celebração cívica e sintoma exuberante de saúde democrática.

Entre outros temas regulados estão, ainda: a participação de defensores públicos em atos extrajudiciais; a organização da Defensoria Pública da União; a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados e Municípios, e a criação de 230 novas Varas Federais, destinadas à interiorização da Justiça Federal de primeiro grau e à implantação dos Juizados Especiais Federais, no interior do Brasil, medida esta de extrema importância para a população carente.

No ano passado, ainda por ocasião da abertura do ano judiciário, tomei a iniciativa de lançar, de modo formal, a idéia de firmarmos o III Pacto Republicano, para, em substância, dar continuidade ao processo de aprimoramento da ordem jurídica e consolidar a modernização da máquina judiciária. Reprisei tal proposta também na cerimônia de abertura do ano legislativo de 2011.

E, embora não tenhamos assinado a terceira edição, o que, espero, ainda possamos fazer em breve, em 2011 várias medidas já idealizadas foram implementadas: instituição da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT, cuja apresentação tem que anteceder a contratação com o Poder Público; a regulamentação do chamado teletrabalho; a possibilidade de troca de parte da pena dos detentos por estudo ou trabalho; a instituição de medidas cautelares que reconhecem os mecanismos usados pelo juiz durante o processo para garantir a condução da investigação criminal e a preservação da ordem pública, tais como o monitoramento eletrônico e o recolhimento domiciliar no período noturno; a lei que dispõe sobre o processo e julgamento da representação interventiva perante o Supremo Tribunal Federal, e a lei que disciplina o acesso à informação.

À luz desse breve relato, circunscrito à modernização do arcabouço normativo, é, pois, quando menos, exigência de justiça primária reconhecer que os Poderes da República avançaram, a passos largos, em menos de uma década e especialmente nos dois últimos anos, no aprimoramento do Judiciário.

Mas não foi só. Como todos sabemos, ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ, ao lado do exercício do controle administrativo, financeiro e disciplinar dos órgãos e membros da magistratura, compete o planejamento político e estratégico de todo o Judiciário.

Embora as tarefas fiscalizatórias chamem mais a atenção da sociedade, a atuação do CNJ como orientador da política nacional tem sido decisiva para os progressos do Poder Judiciário, especialmente num país continental como o nosso, com tantas diferenças regionais.

Foi o que não me escapou como relator, que fui, da ADI nº 3367-DF, interposta pela AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros.

Em meu voto, que afirmou a constitucionalidade do CNJ, anotei: “(...) sem profanar os limites constitucionais da independência do Judiciário, agiu dentro de sua competência reformadora o poder constituinte derivado, ao outorgar ao Conselho Nacional de Justiça o proeminente papel de fiscal das atividades administrativas e financeiras daquele Poder. A bem da verdade, mais que encargo de controle, o Conselho recebeu aí uma alta função política de aprimoramento do autogoverno do Judiciário cujas estruturas burocráticas dispersas inviabilizam o esboço de uma estratégia político-institucional de âmbito nacional. São antigos os anseios da sociedade pela instituição de um órgão superior, capaz de formular diagnósticos, tecer críticas construtivas e elaborar programas que, nos limites de suas responsabilidades constitucionais, dêem respostas dinâmicas e eficazes aos múltiplos problemas comuns (...).”

Criado em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, é inegável que, nestes quase 7 anos de atuação, com gestores e colaboradores de diferentes perfis, o CNJ tem sido propulsor do desenvolvimento do Poder Judiciário.

A abrangência de seus programas, projetos, ações e campanhas fala por si. Cito alguns já bem conhecidos: Programas: Justiça ao Jovem; Justiça nas Escolas; Advocacia Voluntária; Casas de Justiça e Cidadania; Justiça Aqui (instalado na Comunidade do Complexo do Alemão e da Penha); Gestão Documental - Proname; Espaço Livre; Começar de Novo; Campanhas: Conciliar é a forma mais rápida de resolver conflitos e Maria da Penha; Cadastros Nacionais: de Condenações Cíveis por Atos de Improbidade Administrativa; de Adoção; de Crianças e Adolescentes Acolhidos e de Entes Públicos; Projeto: Cidadania - Direito de Todos; Mutirões: Judiciário em Dia; Mutirão da Cidadania; Mutirão da Conciliação; Projetos e Ações: Calculadora de Execução Penal; Geopresídeos – Radiografia do Sistema Carcerário; Justiça em Números – Indicadores do Poder Judiciário; Numeração Processual Única; Tabelas Processuais Unificadas e PJe – Processo Judicial eletrônico. Ainda há muito por avançar. Este fato, porém, não deve obscurecer os progressos já alcançados.

