Promotores e procuradores terão que pedir autorização à Justiça Eleitoral para abrir apurações de suspeita de caixa dois, compra de votos, abuso de poder econômico, difamação e várias outras práticas
10 de janeiro de 2014 | 20h 53
Andreza Matais e Fabio Fabrini - O Estado de S. Paulo
O Tribunal Superior Eleitoral tirou do Ministério Público o poder de pedir a instauração de inquéritos policiais para investigação crimes nas eleições deste ano. A partir de agora, promotores e procuradores terão de pedir autorização à Justiça Eleitoral para abrir uma apuração de suspeita de caixa dois, compra de votos, abuso de poder econômico, difamação e várias outras práticas.
Dida Sampaio/Estadão
Atual presidente do TSE, ministro Marco Aurélio foi o único contrário à decisão da Corte
Até a eleição de 2012, o TSE tinha entendimento diferente. As resoluções anteriores que regulavam as eleições diziam: "o inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante requisição do Ministério Público ou da Justiça Eleitoral".Para o pleito de 2014, os ministros mudaram o texto: "o inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral".Ou seja, o Ministério Público foi excluído.
O relator da nova norma, ministro José Antonio Dias Toffoli, que irá assumir o comando da corte em maio, afirma que o tribunal mudou o entendimento histórico por duas razões: processos que não tinham o aval inicial da Justiça estavam sendo anulados; outra razão, garantir maior transparência. "O Ministério Público terá que requerer à Justiça. O que não pode haver é uma investigação de gaveta, que ninguém sabe se existe ou não existe. Qualquer investigação, para se iniciar, tem que ter autorização da Justiça", diz. "A polícia e o Ministério Público não podem agir de ofício."
O atual presidente do tribunal, ministro Marco Aurélio Mello, foi o único contrário à restrição na corte ao considerar que "o sistema para instauração de inquéritos não provém do Código Eleitoral, mas sim do Código Penal, não cabendo afastar essa competência da Polícia Federal e do Ministério Público."
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, afirmou que a medida é inconstitucional. "Se o MP pode investigar, então ele pode requisitar à polícia que o faça. Isso também é parte da investigação", afirmou. A associação não descarta ingressar com medida judicial para derrubar a norma.
A nova regra, válida apenas para as eleições de 2014, foi publicada no Diário de Justiça no dia 30 de dezembro e aprovada pelo plenário em sessão administrativa 13 dias antes. O site do TSE divulgou a aprovação da norma à meia noite e vinte do dia 18 de dezembro. Neste ano, serão eleitos presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e estaduais.
Para o ministro Dias Toffoli, a medida não irá atolar os juízes eleitorais de processos. "A Justiça nunca faltou." Às vésperas da eleição de 2012, contudo, o TSE ainda analisava cerca de 1.700 processos referentes a eleição de 2008, mais da metade de corrupção eleitoral. A Procuradoria Geral da República informou que não tem um levantamento de quantos desses processos foram instaurados por iniciativa do Ministério Público.
A Polícia Federal também protestou quanto a medida. Para a instituição, contudo, a regra já vale há mais tempo. Em audiência pública no TSE, realizada no ano passado, o delegado Célio Jacinto dos Santos sugeriu que fosse permitido ao órgão abrir inquérito sem a necessidade prévia de requisição ao Ministério Público ou à Justiça Eleitoral. No entanto, o ministro Dias Toffoli ponderou: "Qual a dificuldade da Polícia Federal em encaminhar um ofício ao Ministério Público ou à Justiça Eleitoral fazendo essa requisição?". Procurada, a PF disse que não iria se manifestar.
Para o juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), organização que propôs ao Congresso a Lei da Ficha-Limpa após ampla coleta de assinaturas, a decisão é equivocada e pode trazer prejuízo à apuração de irregularidades nas eleições deste ano.
"O Ministério Público precisa de liberdade para agir e deve ter poder de requisição de inquéritos. Assim é em todo o âmbito da Justiça criminal e da apuração de abusos. Não faz sentido que isso seja diminuído em matéria eleitoral. Pelo contrário, os poderes deveriam ser ampliados, porque o MP atua justamente como fiscal da aplicação da lei", critica.
