MAZELAS DA JUSTIÇA

Neste blog você vai conhecer as mazelas que impedem a JUSTIÇA BRASILEIRA de desembainhar a espada da severidade da justiça para cumprir sua função precípua da aplicação coativa das leis para que as leis, o direito, a justiça, as instituições e a autoridade sejam respeitadas. Sem justiça, as leis não são aplicadas e deixam de existir na prática. Sem justiça, qualquer nação democrática capitula diante de ditadores, corruptos, traficantes, mafiosos, rebeldes, justiceiros, imorais e oportunistas. Está na hora da Justiça exercer seus deveres para com o povo, praticar suas virtudes e fazer respeitar as leis e o direito neste país. Só uma justiça forte, coativa, proba, célere, séria, confiável, envolvida como Poder de Estado constituído, integrada ao Sistema de Justiça Criminal e comprometida com o Estado Democrático de Direito, será capaz de defender e garantir a vida humana, os direitos, os bens públicos, a moralidade, a igualdade, os princípios, os valores, a ordem pública e o direito de todos à segurança pública.

sábado, 29 de novembro de 2014

PENTE-FINO NAS CONTAS DE DILMA

REVISTA ISTO É N° Edição: 2349 | 28.Nov.14


Como o ministro Gilmar Mendes, do TSE, pretende fazer uma devassa na contabilidade de campanha da presidente reeleita

Izabelle Torres



O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciou uma nova fase no tratamento dado às prestações de contas dos candidatos. O ministro Gilmar Mendes, relator do processo que fará um pente-fino na contabilidade de campanha da presidente Dilma Rousseff, mobiliza desde a última semana uma equipe de dez técnicos requisitados da Receita Federal, do Banco Central e do Tribunal de Contas da União (TCU). Pela familiaridade que esses funcionários possuem com números e dados fiscais de empresas, o ministro acredita que eles podem analisar mais rapidamente a veracidade do que fora informado pelo PT. No caso da Receita, por exemplo, a ideia é verificar se a empresa doadora possui capacidade contábil para as doações ou se o prestador de serviço apresentava dados fiscais coerentes.


LUPA
Dez técnicos requisitados da Receita Federal, do Banco Central e do TCU
ajudarão Gilmar Mendes a emitir um parecer até o dia 11

Na semana passada, o ministro se reuniu com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para solicitar um técnico do órgão e abrir um canal de parceria. Nas mãos do BC estão informações determinantes para apurar a origem das receitas e o fluxo de capitais das empresas doadoras no exterior. Com a Operação Lava Jato em andamento e repleta de depoimentos de acusados afirmando que contas bancárias foram abertas no exterior para desviar recursos da Petrobras, o acesso ao mapeamento das quantias que entraram no Brasil por meio dessas empresas pode representar um grande avanço na análise da origem do dinheiro que abastece as campanhas políticas. Já o TCU vai trabalhar com o foco nas possíveis relações entre empresas contratadas pelo poder público e as doações para a campanha do partido de Dilma Rousseff.



O relator tem até o dia 11 para emitir um parecer sobre as contas eleitorais da presidente reeleita. Na semana passada, Gilmar Mendes mandou dar publicidade às notas fiscais apresentadas pelo comitê financeiro da candidata, em vez de permitir acesso apenas aos CNPJs dos colaboradores e aos valores finais das doações. Funcionários do TSE já estão trabalhando na digitalização de cerca de 300 páginas de documentos, incluindo dados de empresas doadoras, fornecedores e prestadores de serviços da campanha. A publicidade desses dados permitirá que órgãos de controle, entidades civis e sociedade conheçam as entranhas da campanha feita pela candidata reeleita, cujos gastos ultrapassaram R$ 350 milhões.


SERÁ QUE VAI?
Na semana passada, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini,
foi convocado para ajudar o ministro Gilmar Mendes

O empenho de Gilmar Mendes em apurar a fundo os detalhes da prestação de contas apresentada por um candidato a presidência reeleito deve lançar luz sobre um mundo de números e contabilidades tratado burocraticamente há anos, embora suas irregularidades sejam capazes de impedir em último caso até a diplomação do eleito. Mesmo sobre a artilharia do PT e dos partidos aliados contrários a mudanças no modo de operar do TSE, a apuração detalhada e a publicidade dos dados contábeis apresentados representam um grande avanço da democracia. Se os demais ministros que relatam os processos de prestações de contas de outros candidatos seguirem o novo rito, será possível vislumbrar campanhas mais limpas e doações que não sejam oriundas dos desvios de recursos públicos para irrigar campanhas de quem quer que seja.

Fotos: Roberto Jayme/Asics/TSE; Fabio rodrigues pozzebom/ ABr

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

DEPOIS DE 13 ANOS, A CONDENAÇÃO



ZERO HORA 26 de novembro de 2014 | N° 17995


SOLEDADE CRIME E CASTIGO



Júri condena mandante de chacina a 118 anos de cadeia


Em um julgamento que se arrastou por quase 12 horas, o pecuarista Mairol Batista da Silva, 41 anos, foi condenado, ontem, a 118 anos de prisão pela morte de seis pessoas e por uma tentativa de homicídio, ocorridas há 13 anos no interior de Soledade. O crime que chocou a região teria sido motivado por uma suposta desavença por terras no município, localizado no norte do Estado.

Segundo o Judiciário de Soledade, como ainda cabe recurso da decisão, Silva, que sempre negou envolvimento nas mortes, permanece em liberdade – o réu já vinha respondendo ao processo nessa condição. Procurado, o advogado de defesa de Silva, Osmar Teixeira, não retornou aos contatos da reportagem até o fechamento desta edição.

A demora no julgamento foi provocada por diversos fatores, incluindo a exumação do corpo do autor da chacina, o peão Márcio Camargo, à época com 21 anos. Conforme denúncia do Ministério Público, Camargo teria assassinado a tiros o patrão dele e dono da Fazenda Santo Augusto, o comerciante Augusto Ricardo Ghion, a mulher dele, Liamara Ghion, uma sobrinha dela, Ana Cavalli, o capataz da fazenda, Olmiro Graeff, a mulher dele, Iranês Graeff, e o filho do casal Alexsandro Graeff. A única sobrevivente da matança foi uma filha do comerciante, com 13 anos na época, que, ferida na cabeça e nas costas, só sobreviveu porque se fingiu de morta.

Ao ser preso, o peão confessou ter sido contratado por Silva para matar Ghion e quem estivesse na fazenda, onde trabalhava havia dois anos. Camargo, que esteve preso por dois anos, fugiu da penitenciária em julho de 2003 e apareceu morto após se envolver em um assalto. Ao longo dos 13 anos, além de Camargo, outras seis pessoas ligadas direta ou indiretamente ao caso morreram.

O julgamento foi presidido pela juíza Karen Luise de Souza Pinheiro. A acusação estava a cargo dos promotores Tânia Maria Bitencourt e Fabiano Dallazen, que ainda contaram com o apoio de dois assistentes, os advogados Nereu Lima e Paulo Pedroso.

CONDENAÇÃO DE AGENTE DE TRÂNSITO LEVANTA QUESTÕES SOBRE DIREITOS E DEVERES DOS MAGISTRADOS



JORNAL DO COMÉRCIO 18/11/2014


Advogado fala sobre o porquê de a imagem dos juízes ser atrelada, em alguns casos, a Deus


Wagner Miranda de Figueiredo




A condenação de uma ex-agente de trânsito por afirmar que “juiz não é Deus” vem sendo pautada diariamente pela mídia nacional. A cada dia surge uma nova versão. Estas repercussões levantam questões sobre qual seria o momento certo de um juiz dar voz de prisão a um cidadão. Na busca por esta resposta, o Jornal da Lei conversou com um advogado e com um representante da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Os magistrados do Rio Grande do Sul preferiram não se manifestar sobre o caso.

Primeiro, devemos relembrar o caso. Em fevereiro de 2011, no Rio de Janeiro, o juiz João Carlos de Souza Correa dirigia um automóvel sem placa, sem documentação, e não estava com a habilitação quando foi parado pela ex-agente de trânsito, Luciana Silva Tamburini. A agente informou o juiz que o carro deveria ser apreendido e levado para um pátio do Detran, mas o magistrado exigiu que o veículo fosse para uma delegacia. Durante o desentendimento, Luciana afirmou ao juiz a seguinte frase: “Você não é Deus”. E o juiz retrucou: “Cuidado que posso te prender”. Dito e feito, minutos mais tarde ele daria voz de prisão à agente.

Passados três anos, o caso voltou a ser discutido na sociedade. Na última semana, foi noticiado que os desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) mantiveram, por unanimidade, a decisão inicial do desembargador José Carlos Paes e da 1ª instância, assinada pela juíza Andrea Quintella, que condenaram Luciana ao pagamento de R$ 5 mil de indenização por danos morais ao magistrado.

Procurado pela reportagem para esclarecer se existe algum tipo de tratamento especial a juízes e desembargadores nas blitze do Balada Segura, em Porto Alegre, o assessor da gerência de fiscalização da EPTC, Daniel Denardi, afirma que todos os agentes de trânsito são instruídos a tratarem de forma igual e sem qualquer tipo de diferença todos os cidadãos. “O artigo 5 de nossa Constituição trata da igualdade das pessoas. Então, os nossos agentes recebem orientações baseadas nesSe artigo. Por isso, o trato é o mesmo, não importando se o cidadão tem ou não formação”, pondera.

Denardi ainda explica qual é a forma de recomendação passada aos agentes: “A principal delas é não emitir juízo de valor sobre as pessoas. Em seguida, entender que nenhuma parte é robótica, sendo aceitável o diálogo de forma informal durante a abordagem”.

Por ser uma das principais fontes na construção das notícias, a associação dos magistrados do Rio de Janeiro publicou, em seu site, uma nota oficial sobre este caso, destinada a toda imprensa. Nela, a associação esclarece que qualquer cidadão que seja parado em uma blitz deverá ter um comportamento regular. A nota diz ainda que “a associação também acredita que o agente público envolvido nessa situação deve tratar com respeito e urbanidade, qualquer pessoa, independente se for autoridade ou não”.


Quando a imagem do juiz é atrelada a Deus

Para o advogado criminalista Alexandre Wunderlich, a questão toda é o poder. “As relações no mundo são permeadas de poder e o magistrado detém um poder, que o da decisão sobre os litígios. E por ninguém estar imune ao Poder Judiciário, isso pode ter alguma correlação com o que a ex-agente fez no momento da abordagem, quando afirmou que o juiz não era Deus”, imagina.

Wunderlich expõe o seu entendimento sobre o que está sendo contestado neste caso. “Pelo que vi na mídia, o que está sendo bastante criticado é certo corporativismo nesta decisão que impõe a multa à agente de trânsito”, avalia.

Por fim, o advogado reafirma que a abordagem deve ser a mesma para todas as pessoas. “Todos são iguais perante a lei. Com um olhar mais jurídico, todos os atores desta área são iguais, seja advogado, promotor ou juiz. Então, o treinamento do agente público independe de raça, credo ou profissão. Ele deve ser zeloso pelo trabalho dele e agir pela sociedade”, finaliza.
OAB quer afastamento imediato de juiz carioca

A Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro decidiu reagir contra a decisão dos desembargadores que mantiveram a condenação da ex-agente Luciana. Segundo os conselheiros da OAB-RJ, o juiz incorpora o distanciamento e encastelamento de parte do Judiciário que ainda se comporta de forma arbitrária, como se vivesse na ditadura.

A Ordem irá entrar com pedido de afastamento imediato do juiz ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Vamos elaborar uma peça com todas as denúncias para pedir ao CNJ o afastamento do juiz João Carlos”, afirma o presidente da entidade, Felipe Santa Cruz.

A OAB do Rio pretende ainda fazer uma ação conjunta de entidades, a fim de instituir uma campanha nacional para denunciar abusos de magistrados que desrespeitam a Constituição.



 ANTONIO PAZ/JC

Denardi conta que os agentes recebem orientação para não emitirem juízo de valor nas abordagens

terça-feira, 25 de novembro de 2014

COM ARBITRAGEM, JUSTIÇA CONDENA A SUA LENTIDÃO



JORNAL DO COMÉRCIO 25/11/2014




EDITORIAL


Na Justiça, tudo tem prazo para que as petições sejam protocoladas, passar por um juiz e, depois, serem consideradas pela outra parte. Entre esses dois atos, duas ou três semanas. Muitas petições, publicações oficiais, busca de autos, devolução dos autos e novas petições. Às vezes para resolver problemas relativamente simples. Por isso, aplaude-se a ação de mais arbitragem e conciliação, que pode acelerar problemas menores e que necessitam de alguém que leve as partes a refletirem sobre um acordo que satisfaça, mesmo que não totalmente, aos seus desígnios e que as fez procurar a Justiça. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a modernização do processo jurídico na área criminal e a aceleração das sentenças. É mais um que pede agilidade nos processos, menos prazos e recursos, a fim de que sensação de impunidade não se estenda da área policial para a área do Judiciário. É preciso modernizar o processo e realmente acelerar o trânsito em julgado. O modelo em vigor precisa de um chacoalho. E também todos querem a simplificação dos ritos no Código de Processo Civil. Existe uma superada burocracia processual.

A agilidade que a Justiça necessita tem origem no fato de o Brasil ser um país que, por suas tradições, e aí não vale a pena falar se isso é bom ou ruim, depende muito do Poder Judiciário. Por isso, temos essa massa enorme de processos tramitando. Em 2010, 70% dos processos judiciais ficaram sem solução. Quase 60 milhões de processos que tramitavam na Justiça Federal em 2010 não foram solucionados. O número corresponde a praticamente 70% do total de 84,3 milhões de processos em tramitação no Judiciário no ano passado.

Os dados fazem parte do relatório Justiça em Números, divulgado pelo CNJ, e os números referem-se aos tribunais da Justiça Federal e Estadual e aos da Justiça do Trabalho. O Judiciário tem que encontrar formas e meios adequados de dar resposta e uma delas é a simplificação do processo. A Constituição de 1988 aumentou o leque de questões a serem julgadas pelo Supremo. Nos últimos anos, o número de processos no STF tem apresentado uma queda em decorrência do modelo de repercussão geral. A média girava em torno de 100 mil processos por ano. Porém, em 2010, foram “apenas” 30 mil processos no STF, o que é, portanto, uma queda significativa. O atual modelo do Judiciário privilegia a tese em vez de cada caso.

Existe tanta confusão que um juiz de primeiro grau julgou inconstitucional uma decisão do Supremo, uma heresia jurídica, segundo os doutos no Direito. Nenhuma pessoa é, exatamente, igual a outra, por isso julgamentos devem ter algo de personalizado. Se não somos iguais, não temos comportamentos idênticos e pulsamos e pensamos com corações e mentes diversas, as nossas manifestações de alegria e tristeza também diferem. Às vezes, de maneira violenta. Aí surgem desvios de condutas não aceitas socialmente, até mesmo crimes. “Nossos desafios são do século XXI, mas as nossas ferramentas de trabalho são do final do século XIX”, como bem definiu o desembargador Henrique Nélson Calandra, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Então, que venham a arbitragem e a conciliação.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Conclusão equivocada. Jamais a arbitragem e a conciliação vão "condenar" e banir a lentidão da justiça brasileira, enquanto ela se manter assistemática, corporativa, burocrata, leniente, soberba, distante dos casos e insuficiente de juízes togados, de servidores e de varas para atender a enorme demanda no país. A conciliação e a arbitragem são boa ideias que se transformaram em engodo, pois só funcionam em casos onde há motivação mútua para ceder direitos, sem influência do poder financeiro ou político.

DEPOIS DE 13 ANOS, ACUSADO DE CHACINA VAI À JÚRI


ZERO HORA 25 de novembro de 2014 | N° 17994


JOSÉ LUÍS COSTA

BARBÁRIE EM SOLEDADE. Acusado de ordenar chacina vai a júri hoje

PECUARISTA SERÁ JULGADO pelo assassinato de seis pessoas em 2001. Motivo de crime teria sido uma suposta desavença em relação a terras


Às 9h de hoje, o pecuarista Mairol Batista da Silva, 41 anos, estará no banco dos réus para ser julgado como mandante da morte de seis pessoas em razão de uma suposta desavença por terras em Soledade, no norte do Estado, em julho de 2001.

O processo se arrasta há 13 anos, soma 26 volumes com 5,5 mil páginas e só agora será julgado por conta de adiamentos provocados por diversos fatores, incluindo a exumação do corpo do autor da chacina, Márcio Camargo, 21 anos.

A sequência de mortes começou no entardecer de 7 de julho, um sábado. Conforme denúncia do Ministério Público, Camargo se armou com dois revólveres no pátio da Fazenda Santo Augusto e matou o patrão dele e dono da propriedade, o comerciante Augusto Ricardo Ghion, a mulher de Ghion, uma sobrinha dela, o capataz da fazenda, a mulher dele e um filho. As vítimas foram atingidas por 15 tiros. A maioria, na cabeça.

Ghion foi executado dentro de uma caminhonete Ranger, na porteira da propriedade, onde também estavam mais três pessoas, entre elas uma filha do comerciante de 13 anos, única sobrevivente da matança. Ferida na cabeça e nas costas, a garota se fingiu de morta para escapar com vida.

Camargo era empregado de confiança de Ghion havia dois anos. Ao ser preso, confessou ter sido contratado por Silva para matar Ghion e quem estivesse na fazenda.

Camargo receberia R$ 30 mil, o que não ocorreu. Exame de sanidade mental atestou que ele era semi-imputável, incapaz de entender o caráter ilícito dos fatos.

O peão esteve preso por dois anos. Em julho de 2003, fugiu pulando o muro do Presídio de Soledade. Apareceu morto após se envolver em um assalto. Desconfianças de que Camargo estava vivo levaram a Justiça a mandar exumar o corpo, atrasando o processo.

Silva cumpriu prisão preventivamente, mas responde ao processo em liberdade. Ele sempre negou envolvimento nas mortes.

– Acredito, firmemente, que será absolvido. Não existem provas contra ele, a não ser a versão do Márcio (Camargo), que vivia no limite entre a razão e o delírio – diz o advogado Osmar Teixeira, defensor de Silva.

O julgamento será presidido pela juíza Karen Luise de Souza Pinheiro. A acusação está a cargo dos promotores Tânia Maria Hendges Bitencourt e Fabiano Dallazen.




Autor dos crimes também foi morto


Sete envolvidos já morreram

Ao longo dos 13 anos nos quais o processo sobre a chacina de Soledade tramita na Justiça, sete pessoas ligadas direta ou indiretamente ao caso morreram, sendo quatro assassinadas.

A primeira foi Erenilde da Silva Oliveira, em agosto de 2003. Dono de um salão de baile, Oliveira teria sido alvejado pelo sobrinho, o peão Márcio Camargo, autor da chacina. Ele tinha fugido da cadeia e ido à casa do tio buscar armas que escondera lá. Horas depois, Márcio Camargo foi encontrado ferido e morreu.

No mês seguinte, o informante da polícia Antônio Carlos Moraes Casagrande, testemunha de acusação do caso, foi executada dentro da Câmara de Vereadores de Soledade. Os envolvidos, o deputado estadual emérito Gudbem Castanheira e o irmão de criação dele Elpídio Teodoro Ferreira, foram condenados pelo crime por desavenças com a vítima.

Em janeiro de 2005, o advogado Júlio César Serrano, que prestou serviços para Augusto Ricardo Ghion, alvo principal da chacina, foi executado na praça central da cidade. Inimigo de Serrano, Gudbem foi condenado pelo crime.

Oito meses depois, um sobrinho de Serrano, que advogava para Mariol da Silva, acusado da chacina, foi encontrado morto, aparentemente vítima de suicídio. Anos depois, Ferreira e Castanheira morreram por problemas de saúde.



segunda-feira, 24 de novembro de 2014

CONCILIAÇÃO



ZERO HORA 24 de novembro de 2014 | N° 17993


CLÁUDIO BRITO*



Não tem mais jeito. Os processos estão empilhados nas prateleiras de todos os tribunais, nas mesas dos magistrados e na intenção dos que têm pretensão a alguma demanda. Mesmo a modernização que os meios eletrônicos proporcionaram é insuficiente para abreviar as soluções de todos os conflitos. Nosso Rio Grande é campeão em litigância e desse jeito é muito difícil superar o drama que persiste. Ainda outro dia, um cidadão procurou ajuda porque teve uma audiência marcada para daqui a um ano. O objetivo era decidir sobre a guarda dos filhos de um casal.

O remédio é conciliar. Há casos para mediação, quando as pessoas são orientadas e estimuladas ao entendimento que evitará uma nova ação judicial, há casos de conciliação, que pode ocorrer antes ou depois de um processo começado. O Conselho Nacional de Justiça, em 2006, editou uma resolução que traçou esses novos rumos. Estamos começando hoje a nona edição da Semana Nacional de Conciliação, mobilizando milhares de servidores, magistrados, conciliadores, juízes leigos e colaboradores em mais de 50 tribunais estaduais, federais e trabalhistas. Os resultados dos anos anteriores entusiasmam, pelo número de pessoas atendidas, processos encerrados e mais os que nem começaram, pois os envolvidos conciliaram-se.

Os métodos consensuais de solução de conflitos são empregados cada vez mais, no primeiro grau da Justiça ou quando já se abriu a fase dos recursos. A iniciativa em usar os serviços do Núcleo Permanente de Métodos Consen- suais de Solução de Conflitos, no tribunal gaúcho, pode ser de qualquer dos interessados em uma causa, bastando solicitar uma audiência de conciliação ou sessão de mediação. E vai ser assim que o Judiciário encaminhará o seu destino.

O presidente do Supremo Tribunal Federal anuncia que novos métodos serão desenvolvidos para superar o até aqui invencível acúmulo de serviço. Será valorizando formas não litigiosas de solução de controvérsias que uma saída será possível. Mediação, arbitragem e conciliação serão cada vez mais estimuladas. Verdade incontestável. Não tem outro remédio.

*Jornalista. CLÁUDIO BRITO


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - De nada adiantam leis e boas ideias se não houver vontade da magistratura em mudar o status quo corporativo que a impede de descer do pedestal; de se tornar o poder independente sem a ingerência partidária; de se aproximar das demandas e do clamor por justiça, ordem e segurança com juízes especializados, de instrução e de garantia; de desburocratizar o poder;  de descentralizar o transitado em julgado; de fortalecer os juízes naturais e tribunais regionais; de exigir leis mais claras e objetivas, e de aumentar o número de varas especializadas, juizados especiais e plantões como efetivos suficientes de juízes togados e servidores para atender a enorme demanda por justiça em todos as regiões e municípios do Brasil.

De nada adiantam leis e boas ideias se não houver uma mudança de postura dos magistrados capaz de produzir uma reforma constitucional nos instrumentos de justiça, a capacitação organizacional e estrutural do sistema de justiça, o aumento do potencial humano para atender a demanda, a agilidade nos processos, a sistematização da justiça, o apoio nas instâncias superiores,  o respeito às decisões judiciais e a supervisão mais efetiva na execução penal, de modo a impedir a fuga de obrigações que os impedem de constranger a negligencia e a improbidade do poder político.

domingo, 23 de novembro de 2014

JUIZ DO LAVA JATO DIVIDE OPINIÕES DE COLEGAS E ADVOGADOS

Do G1, em Brasília*  23/11/2014 09h37

Juiz da Operação Lava Jato divide opiniões de colegas e advogados. Para juízes, Sergio Moro é preparado; defensores falam em lado 'justiceiro'. Reservado, juiz é elogiado pelos dois lados por não atuar politicamente.

Renan Ramalho



O juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal, é o responsável pela Operação Lava Jato (Foto: J.F. Diorio/Estadão Conteúdo)

Se para uns, ele é um juiz discreto e reservado, para outros é frio e seco. Se para uns é técnico e competente, para outros, é duro e autoritário. Assim se dividem as opiniões de magistrados e advogados ouvidos pelo G1 acerca do juiz Sergio Fernando Moro, 42 anos, titular da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR, atualmente à frente daquele que já é considerado um dos maiores casos de corrupção no país: a Operação Lava Jato, que apura suposto cartel entre empreiteiras para fraudar licitações e obter contratos na Petrobras, mediante pagamento de propina a agentes públicos.

Iniciada em 2013, a operação se concentrou inicialmente em movimentações suspeitas de Alberto Youssef, um doleiro que já havia enfrentado Sergio Moro em 2004, na Operação Farol da Colina, que desmontou uma rede composta por mais de 60 doleiros que, segundo a acusação, remetiam dinheiro sujo para os Estados Unidos. A investigação foi um desdobramento do caso Banestado, em que apurou-se a evasão de US$ 30 bilhões de políticos para o exterior entre 1996 e 2002.

Juízes, policiais e procuradores consideram que essa ação anterior foi a preparação de Moro para o atual caso da Petrobras. Se para colegas de profissão, significou uma experiência ousada e inédita no combate à corrupção pela grandeza do esquema – o juiz chegou a decretar a prisão de 123 pessoas de uma vez – para defensores de acusados, revelou um "justiceiro", que prende suspeitos ainda não condenados atropelando regras processuais.




Os dois lados, porém, reconhecem hoje em Sergio Moro um juiz extremamente capacitado, que alia o conhecimento acadêmico profundo com a habilidade técnica e estratégica para conduzir um processo judicial, tentando escapar de erros que podem derrubar uma investigação.

"É absolutamente técnico, com posicionamentos sempre ponderados", descreve o desembargador federal Fausto De Sanctis, que figura ao lado de Moro como um dos maiores especialistas no país no combate à lavagem de dinheiro. Ambos participaram ativamente da criação de varas especializadas na Justiça Federal contra crimes financeiros entre 2003 e 2004.

O colega acrescenta que Moro é "estudioso e vive se atualizando", inclusive com cooperação internacional na descoberta de crimes. "É também sério e trata os réus de forma equânime. Tenta materializar a lei, que é formal, dando efetividade à justiça. Tenta fazer o melhor, baseado na doutrina e na experiência", completa De Sanctis.

Formado pela Universidade Estadual de Maringá em 1995, Moro fez concurso e tornou-se juiz federal um ano depois. Em 1998, cursou programa para instrução de advogados na escola de direito da Universidade de Harvard, considerada a melhor do mundo.

Mestre e doutor pela Universidade Federal do Paraná – com tese de 2002 sobre o papel de tribunais constitucionais, como o Supremo Tribunal Federal, no regime democrático – foi convidado em 2007 pelo Departamento de Estado americano para visitar agências de combate à lavagem de dinheiro nos Estados Unidos. Hoje dá aulas de processo penal na UFPR.

As coisas são do jeito que ele quer, pega para si um processo, fixa a competência do processo - porque nada indica que a competência seja de Curitiba, mas ele faz assim porque quer o processo para si"
Alberto Toron, advogado

Apesar de considerar Moro "extremamente bem preparado", o advogado Alberto Zacharias Toron, que defendeu acusados na Farol da Colina, também o vê como um "déspota esclarecido".

"As coisas são do jeito que ele quer, pega para si um processo, fixa a competência do processo – porque nada indica que a competência seja de Curitiba, mas ele faz assim porque quer o processo para si", critica Toron, um dos mais famosos criminalistas do país, em relação à atuação nacional do juiz, fora de sua jurisdição. "Decreta prisões a rodo, tratando as pessoas como se fossem presumivelmente culpadas" acrescenta o advogado.

Os meios usados por Moro para obter as provas são motivo de controvérsia no meio jurídico e alguns acabaram sendo derrubados por instâncias superiores. Toron relata que num caso que atuou, Moro mandou que um suposto doleiro entregasse uma conta no exterior, sob pena de cometer crime de desobediência. Foi derrotado pelo princípio de que um acusado não pode ser levado a se autoincriminar.

Entre 2004, Moro determinou escutas telefônicas por mais de dois anos em investigação contra donos da fábrica de bicicletas Sundown, suspeitos de sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. A lei manda que o grampo seja por apenas 15 dias, renovável por mais 15. Ao analisar o caso, em 2008, o Superior Tribunal de Justiça derrubou as provas das interceptações e mudou seu entendimento – se antes permitia mais renovações sucessivas, passou a considerar que ela deve ser limitada para não invadir a privacidade dos suspeitos.

Outros exemplos de medidas anuladas foram intimações por telefone e ordens para empresas aéreas localizarem advogados. Amigo desde a juventude, ex-colega de faculdade e revisor dos trabalhos acadêmicos de Moro, o juiz federal Anderson Furlan entende que medidas como essas não são "erros", mas interpretações diferentes sobre o que a lei permite ou proíbe, que eventualmente prevalecem em tribunais superiores.

Furlan acredita que alguns desses percalços processuais tornaram Moro mais preparado para tocar o processo da Lava Jato sem riscos de anulação da investigação.

Ele está tendo esse cuidado, de instruir regularmente o feito, para evitar que possíveis detalhes anulem qualquer fase do processo"
Antônio César Bochenek, presidente da Ajufe

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Antônio César Bochenek, concorda com Furlan, e explica que juízes federais criminais como Moro são habituados a questionamentos do processo e procuram se precaver no momento de conduzi-lo. "Em regra, os processos criminais são muito detalhados. Em muitas dessas grandes operações, um detalhe processual acaba prevalecendo em um tribunal superior, que acaba acolhendo algumas defesas processuais".

Apesar de não conhecer o processo da Operação Lava Jato, Bochenek nota, no entanto, que até agora, apesar de vários questionamentos por parte dos advogados dos suspeitos, nenhum ministro do STF ou do STJ anulou qualquer procedimento de Sergio Moro. "Revela que ele está tendo esse cuidado, de instruir regularmente o feito, para evitar que possíveis detalhes anulem qualquer fase do processo", afirma.

Delação
Na operação atual, ressurgiu no meio jurídico a polêmica sobre o uso da delação premiada, instrumento pelo qual um acusado se compromete a indicar onde e como obter provas contra outros envolvidos em troca da redução da pena. Até onde se sabe, ao menos 9 pessoas, entre doleiros, funcionários públicos e executivos, já aceitaram colaborar no caso da Petrobras.

Na decisão que levou à prisão de 23 executivos de empreiteiras no dia 14 de novembro, Moro rebateu alegações, nunca confirmadas, de que teria forçado depoimentos. "Nunca houve qualquer coação ilegal contra quem quer que seja da parte deste Juízo, do Ministério Público ou da Polícia Federal", escreveu, acrescentando que as prisões foram realizadas com "boa prova dos crimes e principalmente riscos de reiteração delitiva". "Jamais se prendeu qualquer pessoa buscando confissão e colaboração", completou em seguida.

Advogado de investigados da operação, Alberto Toron não é contrário à delação premiada, mas critica a forma como tem sido autorizada na Lava Jato. "É possível sim utilizar-se da delação, mas com todos os cuidados. Muita gente foi presa e acabou sendo solta porque se verificou depois que não tinha nada a ver com o caso. O método que acho mais adequado é, primeiro, chamar, ouvir, e, se for o caso, prender. Aqui não, estão primeiro prendendo, para depois ouvir, o que agride a dignidade da pessoa", criticou.

Ao justificar o uso da delação, Moro ponderou que os depoimentos devem ser vistos com precaução, por virem de criminosos. Mas ressaltou sua importância para investigar crimes complexos, como os de colarinho branco, desde que as provas confirmem os relatos. Ele diz que sem a colaboração de criminosos, "vários crimes complexos permaneceriam sem elucidação e prova possível".

Em seguida, citou o juiz americano Stephen S. Trott, em que explica que a máfia e os terroristas, por exemplo, usam subordinados para fazer o "trabalho sujo".

"Para pegar os chefes e arruinar suas organizações, é necessário fazer com que os subordinados virem-se contra os do topo. Sem isso, o grande peixe permanece livre e só o que você consegue são bagrinhos. Há bagrinhos criminosos com certeza, mas uma de suas funções é assistir os grandes tubarões para evitar processos", diz um trecho do artigo "O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial", usado por Moro na decisão.

Em depoimentos não sigilosos de uma ação penal já em curso no Paraná, o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa disseram que contratos da Petrobras eram superfaturados para abastecer partidos e "agentes políticos" – autoridades com o chamado foro privilegiado, como deputados, senadores e ministros, que só poderão ser julgados no Supremo Tribunal Federal, fora da alçada de Sergio Moro.

Reservado
Além do cuidado na condução do processo, colegas próximos de Moro afirmam que o jeito reservado, discreto e avesso à fama do juiz colabora para o sucesso das investigações.

"É uma característica positiva considerando ser juiz federal criminal, que atua em casos de grande repercussão, que exigem que o juiz se concentre no processo, atuando com base nos fatos, nas provas, e de não sair falando, opinando, falando sobre o caso concreto, fazendo 'publicização' da decisão para um lado ou outro", afirma o presidente da Ajufe, Antônio César Bochenek.

Embora seja sério e competente, se sente meio justiceiro. Talvez um juiz apaixonado pelo que faz, e isso não é necessariamente coisa positiva"
Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado

Ex-defensor de Alberto Youssef, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também reconhece em Moro a qualidade de não agir com interesse político ou partidário. Mas, assim como Toron, critica a pretensão do juiz de atuar em todo o país, fora de sua competência, na primeira instância do Paraná.

"Embora seja sério e competente, se sente meio justiceiro. Talvez um juiz apaixonado pelo que faz, e isso não é necessariamente coisa positiva. […] Se apega aos processos, tem certa paixão. E o fato de que é extremamente duro, dá a impressão que acha que através da pena vai mudar o Brasil, isso não é bom", diz Kakay.

Amigo e colega no Paraná, o juiz Anderson Furlan, rejeita a ideia de um juiz "obstinado". "Simplesmente faz seu trabalho. Se fosse outro trabalho, faria bem da mesma forma […] É um cara que nunca comprou um CD pirata, e nunca vai comprar. Nunca vai pegar um jornal da caixa postal que não é dele", afirma.

Juiz e professor
Sergio Moro tornou-se em 2007 professor adjunto da UFPR, com uma carga horária de 20 horas semanais.

A dedicação às aulas chegou a lhe render problemas com a Faculdade de Direito. Em 2012, quando foi chamado pela ministra Rosa Weber para auxiliá-la no processo do mensalão, no STF, o juiz não quis abrir mão de dar aulas para seus alunos de processo penal. Como passava toda a semana em Brasília, ele propôs dar três aulas seguidas nas sextas-feiras, dia livre no STF, e uma quarta aula a combinar com os alunos, aos sábados, por exemplo.

A direção vetou por "motivos pedagógicos", por causa do tempo excessivo de lições no mesmo dia, sugerindo que Moro se licenciasse, sem receber salários. Com apoio de 50 dos 53 alunos da classe, ele levou o caso à Justiça para poder flexibilizar o horário das aulas, mas teve o pedido negado e acabou afastado da universidade durante o segundo semestre.

No processo, ele protestou, dizendo que sua experiência no STF teria relevância para a faculdade e que a dispensa era uma "ofensa ao interesse público do ensino". Sobre a suspensão dos salários, disse "poder passar muito bem sem a reduzida remuneração" de professor e que dava aulas "por amor à função".

*Colaborou o G1 PR


sábado, 22 de novembro de 2014

A PRECE DE UM JUIZ




João Alfredo Medeiros Vieira




SENHOR! Eu sou o único ser na terra a quem Tu deste uma parcela de Tua Onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes.

Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem, à minha palavra obedecem, ao meu mandado se entregam, ao meu gesto se unem, ou se separam, ou se despojam. Ao meu aceno as portas das prisões se fecham às costas do condenado ou se lhe abrem um dia, para a liberdade. O meu veredicto pode transformar a pobreza em abastança, e a riqueza em miséria. Da minha decisão depende o destino de muitas vidas. Sábios e ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e os moribundos, todos estão sujeitos, desde o nascimento até a morte à LEI que eu represento e à JUSTIÇA, que eu simbolizo.

Quão pesado e terrível é o fardo que puseste nos meus ombros.

AJUDA-ME, SENHOR! Faze com que seu seja digno desta excelsa missão. Que não me seduza a vaidade do cargo, não me invada o orgulho, não me atraia a tentação do mal, não me fascinem as honrarias, não me exalcem as glórias vãs. Unge as minhas mãos, cinge a minha fronte, bafeja o meu espírito, a fim de que eu seja um sacerdote do Direito, que Tu criaste para a Sociedade Humana. Faze da minha Toga um manto incorruptível. E da minha pena não o estilete que fere, mas a seta que assinala a trajetória da Lei, no caminho da Justiça.

AJUDA-ME, SENHOR, a ser justo e firme, honesto e puro, comedido e magnânimo, sereno e humilde. Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo com os que erraram. Amigo da Verdade e guia dos que a procuram. Aplicador da Lei, mas antes de tudo, cumpridor da mesma. Não permitas jamais que eu lave as mãos como Pilatos, diante do inocente, nem atire como Heródes, sobre os ombros do oprimido a túnica do opróbrio. Que eu não tema César e nem por temor dele pergunte ao poviléu se ele prefere "Barrabás ou Jesus".

Que o meu veredicto não seja o anátema candente e sim a mensagem que regenera, a voz que conforta, a luz que clareia, a água que purifica, a semente que germina, a flor que nasce no azedume do coração humano. Que a minha sentença possa levar consolo ao atribulado e alento ao perseguido. Que ela possa enxugar as lágrimas da viúva e o pranto dos órfãos. E quando diante da cátedra em que me assento desfilarem os andrajosos, os miseráveis, os panas sem fé e sem esperança nos homens, espezinhados, escorraçados, pisoteados e cujas bocas salivam sem ter pão e cujos rostos são lavados nas lágrimas da dor da humilhação e do desprezo, AJUDA-ME, SENHOR, a saciar a sua fome e sede de Justiça.

AJUDA-ME SENHOR! Quando as minhas horas se povoarem de sombras; quando as urzes e os cardos do caminho me ferirem os pés; quando for grande a maldade dos homens; quando as labaredas do ódio crepitarem e os punhos se erguerem; quando o maquiavelismo e a solércia se insinuarem nos caminhos do Bem e inverterem as regras da Razão, quando o tentador ofuscar a minha mente e perturbar os meus sentidos.

AJUDA-ME, SENHOR! Quando me atormentar a dúvida, ilumina o meu espírito, quando eu vacilar, alenta a minha alma, quando eu esmorecer, conforta-me, quando eu tropeçar, ampara-me.

E QUANDO UM DIA finalmente eu sucumbir e então como réu comparecer à Tua Augusta Presença, para o eterno Juízo, olha compassivo para mim.

Dita, Senhor, a Tua sentença.
Julga-me como um Deus.
Eu julguei como homem.


João Alfredo Medeiros Vieira. Juiz de Direito aposentado (Santa Catarina) e membro, desde 1975, da Academia Catarinense de Letras

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O REI ESTÁ NU



JORNAL DO COMÉRCIO
 21/11/2014

Roberto Brenol Andrade. Palavra do Leitor.

AUXÍLIO-MORADIA

Davy Lincoln Rocha, procurador da República, Joinville/SC

Brasil, um País onde não apenas o rei está nu. Todos os Poderes e instituições estão nus, e o pior é que todos perderam a vergonha de andarem nus.

E nós, os procuradores da República, e eles, os magistrados, teremos o vergonhoso privilégio de recebermos R$ 4.300,00 de auxílio-moradia, em um País onde a Constituição Federal determina que o salário mínimo deve ser suficiente para uma vida digna, incluindo alimentação, transporte, moradia e até lazer.

A partir de agora, no serviço público, nós, procuradores da República, e eles, os magistrados, teremos a exclusividade de poder conjugar nas primeiras pessoas o verbo morar. Fica combinado que, doravante, o resto da choldra do funcionalismo não vai mais morar. Eles irão apenas se “esconder” em algum buraco, pois morar passou a ser privilégio de uma casta superior. Tomara que Deus não exista.

Penso como seria complicado, depois de minha morte (e mesmo eu sendo um ser superior, um procurador da República, estou certo que a morte virá para todos), ter que explicar a Deus que esse vergonhoso auxílio-moradia era justo e moral. Tomara, mas tomara mesmo que Deus não exista, porque Ele sabe que eu tenho casa própria, como de resto tem quase todos os procuradores e magistrados e que, no fundo de nossas consciências, todos nós sabemos, e muito bem, o que estamos prestes a fazer.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

JORNAL FOI CONDENADO A INDENIZAR JUIZ QUE PROCESSOU AGENTE DE TRÂNSITO



Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2014, 10h00

Não é Deus". Jornal O Globo deve indenizar juiz que processou agente depois de blitz



Por Giselle Souza


O Jornal O Globo foi condenado a pagar R$ 18 mil de indenização ao juiz João Carlos de Souza Correa. A determinação foi proferida na última quinta-feira (13/11) — um dia após a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmar sentença contra a agente de trânsito Luciana Tamburini. Ela terá de indenizar o juiz em R$ 5 mil por ter dito, em uma blitz da Lei Seca, que “ele era juiz, não Deus”.

A nova decisão foi proferida pela juíza Lindalva Soares Silva, da 11ª Vara Cível, em uma ação movida por Souza Correa por causa de uma reportagem publicada pelo O Globo em 17 de fevereiro de 2011. A notícia relatava a voz de prisão dada pelo juiz a funcionários da empresa Ampla que foram à casa dele cortar o fornecimento de energia por falta de pagamento.

O fato ocorreu em 2006, mas foi incluído no texto que tratava de outras confusões envolvendo o juiz: o uso irregular de giroflex no veículo que dirigia, em 2009, e desentendimentos com turistas, em 2011, ambos ocorridos na cidade de Búzios, onde trabalhava. A reportagem foi publicada com chamada na capa — “Juiz dá calote e tenta prender cobrador”.

O magistrado afirmou que “a reportagem gerou abalo a sua honra”. Ele pediu indenização de R$ 100 mil. O jornal contestou: disse que as informações eram verdadeiras e que o juiz era investigado pelo Tribunal de Justiça do Rio e pelo Conselho Nacional de Justiça.

A juíza da 11ª Vara Cível não acolheu os argumentos. “Questões envolvendo, investigações administrativas e temas quanto a sua conduta na condução de processos na comarca de Armação de Búzios e situações polêmicas envolvendo seu nome na aludida localidade fogem ao tema aqui proposto apesar dos réus terem juntado aos autos documentos nesse sentido”, escreveu.

De acordo com Lindalva, a ação discutia outros direitos. “Estamos, sem a menor sombra de dúvida, diante de um conflito aparente de normas constitucionais. De um lado o autor alegando violação de sua honra e imagem pela reportagem e do outro os réus alegando liberdade de expressão dizendo ser o fato mencionado verdadeiro”, afirmou.

A juíza ponderou que “em decorrência da grande exposição que qualquer servidor público está exposto, são frequentes reportagens e comentários (...) sobre sua postura na vida pública ou privada”. Na avaliação dela, “tais tipos de reportagem jornalística podem entrar em choque com o direito à privacidade e a honra das pessoas envolvidas, pois quem está sendo objeto de divulgação não gosta de ver sua imagem relacionada a eventos desabonadores.”

Para Lindalva, o jornal errou a mão. “Com a devida vênia aos réus não se discute o direito em informar fatos que envolvem o autor, juiz, e, portanto, mero servidor público”, disse. “Mas o dever de informar mesmo que para a imprensa seja verídico não pode ser transmitido com emprego de linguagem agressiva de ‘caloteiro’, até mesmo porque a palavra em nosso idioma tem sentido pejorativo e depreciativo”, acrescentou.

Segundo a juíza, “o dever de verificação exige conduta prudente, pois não se deve publicar a notícia no sentido de afirmar que o autor ‘dá calote’, da maneira como foi feita, mesmo que os réus tenham absoluta certeza que isto seja verdadeiro.”

Segundo ela, houve violação a honra e imagem do juiz, além de uso desproporcional da linguagem "ao chamar o juiz em primeira página de um jornal de grande circulação de ‘juiz caloteiro’ o que, por si só, já caracteriza abuso", afirmou.

Lindalva reduziu o valor da indenização por achar “extremamente exagerado” o valor pedido pelo juiz. A condenação foi contra a Infoglobo Comunicação e Participações (detentora do jornal O Globo) e o jornalista que assina a matéria, Ronaldo Braga. Cabe recurso.

O caso

No último dia 12 de novembro, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a sentença de primeira instância que condenou a agente de trânsito Luciana Tamborini a indenizar o juiz em R$ 5 mil. Ela disse que “ele era juiz, não Deus” depois que ele se apresentou como magistrado ao saber que o seu carro seria rebocado. O veículo não tinha placas e nem habilitação quando foi parado. O fato ocorreu em 2011.

Na última sexta-feira (14/11), a Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro decidiu pedir o afastamento do juiz ao Conselho Nacional de Justiça e a Corregedoria-Geral da Justiça do Rio. “Desde que o caso do magistrado apareceu na mídia, estamos recebendo inúmeras denúncias sobre a postura dele. Caberá a esses órgãos investigarem e, inclusive, se for o caso, afastarem o juiz durante esta apuração. Vamos cobrar uma postura firme do CNJ e do TJ-RJ e ao mesmo tempo vamos garantir que o juiz tenha todas as oportunidades de se defender, de acordo com o devido processo legal", afirmou na ocasião o presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz.

A decisão da OAB-RJ provocou a reação da magistratura. A Associação dos Magistrados Brasileiros divulgou nota contra a campanha que a entidade quer fazer para denunciar abusos de autoridades praticadas por juízes.

"A Associação dos Magistrados Brasileiros desaprova as declarações manifestadas nessa quinta-feira (13/11), pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional Rio de Janeiro, e condena o chamamento para a criação de uma campanha nacional para prejudicar a imagem da magistratura brasileira. É lamentável que a OAB-RJ tente explorar uma conduta isolada, que compõe um processo ainda em andamento na Justiça, para promover o linchamento moral dos magistrados, atitude que em nada contribui para o aprimoramento do Judiciário brasileiro", diz o texto.


Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

DIVINA MAGISTRATURA



ZERO HORA 14 de novembro de 2014 | N° 17983



ANTÔNIO MESQUITA GALVÃO




Uma blitz da Lei Seca ocorreu no Leblon, em fevereiro de 2011. O juiz conduzia um Land Rover sem placas e não tinha carteira de habilitação. Luciana, na condição de agente de trânsito, informou ao motorista faltoso que o veículo teria de ser apreendido e levado ao depósito do Detran. O juiz exigiu – como se estivesse em condições de exigir – que o carro fosse levado para uma delegacia. Ambos acabaram sendo levados para a 14ª DP (Leblon), onde o caso foi registrado. A agente foi denunciada pois teria dito, na ocasião, que “juiz não é Deus”. Aí que a coisa pegou. Talvez se tivesse dito qualquer outra coisa teria passado livre, mas ela cometeu o sacrilégio de duvidar da divindade do magistrado.

O fato ocorreu em 2011 e agora saiu a sentença: a agente deve indenizar em R$ 5 mil, por “danos morais” (?!), o juiz. O gozado é que ele cometeu uma dupla infração de trânsito e a moça, julgada por um tribunal corporativista e tribalista, se transformou em ré, fato que indignou a opinião pública nacional, que construiu um montante acima de R$ 40 mil para que ela não tenha que suportar o peso dessa gritante injustiça. É o caso que o Direito romano já contemplou há 2 mil anos: nem tudo o que é legal é justo.

Isso evidencia que certos ranços do passado, do tipo “você sabe com quem está falando?”, ainda proliferam, infelizmente, em nosso meio. O brasileiro sempre adorou criar “semideuses”, gerando uma arrogância solerte, levada a efeito por militares, gerentes de banco, médicos, padres, fiscais e magistrados, que, com o tempo, se diluiu e hoje ocorre em raros e lamentáveis incidentes como o do Leblon. O poder de um cargo deve ser como o confronto com um faixa preta. Não é preciso anunciar: quando o cara vê, está no chão... Eu tenho amigos que militam no Judiciário e nunca vi atitudes de deslumbramento como a ocorrida no Rio. Já vi profissionais desconformes com críticas em jornais, mas nunca algo tão radical. A crítica faz parte do processo democrático, e quem não a admite está fora da realidade.

Escritor, filósofo e doutor em Teologia Moral

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A FALTA DE PUDOR DO JUDICIÁRIO

Correio do Povo
CORREIO DO POVO, BLOG. Porto Alegre, 12 de Novembro de 2014



JUREMIR MACHADO DA SILVA


Eu sou um idiota. Assumido. Acredito em bom senso, responsabilidade e até em comportamento republicano. Discuti, faz mais de um ano, com um senhor do judiciário sobre auxílio-moradia.


– O senhor acha justo? Eu, como professor e jornalista, não tenho.

– Não é auxílio-moradia.

– É o quê?

– Parcela Autônoma de Equivalência.

– Equivalência a quê?

– Aos ganhos dos deputados.

– A diferença não está no que eles receberam de auxílio-moradia?

– Por isso é Parcela Autônoma de Equivalência.

Ah, bom! Passou. Veio o segundo. Agora é auxílio-moradia mesmo. Continuo não tendo como professor e jornalista. Além disso, os togados recebem os tais “subsídios”, um pacote à prova de penduricalhos. Quebrei a cabeça. Concluí: remuneração é tudo que certas pessoas ganham sem levar em consideração o que precisam gastar. Vulgo teta. Só a plebe paga moradia com o seu salário. Uau!

Aí veio o caso do juiz João Carlos de Souza Corrêa, esse que foi parado num blitz dirigindo sem a carteira um veículo sem placas. O magistrado deu carteiraço na azulzinha. Em Palomas, é falta de decoro, o suficiente para uma exoneração. A agente de trânsito, diante da prepotência do dito cujo, disse que ele era juiz, mas não Deus. Ofendida, a divindade foi reclamar para os seus pares, que condenaram a moça a pagar-lhe indenização por ter zombado do seu cargo. Eu sou idiota. Acredito em papai-noel e na mula sem cabeça. Tenho certeza de que não foi por corporativismo que a justiça tomou tal decisão. Foi certamente para a proteger a nobre instituição.

Alice Tamborindeguy, a zelosa esposa do juiz achincalhado, garante que o maridão “está tão massacrado” e deprimidinho. Ela tem certeza de que a azulzinha foi “desrespeitosa, debochada, grosseira”. Pobre, juiz! Tão injustiçado pela ralé. Ganha Parcela Autônoma de Equivalência, ganha auxílio-moradia, dirige sem carteira, sem placas e ainda precisa enfrentar zombarias no meio da rua. Que desrespeito! Eu tenho uma sugestão a fazer ao Conselho Nacional de Justiça: punir o juiz ou fechar as portas na hora. Carteiraço é falta muito grave.

– Você sabe com quem está falando?

– Com um juiz sem noção, que dirige sem carteira, sem placas e sem senso ético. Um cidadão como qualquer outro que merece uma multa.

O problema é que o sistema não ajuda: por que um homem que, tendo casa para morar e bom salário, recebe auxílio-moradia? Por que esse cidadão privilegiado teria de carregar carteira de motorista e emplacar o carro? Isso é coisa para gente comum. Uma coisa puxa a outra. Os vasos se comunicam por baixo das togas. O desembargador José Roberto Nalini, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, nem esconde: “Esse auxílio-moradia na verdade disfarça um aumento do subsídio que está defasado há muito tempo. Hoje, aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% de desconto de Imposto de Renda, ele tem que pagar plano de saúde, ele tem que comprar terno, não dá para ir toda hora a Miami comprar terno”. Só tem terno em Miami? Será que esse juiz faz parte da direita Miami? Sou idiota.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

É FÁCIL DESOBEDECER AS LEIS NO BRASIL, SÓ 32% CONFIAM NA JUSTIÇA






O Estado de S. Paulo 10 Novembro 2014 | 05h 00


Bruno Ribeiro


Desobedecer leis é ‘fácil’ para 81% dos brasileiros; 32% confiam na Justiça . Poder Judiciário teve avaliação abaixo da polícia, segundo pesquisa feita pela FGV para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública



SÃO PAULO - A desconfiança diante das instituições públicas do País faz com que 81% dos brasileiros concordem com a afirmação de que é “fácil” desobedecer as leis. O mesmo porcentual de pessoas também tem a percepção de que, sempre que possível, as pessoas escolhem “dar um jeitinho” no lugar de seguir as leis.


Os dados são de uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e revelam ainda que 32% da população confia no Poder Judiciário. Já a confiança na polícia fica um ponto porcentual acima, com 33%. Apesar de baixos, esses índices já foram menores - 29% e 31% respectivamente - em pesquisa anterior.

O levantamento mostra ainda que a ruptura entre os cidadãos e as instituições públicas ligadas à Justiça leva 57% da população a acreditar que “há poucos motivos para seguir as leis do Brasil”, segundo o levantamento. “Isso está relacionado à desconfiança que as pessoas têm no comprimento das leis”, explica a pesquisadora da FGV Luciana Ramos.

O Índice de Confiança na Justiça Brasileira (ICJBrasil) está em sua 8.ª edição e será apresentado, na íntegra, amanhã. Ele faz parte do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A pesquisa ouviu 7,1 mil pessoas em oito Estados, de abril de 2013 a março de 2014. Elas foram convidadas a assinalar desde “discordo muito” a “concordo muito” nas afirmações propostas.

Os moradores do Distrito Federal foram os que mais disseram acreditar na saída do “jeitinho” como regra nas relações. No total, 84% dos brasilienses disseram concordar ou concordar muito com a afirmação. Quem menos acredita no desrespeito às regras são os baianos, mas ainda assim, a porcentagem é alta: 71% deles responderam que concordavam com a percepção de que todos dão “um jeitinho”, sempre.
Contraponto. Leonardo Costa diz que sente o desrespeito no trânsito e Laura de Oliveira Zanardi culpa a burocracia

A pesquisa também fez um corte por renda. E, quanto maior o rendimento da pessoa, mais alta é a sensação de que as leis não são cumpridas. De acordo com o estudo, 69% dos entrevistados que ganham até um salário mínimo concordaram que o “jeitinho” é a regra, porcentual que cresce para 86% na população que ganha mais de oito salários mínimos.

Já sobre a polícia, a renda não influencia a má avaliação. Entre as pessoas que ganham até um salário mínimo, 52% concordam que “a maioria dos policiais é honesta”. Para quem ganha oito salários ou mais, o porcentual é de 50%.

Luciana, no entanto, lembra que nem Justiça nem polícia são bem avaliadas. “Se a polícia faz algo muito errado, isso reflete rapidamente na população, na confiança que se tem da polícia. No Judiciário, como as coisas são muito mais demoradas, esse erro demora mais, não tem reflexo imediato na confiança. Na minha opinião, acho que isso é o que conta.”

Impunidade. Para o aposentado Carlos Afonso Santos, de 87 anos, o impunidade faz com que as pessoas também passem a desafiar as leis. “Se não tem punição para dar exemplo e fiscalização a sensação para quem faz algo errado é de que nada vai acontecer”, afirmou Santos.




IMAGEM DA JUSTIÇA É PREJUDICADA PELA DEMORA






O Estado de S. Paulo 10 Novembro 2014 | 01h 30

Bruno Ribeiro, Rafael Italiani



Esta é a opinião do presidente da Associação dos Magistrados do Brasil

A falta de confiança no Poder Judiciário no Brasil está relacionada à morosidade da Justiça. Esta é a opinião do presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, João Ricardo Costa, sobre o resultado de levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas. “Se usamos outras pesquisas, que dividem o Judiciário, veremos os tribunais especiais e a Justiça Eleitoral sendo bem avaliados. No geral, a avaliação é ruim porque o serviço é muito moroso”, avalia.

Costa ressalta que as pessoas que buscam serviços judiciais costumam enfrentar essa demora – fato determinante para a consolidação de uma opinião negativa. “A corrupção, que ainda é um tema emergente por causa das eleições, não é frequente”, pondera o magistrado. “Há até relatórios do Fundo Monetário Internacional apontando para isso.”

Ele destaca ainda que a natureza do serviço deixa, por regra, metade dos atendidos desapontada. “Porque um ganha e outro perde. Mas isso é a natureza de um órgão de solução de litígios”, argumenta.

“Os números mostram que é preciso mudar, com urgência, a forma como a Justiça é feita no Brasil. É preciso que as pessoas entendam o Poder Judiciário como um serviço e, assim, passem a cobrar eficiência”, disse o professor da Fundação Getúlio Vargas Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Nacional de Segurança.

Burocracia e demora. A população endossa o descontentamento. “(Na Justiça) É sempre tudo muito complicado e demorado. Apelamos para uma coisa que vai demorar anos. Por isso, às vezes, desistimos de procurar a Justiça para evitar dor de cabeça”, afirma o designer Leonardo Costa, de 24 anos.

Ele acredita “ser fácil desobedecer as leis porque não há fiscalização das polícias”. O jovem é ciclista e sente no trânsito essa realidade. “No caso da bicicleta, há muito desrespeito”, exemplifica. “Eu ando pela ciclovia e os carros passam no sinal vermelho, na frente da polícia. Fazem isso porque não há nenhuma punição.”

A estudante de Direito Laura de Oliveira Zanardi afirma que confia na Justiça apesar de problemas do Judiciário que “deturpam a imagem” da lei. “A burocracia está em qualquer lugar, não é só o problema do Judiciário, mas da construção do Estado”, acredita.

Para ela, a burocracia propicia que as pessoas burlem a lei. “Quem fura a fila tem o mesmo pensamento de quem rouba dinheiro”, comenta.

Para o atendente Leonardo Santos Capenti, de 22 anos, a Justiça é menos rigorosa para os mais ricos. “Os pobres têm mais problemas porque costumam ficar mais tempo presos. Às vezes eles cometem o mesmo crime que alguém mais rico que ele, só que a pena, em vez de ser a mesma, é mais rigorosa”, afirma. “Quem tem poder aquisitivo e mais conhecimento paga fiança, responde processo em liberdade e ganha recursos.” Para ele, o Judiciário deveria tratar “todos de forma igual”.

domingo, 9 de novembro de 2014

JUIZ DEVE SER TRATADO COMO QUALQUER CIDADÃO, DIZ ASSOCIAÇÃO DE MAGISTRADOS DO RIO

O ESTADO DE S.PAULO, 07 novembro 2014 | 12:32

 
FAUSTO MACEDO

‘Juiz deve ser tratado como qualquer cidadão’, diz Associação de Magistrados do Rio. Em outubro, agente de trânsito foi condenada a indenizar juiz parado em blitz da Lei Seca

Por Julia Affonso



O presidente da Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), Rossidélio Lopes da Fonte, declarou que “o juiz, quando parado na Lei Seca, deve ser tratado como qualquer cidadão, respeitando o agente público”. Fonte comentou o caso da agente de trânsito Luciana Tamburini que foi condenada pela Justiça fluminense a indenizar um juiz parado em uma blitz da Lei Seca, na zona sul carioca. Para ele, é preciso que tanto juiz quanto servidor se respeitem.

“Em contrapartida, independentemente de autoridade ou qualquer pessoa, o agente (de trânsito) também deve tratá-lo com respeito”.



Rossidélio. Foto: Amaerj

Nesta semana, os holofotes recaíram sobre o juiz João Carlos de Souza Correa. Em fevereiro de 2011, a agente de trânsito trabalhava na Operação Lei Seca, quando parou o magistrado em uma blitz. O carro em que ele estava não tinha placas e documentos, e ele estava sem a carteira de motorista.

Na sentença, o desembargador José Carlos Paes, relator do caso no Tribunal de Justiça do Rio, afirma que a agente de trânsito agiu com abuso de poder ao abordar o juiz. Segundo ele, a servidora ofendeu o juiz, “mesmo ciente da relevância da função pública por ele desempenhada”. Ela teria dito que ele era “juiz, mas não Deus”.

Indignados com a decisão judicial, internautas criaram uma vaquinha online para arrecadar o valor da indenização da agente, que recebe cerca de R$ 3.7 mil. Em dois dias, a quantia passou de R$ 12 mil. Luciana vai recorrer da decisão. Se ganhar, promete doar a quantia toda para uma instituição de caridade. O juiz não quis se pronunciar sobre o caso.

“Conversei com ele na semana passada rapidamente, mas não falamos sobre o episódio”, disse Fonte.



Luciana Tamburini. Foto: Fábio Motta/Estadão

Segundo ela, após o episódio, o juiz foi ao Detran-RJ e entrou com um representação interna contra ela. Por causa disso, a agente foi à Justiça processá-lo por danos morais. Quem ganhou a causa, no entanto, foi o magistrado. Em 1ª instância, a Justiça decidiu que Luciana deveria pagar R$ 10 mil a ele. A agente de trânsito recorreu, e o resultado saiu no último dia 22 de outubro: ela deverá pagar R$ 5 mil.

“A repercussão de qualquer fato envolvendo magistrados acaba gerando uma repercussão que supera as dezenas de coisas boas que os juízes fazem o tempo todo em prol da sociedade. São 90 milhões de processos. Às vezes, o juiz é réu, é autor, é condenado. As coisas são assim”, afirmou o presidente da Associação de Magistrados do Estado do Rio.

JUIZ NÃO É DEUS

ZERO HORA 9 de novembro de 2014 | N° 17978. DIREITO



Caso da agente de trânsito condenada a indenizar um magistrado provoca indignação contra o vício bem brasileiro do “sabe com quem está falando?”


Flavia Penido


É uma piada conhecida no mundo jurídico: “Juiz acha que é Deus, Desembargador tem certeza e Ministro fala ‘Deus? Pfffff’”. Obviamente é uma generalização grosseira; tenho imensa admiração por vários magistrados e há votos e decisões de ministros do Supremo Tribunal que aplaudo de pé. No entanto, como em toda classe, há os juízes cônscios de seu dever e papel na sociedade, e há aqueles que acreditam que a toga lhes confere poderes especiais, ou que os coloca em posição superior aos outros cidadãos.

O fato de alguns cidadãos acharem-se superiores a outros não é algo restrito à classe dos juízes: nós vemos tal sentimento em toda sociedade e é um clássico de nosso país a famosa frase “você sabe com quem está falando?”, que denota o sentimento – e, por que não dizer, a certeza – de que pertencer a determinada classe social ou profissional torna a pessoa acima da lei e digna de privilégios desconhecidos dos “simples cidadãos”.

Tal sentimento é tão tacanho e antiquado que sequer podemos dizer que estamos diante de infração à Constituição Brasileira; o princípio da igualdade tal como o conhecemos hoje, base do Estado Moderno, remonta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, logo após a Queda da Bastilha na França, estopim da Revolução Francesa. Pelo visto, a sociedade brasileira está alguns anos atrasada...

Esta semana, a sociedade revoltou-se, de forma pacífica, contra mais um dentre tantos “você sabe com quem está falando?” que enfrentamos em nosso dia a dia: um juiz de Direito (pessoa que deveria, ao menos em tese, ser conhecedor da legislação brasileira vigente) obteve uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na qual uma agente de trânsito seria obrigada a pagar R$ 5 mil de multa em razão de tê-lo “ofendido”. A ofensa? Ter dito, ora vejam a ignomínia, que “juiz não é deus”.

Quando soube do fato através dos jornais, fiquei indignada. O caso feria o senso comum. Até sabemos que por vezes as autoridades podem ser arbitrárias para impor a lei, mas não parecia ser o caso, lendo a narrativa: a verdade é que um juiz de Direito, parado em uma blitz sem sua carteira de habilitação e com o carro sem placa, de imediato identifica-se como “autoridade”, em uma clara tentativa de intimidar, em razão de seu cargo, funcionários em trabalho. É importante deixar um ponto bem claro: em uma sociedade na qual todos são iguais, pouco importaria a profissão do cidadão parado; ele a proclamou justamente porque vivemos em um país onde essa prática é comum, assim como também é comum pessoas acharem-se acima da lei e detentoras de privilégios.

O exame dos autos comprova que, não contente em se identificar como juiz, este: a) não portava sua CNH e teve que solicitar a sua esposa para trazê-la; b) alegou desconhecer a lei de que não poderia andar com o carro sem placa por mais de 15 dias (eis aqui uma situação deveras curiosa, para dizer o mínimo); c) pretendia, acreditando merecer um tratamento diferenciado, que seu carro fosse levado a uma delegacia e não ao pátio de veículos apreendidos, como determina a legislação. Quanto à famosa frase “você é juiz mas não é deus”, esta teria surgido ante à exigência do juiz de levar seu carro a uma delegacia e não foi dirigida ao juiz, mas sim a um policial militar (segundo os autos do processo).

É kafkaniana a situação de uma funcionária presa por desacato simplesmente por não ter cedido às exigências de tratamento diferenciado. É absurdo o fato de uma funcionária ter contra si protocolada uma representação – na qual foi inocentada, diga-se – apenas por cumprir sua função. E mais absurdo ainda é receber uma decisão judicial afirmando que não só ela não foi ofendida, como teria ofendido o juiz de Direito.

Admiro a coragem da agente Luciana Tamburini por ter proposto ação pedindo indenização. Sabemos que não é fácil enfrentar autoridades, ainda mais autoridades que se julgam divinas ou dignas de tratamento especial. E, justamente por admirar-lhe a coragem, imagino a frustração e o sentimento de injustiça que tomaram conta dela ao saber do resultado das decisões.

Não cabe aqui criticar as decisões ou especificar as razões técnicas pelas quais elas mereceriam reparo; é outra frase corrente no meio jurídico que “decisão de juiz deve ser cumprida”. Mas podemos cumprir protestando.

Esta foi a ideia da vaquinha: o processo ainda não transitou em julgado (isto é, não houve um fim definitivo) mas, por várias razões, é difícil que seja revisto; e além da multa a ser paga, há aquele sentimento de injustiça que todos que tiveram conhecimento do caso sentiram. E todos sentiram porque, em maior ou menor grau, todos já estiveram no lugar de Luciana; todos já ouviram, ao menos uma vez na vida, o famoso e arrogante “você sabe com quem está falando?” e sentiram-se injustiçados ao ouvi-lo.

Talvez não seja possível alterar a decisão proferida pelos tribunais; mas é possível que a sociedade diga com todas as letras que está atenta e farta de pessoas que se julgam acima de outras; é possível que a sociedade diga que está mudando e se apropriando de seus direitos, e que nessa mudança, está dizendo um grande, enorme e sonoro não à prática da carteirada. A Luciana, meus agradecimentos.

Não acho, e quero deixar isso claro, que o Poder Judiciário deva se curvar à pressão da sociedade ao examinar e julgar um caso específico; no entanto, é importante que o Poder Judiciário também saiba que a sociedade está atenta às decisões proferidas e que em alguns casos, não é necessário ter conhecimento jurídico para se saber que estamos diante de uma injustiça. É importante que tenhamos magistrados conscientes do papel que devem ter na sociedade, e este papel não é somente analisar conflitos e fazer cumprir a lei, mas não praticar no dia a dia atos que violem princípios fundamentais básicos. E ao Tribunal que julgou o caso em 2ª instância, deixo a mensagem do grande jurista Piero Calamandrei, em Eles, os Juízes, Vistos por Nós, os Advogados (editora Pillares, 2013): “Justiça não quer dizer insensibilidade, que o juiz, para ser justo, nem por isso deve ser impiedoso. Justiça quer dizer compreensão, mas o caminho mais direto para compreender os homens é aproximar-se deles com o sentimento”.


 por Flavia Penido. Advogada formada pelo Largo São Francisco-USP, atua na área de direito digital e marketing. Organizadora da campanha para arrecadar os recursos para o pagamento da multa imposta à agente de trânsito Luciana Tamburini.

sábado, 8 de novembro de 2014

AUTORIDADE ABUSADA



FOLHA.COM 08/11/2014 02h00


EDITORIAL



O movimento de solidariedade foi rápido e decisivo. Em poucos dias, mais de R$ 14 mil se arrecadaram por meio das redes sociais para que a agente de trânsito Luciana Tamburini não pagasse do próprio bolso a indenização imposta pela Justiça do Rio de Janeiro.

Fora condenada, pelo mais alto tribunal de seu Estado, por um suposto abuso de autoridade. Em 2011, numa operação de fiscalização da Lei Seca, Tamburini teve a má sorte de surpreender, dentro de uma Land Rover sem placa e sem documentação, o magistrado João Carlos de Souza Corrêa.

Pela regulamentação em vigor, o veículo teria de ser rebocado. Souza Corrêa invocou sua eminente posição no Judiciário; Tamburini ponderou que "era juiz, mas não Deus". Sentindo-se insultado, o magistrado lhe deu voz de prisão.

Para recorrer ao clássico bordão analisado pelo antropólogo Roberto DaMatta, Tamburini não sabia com quem estava falando. Se soubesse, teria talvez conhecimento de outros episódios envolvendo aquele representante da Justiça.

De acordo com reportagem do jornal "O Globo", publicada em 2007, Souza Corrêa teria chamado a Polícia Federal para resolver uma pendenga com o comandante de um transatlântico de turismo.

O navio estava atracado em Búzios (RJ), e o magistrado julgara-se no direito de subir a bordo para fazer compras no "free shop". A conveniência, de uso exclusivo dos passageiros, tinha as portas cerradas; o juiz exigiu que as abrissem.

Diante da recusa do comandante, Souza Corrêa convocou a PF, não se sabe se para intimidar seu adversário ou se para organizar alguma busca e apreensão entre as mercadorias do "free shop".

Ironicamente, é a agente de trânsito, e não Souza Corrêa, quem termina condenada por abuso de autoridade. Numa decisão tomada já em segunda instância, a Justiça fluminense ratificou o entendimento de que Luciana Tamburini ofendeu a função que o magistrado "representa para a sociedade".

Caberá ao Conselho Nacional de Justiça reexaminar os fatos. Seja qual for o desfecho do caso, dele ressalta o contraste entre dois modelos de organização social.

Um, arcaico, em que a aplicação das leis varia segundo o status de quem nelas se vê enredado; e outro, em que todo cidadão é tratado igualmente, em seus direitos e deveres, pelo Estado.

Menos mal que, aos poucos, cresça a condenação aos hábitos do "você sabe quem está falando?", assim como o empenho de pessoas capazes de enfrentá-los com o devido desassombro.