Como escreveu o poeta espanhol António Machado, “caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”. E, para a construção do caminho do Judiciário, o debate público é mais do que bem-vindo. É fundamental. Saliento, contudo, um aspecto que me parece ausente no presente contexto: o debate atual é resultado dos progressos obtidos pelo Judiciário, e não, sintoma de crise ou deficiência do sistema. O aumento da transparência e a abertura do Judiciário às contribuições dos outros Poderes e da sociedade é que estão à raiz do debate sobre a modernização já em curso.

A verdade é que o Poder Judiciário - tido por muitos, antes da reforma, como periférico e opaco -, assumiu grandiosa dimensão político-institucional, entrando a ocupar espaço substantivo nos debates nacionais e a inquestionável condição de fiador da consolidação do processo democrático.

A explosão de demandas, havida nos últimos 20 anos, de um lado revela uma sociedade mais consciente de seus direitos, e, de outro deixa transparecer que o Judiciário ainda é percebido como a instância extrema de que dispõe o cidadão para ver assegurados, dentre outros, direitos fundamentais mínimos, como saúde e educação. A magistratura deu vida aos direitos dos consumidores, das crianças, dos adolescentes, das mulheres, do meio ambiente, da cidadania. Com isso, aumentou a segurança jurídica, gerando confiança aos investimentos estrangeiros e ao empresariado nacional, como fator importante no processo de desenvolvimento socioeconômico, e tornou-se mais racional o sistema a serviço do jurisdicionado.

É, como se fora contradição, neste âmbito aparentemente acanhado da rotina, que o Poder Judiciário revela seu papel essencial na garantia e no desenvolvimento do projeto de convivência ética, em que se traduz e resume a extraordinária experiência da vida humana em sociedade. Ao propósito, muitos anos atrás, em discurso de
saudação a novos magistrados paulistas, em nome da banca examinadora, ponderei com atualidade: “Disseram alhures que é medíocre e inofensivo vosso poder, como delegados do povo e defensores das liberdades públicas. De fato o é, se sois tentados a embriagar-vos com um prestígio desproporcional. Mas é grande e insubstituível, se tendes consciência viva de que, no seu exercício modesto e cotidiano, esquecido pelas temáticas retumbantes da sociologia do poder, renovais o milagre quase imperceptível da concretização histórica do Estado Democrático de direito, cuja característica básica está em submeter a todos, governantes e governados, sem distinção de classes ou estamentos, cargos ou posições, ao império soberano do ordenamento jurídico, concebido como emanação regrada e estável da vontade popular.

Infeliz do povo que o não percebe nem defende. Desventurado o juiz que o não compreende nem observa.

Obrigar a pagar a quem deva, livrar o inocente, dividir o acervo aos herdeiros discordantes, reparar a honra violada, reempossar o esbulhado, condenar o criminoso, é esse poder, medíocre e inofensivo, se quiserem, que nos salva do arbítrio, garantindo-nos a certeza de uma ação fiel a si mesma e sem a qual a vontade humana se torna errática e dispersa, e cada pessoa se degrada em objeto da ação alheia.”

É, para além da grave tarefa de contenção do poder legal instituído, essa função ordinária, diuturna, quase oculta, mas insubstituível em termos democráticos, desempenhada com independência e coragem, que o assassinato de quatro magistrados em passado próximo, em razão de seu exercício, não arrefeceu nem intimidou, que a magistratura reafirma, quotidiana e silenciosamente, os valores supremos da vocação e da vivência democráticas, assegurando a cada homem, qualquer que seja a condição social ou econômica, as condições mínimas de realização de seu projeto histórico pessoal e, pois, da consciência de sua dignidade como ser humano. Esse mister não tem preço, nem sucedâneo.

Fomos alçados à posição estratégica de árbitro efetivo entre os outros dois Poderes e entre estes e a sociedade. E o que nos legitima a ocupar esse papel é a sujeição incondicional dos juízes à Constituição. Porque os direitos fundamentais são garantidos a todos e a cada um, ainda contra as expectativas ou pretensões da maioria, a independência do Poder Judiciário tanto mais se afirma quanto seja maior sua capacidade de atuar contramajoritariamente.

Não é por outra razão que, em tempos de tão profundas transformações políticas, sociais e econômicas, o Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, tem sido acionado para o julgamento de variados assuntos de relevância para o País: demarcação de terras indígenas, importação de pneus, realização de pesquisas com células-tronco embrionárias, sistema de cotas no âmbito do ensino, manifestações em favor da descriminalização do consumo de drogas, união homoafetiva, voto impresso, a chamada “lei da ficha limpa”, entre outros.