Na visão do magistrado, a regra introduzida pelo TSE este ano é inconstitucional, pois "cria uma limitação ao MP que a Constituição não prevê". "O MP tem poderes para requisitar inquéritos, inclusive exerce a função de controle externo da atividade policial. Entendo que só com uma alteração constitucional se poderia suprimir esses poderes", explica.
Além da questão legal, Reis avalia que a resolução pode contribuir para abarrotar os escaninhos da Justiça Eleitoral. "Em lugar de diminuir, isso vai aumentar o número de demandas apresentadas diretamente ao Judiciário. Vai de encontro a alternativas de agilização e de diminuição das ações", afirma.
O MCCE monitora abusos cometidos na corrida pelo voto. Uma das principais preocupações em ano de eleições gerais, como 2014, é a compra do apoio de lideranças políticas que exercem influência sobre eleitores. "É a compra de votos no atacado", exemplifica Marlon Reis.
'O que custa ao promotor requerer à Justiça?'
Aos 46 anos, e integrando o Tribunal Superior Eleitoral desde 2009, o ministro José Antonio Dias Toffoli prepara-se para assumir, em maio, o comando da corte - o que fará dele uma figura central para decidir as pendências legais na campanha eleitoral que o País viverá até outubro.
Vice-presidente do tribunal desde novembro passado, ele entende que o Ministério Público deve se submeter ao juiz para pedir um inquérito. "Estão criando uma tempestade em copo d'água", resume sobre queixas dos promotores.
Como ministro do Supremo Tribunal Federal- também desde 2009 - Toffoli destacou-se, em 2012, por votos polêmicos e embates com o relator Joaquim Barbosa. No fim do processo, comparou as penas aplicadas às da Inquisição.
Por que impedir o Ministério Público de requerer investigação policial de crime eleitoral?
É para evitar que haja investigações que depois venham a ser anuladas porque não houve aval do Judiciário. O que custa, ao promotor eleitoral, requerer à Justiça? Nada. Estão criando uma tempestade em copo d'água. Qualquer investigação para se iniciar tem que ter autorização da Justiça.
Mas até 2010, o Ministério Público podia requisitar.
De acordo com o que determina o Código Eleitoral, o poder de polícia é exclusivo do juiz. Isso passa ter um número e passa a ser público.
Esse tipo de providência não acabará dificultando a abertura de uma investigação?
A Justiça Eleitoral nunca faltou no País. O que não pode haver é uma investigação de gaveta, secreta, que ninguém sabe se existe ou não. Estamos em um Estado democrático de direito.
'Se MP pode investigar, pode requisitar à polícia que o faça'
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho de Assis, classifica decisão do Tribunal Superior Eleitora que impede o Ministério Público de requerer investigações policiais de crimes eleitorais de "anódina." "Só quem poderia nos tirar esse poder seria uma norma constitucional", afirma Camanho.
O que o senhor achou da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?
É uma obviedade que o Ministério Público pode determinar, requisitar a abertura de inquérito para a apuração de crimes eleitorais. Na hora em que uma resolução do TSE omite essa possibilidade só há uma leitura possível: é completamente anódina.
O ministro Dias Toffoli disse que a resolução é para garantir a transparência das investigações.
Se, hipoteticamente, em um ou outro caso avulso pecou-se pela falta de transparência, então a resolução deveria ter se esmerado em proclamar a necessidade de uma investigação transparente. É o mesmo que dizer: "Essa investigação não foi transparente. Então, não se investiga. O que é isso?"
A ANPR irá questionar a resolução do TSE?
Existem dois caminhos. O da lógica indica que a regra é completamente anódina para nós e que nós mantemos essa atribuição que decorre de todo o resto do ordenamento jurídico. Agora, se dessa omissão começar aparecer questionamentos quanto à atribuição do MP me parece previsível que a própria resolução seja questionada. Só quem poderia nos tirar esse poder é uma norma constitucional. Se o MP pode investigar, então ele tem o poder de requisitar à polícia que o faça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário