JORNAL DO COMÉRCIO - 26/02/2015
Paulo César Velloso Quaglia Filho
Vive-se, nos últimos tempos e em especial a partir do surgimento das chamadas demandas judiciais de massa, um surrealismo processual, sob a luz do qual, tristemente, pelo exponencial crescimento no número de processos e pela concomitante imposição de uma impostergável celeridade, parece se estar cada vez mais sobrepujando a qualidade do trabalho em nome de uma sociedade tecnicista e estatística, que relega os valores humanos e o próprio fim do direito (a almejada justiça) a segundo plano, tratando um instrumento de pacificação social, que é o processo, como um fim em si mesmo, cultuando-se a produtividade, analisando-se as causas de forma pré-moldada, robotizada e pasteurizada, em detrimento, muitas das vezes, da realidade concreta, da lide real posta em debate.
O modelo referido contamina e vem ajudando a criar uma situação generalizada de abstração alienante, que tem as mais variadas causas e origens: leis inadequadas, condutas reprováveis, insuficiência da estrutura material e pessoal, instantaneidade da vida pós-moderna etc. situação essa imposta a todos os operadores do Direito, que, em tal contexto, assim como as partes, são certamente mais vítimas que protagonistas. Esse modelo estatístico, padronizado e robotizado não pode continuar a prevalecer, sob pena de se desmoralizar definitivamente a Justiça.
De fato, se o Direito não servir mais como instrumento para se efetivar a justiça (entendida como a solução jurídica mais correta possível para o caso concreto, respeitadas as peculiaridades de cada tipo de causa, a coerência do sistema jurídico, a consistência das argumentações e que não pode descurar, também, de uma responsabilidade consequencialista para com as soluções perseguidas), se o processo não for encarado como a vida das pessoas envolvidas, e se, enfim, os operadores do Direito não tiverem a empatia de, lembrando Kant, “tratar as causas como gostariam de ser tratados”, então se perde a utilidade do Direito, chegando o momento de findar o Estado e as instituições, pois o nosso “contrato social”, o nosso método racional de persuasão pelo argumento lógico e pela dialética, terá sumido no túnel do tempo da pós-modernidade e da instantaneidade da vida contemporânea.
A alteração dessa realidade passa, porém, também por uma mudança de atuação e pela atitude ética, nos níveis profissional e institucional, de todos, “partes e operadores do Direito”.
Procurador do Estado do Rio Grande do Sul
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