Li com muita satisfação, que ora divido com os Senhores, a análise dos renomados constitucionalista e professores, Luis Roberto Barroso e Eduardo Mendonça, sobre a atuação desta Corte em 2011. Em artigo intitulado “STF foi permeável à opinião pública, sem ser subserviente”, assinalaram:

“O Judiciário deve ser permeável à opinião pública, o que não significa que deva ser subserviente. O diálogo de que se falou não pode se converter em um monólogo à moda de sermão, em que magistrados iluminados revelam ao povo a verdade do Direito. Por outro lado, tampouco se espera que eles decidam pensando nas manchetes do dia seguinte ou reagindo às do dia anterior, o que os transformaria em oficiais de justiça das redações de jornal. O que se tem, portanto, é um equilíbrio delicado e dinâmico, em que se alternam momentos de ativismo e contenção, bem como momentos de alinhamento e desalinhamento com a vontade majoritária. (...)

Por outro lado, o STF teve a firmeza necessária para, em diversos momentos, atuar de forma genuinamente contramajoritária, e isso em questões de grande repercussão. Foi o caso da decisão histórica que reconheceu as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, em que a Corte se posicionou de maneira enfática a favor da tese que desagradava cerca de metade da população brasileira, em diferentes graus de intensidade. E mais ainda no julgamento em que se decidiu pela inaplicabilidade da chamada Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010 por conta da anterioridade eleitoral prevista no art. 16 da Constituição.”

O papel dito antimajoritário ou contramajoritário, em especial, das cortes constitucionais, não significa apenas dever de tutelar direitos das minorias perante risco de opressão da maioria, mas também de enfrentar, não críticas ditadas pelo interesse público, mas pressões impróprias tendentes a constranger juízes e ministros a adotarem interpretações que lhes repugnam à consciência. O dissenso hermenêutico faz parte da discutibilidade das questões jurídicas, na 11 vida republicana. Pressões, todavia, são manifestação de autoritarismo e desrespeito à convivência democrática.

Pois bem. O Poder Judiciário ganhou estatura, enfrentou reformas, aproximou-se da sociedade, mas não é perfeito. Ainda que uma vida exemplar e irrepreensível em todos os aspectos constitua, para os magistrados, como faz muitos anos o apregoo, um horizonte ou ideal permanente, a perfeição não é predicado inato de nenhum segmento da sociedade, composta por seres todos irremediavelmente falíveis. É desta matéria prima comum, gravada por tendência filogenética perversa, que certa concepção religiosa denomina de pecado original, que é formada a magistratura, tão imperfeita, nos ingredientes humanos, quanto todos os demais estratos da sociedade, sem exceção alguma, mas cuja assombrosa maioria guarda, com fidelidade, os princípios morais na profissão.

Não surpreende, pois, se ressinta de defeitos, alguns arraigados, e não seja invulnerável à corrupção. Mas esta, a corrupção, não é objeto de geração espontânea, nem o resultado de forças estranhas à dinâmica social, senão que é produto mesmo das sociedades cuja cultura está em privilegiar, como objetivo primordial da vida, a conquista e o acúmulo, por qualquer método, de bens materiais, em dano do cultivo dos valores da ética e da decência pública e privada. Deve, no entanto, como ninguém discorda, ser combatida sem tréguas, segundo os padrões e os limites da ética e do ordenamento jurídico. E é o que, desde as origens, tem feito a magistratura como
instituição, a qual foi a primeira a criar, há séculos, na vigência ainda das Ordenações Afonsinas, as corregedorias ou os juízes corregedores, com o propósito específico de velar pela integridade de uma função indispensável do Estado. A Controladoria-Geral da União data de poucos anos e, a despeito de ser hoje comandada por impoluto juiz de direito aposentado, que nela continua a honrar sua toga, dispõe de competência curta e ação limitada. As corregedorias do Congresso não são muito mais antigas, nem mais poderosas. Nenhum dos Poderes da República se reveste do portentoso aparato de controle que, ao lado da ação dos patronos das partes e dos 12 representantes do Ministério Público, no âmbito dos processos, cerca o Judiciário mediante as corregedorias locais e dos tribunais superiores e do Conselho Nacional de Justiça, que é, à margem do contexto teórico do equilíbrio constitucional, o único órgão integrado por agentes externos a exercer contínua e rigorosa fiscalização do próprio Poder.

E, no debate apaixonado em que se converteu questão jurídica submetida ao juízo desta Corte, acerca do alcance e limites das competências constitucionais do CNJ, perde-se de vista que seu âmago não está em discutir a necessidade de punição de abusos, mas apenas em saber que órgão ou órgãos deve puni-los. Entre uma e outra coisas vai uma distância considerável.

Convém chamar a atenção para um segundo aspecto que ressalta a artificialidade da propalada crise corrente do Judiciário. A despeito de suas deficiências reais que, consoante dados irretorquíveis, vem logrando superar no ritmo de suas forças e recursos morais e materiais, o sistema judicial não perdeu a credibilidade no desempenho da função jurisdicional e do seu papel de pacificador dos conflitos sociais, como o demonstra a já mencionada explosão de demandas judiciais. Para não ser ainda mais prolixo, limito-me a registrar que, segundo as estatísticas provisórias do programa Justiça em Números, cujas informações só se completarão em fins do corrente mês (art. 3º da Resolução nº 76/2009), as sentenças proferidas só no primeiro semestre do ano passado atingiram, como reflexo da inacreditável e crescente quantidade de causas pendentes, a cifra de 11.660.237, que, por estimativa, deve superar as 22.788.773 prolatadas no ano anterior. Em 2010, havia 60.178.413 causas pendentes, tendo-se observado, em 2011, um aumento aproximado de 4.000.000 de processos em curso. O povo confia, pois, na Justiça brasileira. Se não confiasse, não acorreria ao Judiciário em escala tão descomunal.

E, como vimos brevemente, tem razões de sobra para confiar neste que é, conforme com todos os dados estatísticos e os notórios avanços institucionais, o melhor Judiciário que já teve o País, 13 sobretudo com a responsabilidade de resolver conflitos de uma sociedade ainda desigual, cuja ansiedade acumulada a leva a cobrar injustiças de tempos passados, a título de reparação. Nenhum, nenhum dos males que ainda atormentam a sociedade brasileira pode ser imputado ao Poder Judiciário. Nem sequer o sentimento legítimo de impunidade, que se deve menos à inércia natural dos órgãos jurisdicionais que a um conjunto de fatores e atores independentes. Juiz não faz inquérito, nem produz prova de acusação. Nem a Justiça criminal foi inventada só para punir, senão para julgar segundo a lei.

Após mais de 44 anos de magistratura e já próximo de, com a fronte erguida, deixar esta Corte, quero assegurar a todos os cidadãos brasileiros, que, servindo-lhes aos projetos de uma vida digna de ser vivida, os juízes continuaremos a cumprir nossa função com independência, altivez e sobranceria, guardando a Constituição e o ordenamento jurídico, sem prescindir da humildade e da coragem necessárias às correções de percurso e ao aperfeiçoamento da Justiça, mas também sem temor de defender, com a compostura que nos pede o cargo, a honradez de nossos quadros e o prestígio da instituição.

Só uma nação suicida ingressaria voluntariamente em um processo de degradação do Poder Judiciário. Esse caminho nefasto, sequer imaginável na realidade brasileira, conduziria a uma situação inconcebível de quebra da autoridade ética e jurídica das decisões judiciais que, aniquilando a segurança jurídica, incentivando violência contra os juízes e exacerbando a conflitualidade social em grau insuportável, significaria retorno à massa informe da barbárie. Não é esse o nosso destino. Com estas palavras, dou por aberto o ano judiciário de 2012. Bom trabalho a todos.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Este documento merece ser bem analisado a luz da visão daqueles que precisam do amparo e da eficácia da justiça para salvaguardar direitos e cumprir deveres. Merece referência em artigos e debates. Tem razão o Presidente na conclusão do seu discurso ao alertar que a "degradação do Poder Judiciário" é um ato "suicida" para uma nação que pretende ser livre, republicana e democrática. Entretanto é preciso olhar para o próprio umbigo, pois a "quebra da autoridade ética e jurídica das decisões judiciais" que vem "aniquilando a segurança jurídica, incentivando violência contra os juízes e exacerbando a conflitualidade social em grau insuportável" tem sua origem dentro do Poder Judiciário a partir das mazelas que alimentam um comportamento corporativista, decisões divergentes, postura burocrata, ligações distanciadas, transitado em julgado nas cortes supremas, medidas baseadas na convicção pessoal dos juízes, submissão política, distanciamento das questões de ordem pública, incapacidade de atender a demanda e conivência com leis arcaicas e benevolentes que estimulam a corrupção, a insegurança pública, a inutilidade dos esforços sociais, policiais e do MP, a impunidade impedem a aplicação coativa das leis. Entre outras. Isto sim, está levando o Brasil à "barbárie", à injustiça, ao desmando, ao desrespeito às leis e ao descrédito da justiça.

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