PADRÕES DE JUSTIÇA



FOLHA.COM 08/11/2014 03h00


Luís Francisco Carvalho Filho



Em entrevista à Folha, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), relacionou a decisão da Justiça italiana de negar a extradição de Henrique Pizzolato ao caso "vexaminoso" de Cesare Battisti.

Pode ser troco. O Estado brasileiro reconheceu em Battisti a condição de perseguido político, vítima de julgamento injusto na Itália, um país democrático. Agora, a Itália declara a desumanidade do sistema penitenciário do Brasil, um país democrático, afirmando que a entrega de Pizzolato poderia expô-lo a tratamento degradante.

O precedente é incômodo: expõe ao mundo uma das marcas da barbárie brasileira -apesar dos esforços oficiais para garantir que Pizzolato, diferentemente dos presos em geral, seria bem tratado. Se a moda pega, o Brasil terá dificuldades para alcançar criminosos refugiados no exterior.

Não há prisões humanitárias. A degradação moral é inerente ao encarceramento. Dostoiévski trata disso em "Recordações da Casa dos Mortos". É como escravidão: "bem tratado" ou submetido ao pelourinho, o escravo será sempre escravo.

"Bem tratado" ou submetido a graves violações na sua integridade física e psíquica, o preso estará sujeito a um regime de vida invariavelmente embrutecido e corrupto. É assim em qualquer lugar, inclusive em países ricos, como Estados Unidos, Alemanha, Japão e Itália.

Se a pena de prisão surgiu como sinal de progresso humanitário, hoje não há controvérsias. É uma máquina de triturar pessoas. Não regenera ninguém. Por isso, diante da "impossibilidade" de se eliminar a prisão do horizonte punitivo, cada vez mais se buscam soluções alternativas para condenados que, fora do cárcere, não representariam perigo concreto para a sociedade. É inútil manter atrás das grades quem lá não precisa estar.

Além de maus-tratos, superlotação, tortura silenciosa, motins e decapitações, um dos motivos do mal-estar prisional brasileiro é a negação sistemática de direitos.

As varas das execuções criminais não funcionam. Em parte, pela falta de meios para gerenciamento eficiente de um sistema que abriga mais de meio milhão de pessoas, o que se agrava pelo deficit de defensores. Em parte, também pela omissão de juízes e promotores, que atuam como se fossem agentes da segurança pública, retardando ou negando aquilo que a lei estabelece.

Como exigir respeito à lei por parte de quem a transgrediu no passado se autoridades que decidem seu futuro também a desrespeitam?

É comum a espera de mais de ano por decisão singela de progressão de regime (do fechado para o semiaberto, do semiaberto para o aberto).

José Dirceu obteve o direito de progredir para o regime aberto (prisão domiciliar) e a decisão do ministro Barroso, do STF, saiu apenas nove dias depois do pedido: o processo ainda tramitou pela Procuradoria da República, que rapidamente concordou com o benefício. Não é o padrão de tempo da Justiça brasileira, nem mesmo do STF, espraiando-se um sentimento de impunidade e privilégio.

Dirceu deveria ser tratado como são tratados os presos? Ou, ao contrário, os presos deveriam ser tratados como os réus do mensalão em matéria de execução penal?

Que esse padrão de Justiça se irradie pelo país. Seria um bom começo.




Luís Francisco Carvalho Filho, 56, é advogado criminal. Formado pela Faculdade de Direito da USP. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95 (2001 - 2004) e diretor da Biblioteca Mário de Andrade (2005-2008). Articulista da Folha, escreve para o jornal desde 1985.

PROTESTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CONTRA O AUXÍLIO-MORADIA PARA JUÍZES

ZERO HORA 07/11/2014 | 22h46

Servidores públicos fazem protesto contra auxílio-moradia para juízes. Manifestantes questionam contradição entre situação atual dos funcionários e o pagamento de mais essa vantagem para juízes e desembargadores


Foto: Jener Gomes / Divulgação


Com faixas, cartazes e carro de som, centenas de servidores públicos caminharam pelo centro de Porto Alegre, nesta sexta-feira, em protesto contra o pagamento de auxílio-moradia concedido a juízes e promotores de R$ 4.377,73 por mês.

Encabeçado pelo Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (SindiJus), segundo os organizadores, o manifesto contou com presença de mais de 500 pessoas, na maioria servidores públicos de categorias como Ministério Público (MP), Saúde, Tribunal de Contas do Estado (TCE), Procuradoria-Geral do Estado (TGE), magistério, entre outras.

— Queremos chamar atenção para a contradição para a nossa realidade, com histórico de mau pagamento, sem plano de carreira, com mais de dois mil cargos vagos, fora o sucateamento e a desvalorização dos servidores — justifica o diretor de imprensa e divulgação do SindiJus, Fabiano Zalazar.

— Nunca tem dinheiro para as demandas dos servidores, mas para esse auxílio tem? Sem contar na legalidade do pagamento, que a gente questiona — concluiu Zalazar.

Os manifestantes saíram em torno das 17h do Largo Glênio Peres e foram até a sede do Tribunal de Justiça, na Avenida Borges de Medeiros. O protesto durou cerca de 1h30min.


ZERO HORA 07/11/2014 | 05h42


Rosane de Oliveira: auxílio-moradia em dose dupla

Colunista é a titular da Política+


A crise das finanças do Estado, que não permite ao governo pagar o piso de R$ 1.697 ao magistério, passa longe do Judiciário e do Ministério Público, que já começaram a pagar R$ 4.377,73 de auxílio-moradia a juízes, desembargadores, promotores e procuradores. Sobre esse valor, que supera o contracheque da maioria dos professores, não incide Imposto de Renda, embora até o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador José Aquino Flôres de Camargo, tenha admitido que se trata de uma forma disfarçada de reposição salarial.

Quem entrar no site do Ministério Público para conferir detalhes da folha de outubro vai levar um susto: além do auxílio de R$ 4.377,73, que na descrição aparece como “indenização”, a maioria dos procuradores recebe em torno de R$ 15 mil na coluna das “remunerações eventuais”, também sem incidência de Imposto de Renda. Esse pagamento é referente a uma certa “Parcela Autônoma de Equivalência”, conhecida como PAE, que nada mais é do que um auxílio-moradia retroativo para quem já estava no MP e no Judiciário entre 1994 e 1998. Quem já tem tempo para a aposentadoria e ainda não se aposentou recebe mais um valor, superior a R$ 3 mil, a título de “abono de permanência”. Como o básico de um procurador é de R$ 26.589,68, chega-se a contracheques em valor bruto superior a R$ 50 mil e líquido na casa dos R$ 40 mil. No Tribunal de Justiça, os contracheques são menores porque a “PAE” começou a ser paga antes do MP.

O Tribunal de Contas do Estado e o MP de Contas ainda não pagam, mas vão pagar, por isonomia, o auxílio-moradia de R$ 4.377,73, a conselheiros, auditores substitutos de conselheiros e procuradores. Só não receberá quem abrir mão, como fez o conselheiro Estilac Xavier, que considera o benefício ilegítimo e questiona sua legalidade, já que está sendo pago com base em uma liminar do ministro Luiz Fux e ainda aguarda julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Estilac fez as contas e concluiu que, sem calcular as correções futuras, o auxílio-moradia lhe renderia R$ 577 mil até o dia em que atingir os 70 anos e cair na aposentadoria compulsória.

A Defensoria Pública ainda não paga, mas como os defensores públicos da União conquistaram esse direito, a pressão será inevitável nos próximos meses.

JUIZ NÃO É DEUS



REVISTA ÉPOCA 07/11/2014 21h08

O juiz dirigia sem habilitação. Foi multado, estrilou e quis prender a fiscal. Quem ele pensa que é?

RUTH DE AQUINO



Todo juiz que se sente ofendido ao ouvir que “não é Deus” deveria buscar uma terapia para curar a onipotência. Juízes têm a função de julgar, mas estão muito longe de ter a prerrogativa do juízo divino. Não estão acima do bem e do mal.

Por conhecer a fundo as leis, juízes não têm desculpa para violar ou desrespeitar o Código Civil. Espera-se dos juízes, mais que dos leigos, um comportamento ajuizado – é só observar a raiz do adjetivo. Juízes podem, todavia, errar. São humanos, não são deuses.

O juiz João Carlos de Souza Correa abusa do direito de errar. Em fevereiro de 2011, no Leblon, bairro nobre da Zona Sul do Rio de Janeiro, ele foi parado numa blitz da Operação Lei Seca. A fiscal de trânsito Luciana Tamburini, de 34 anos, verificou que ele não estava com sua carteira de habilitação e que seu carro, um Land Rover, não tinha placas nem documentos. Mandou rebocar o carro – cumprir a lei.

Em vez de se resignar por ter sido flagrado em delito, João Carlos não gostou. Identificou-se como juiz de Direito. “Ele queria que um tenente me desse voz de prisão”, disse Luciana. “O tenente se recusou, e o juiz ligou para uma viatura. Os PMs tentaram me algemar e disseram que o juiz queria que eu fosse para a delegacia. Respondi que ele queria, mas não era Deus.”

Informado pelos PMs do que Luciana dissera, João Carlos começou a gritar e lhe deu voz de prisão. Chamou-a de “abusada”. Luciana confirma que são comuns as “carteiradas” de poderosos, do tipo “você sabe com quem está falando?”, mas é raro o infrator se descontrolar a esse ponto.

Ela abriu uma ação contra João Carlos por danos morais depois de sofrer, no Detran, uma sindicância interna, sob pressão dele e de sua mulher, para apurar seu procedimento na blitz. O desfecho na Justiça é uma ode ao corporativismo. O desembargador José Carlos Paes inverteu a ação e condenou Luciana a pagar R$ 5 mil de danos morais a João Carlos, por ter ofendido o réu e “a função que ele representa para a sociedade”. A sentença, datada do último 22 de outubro, é surreal. Vale ler um trecho:

“A autora, ao abordar o réu e verificar que o mesmo (sic) conduzia veículo desprovido de placas identificadoras e sem portar sua carteira de habilitação, agiu com abuso de poder, ofendendo este, mesmo ciente da relevância da função pública por ele desempenhada. Ao apregoar que o demandado era ‘juiz, mas não Deus’, a agente de trânsito zombou do cargo por ele ocupado. (...) Pretendia afrontar e enfrentar o magistrado que retornava de um plantão judiciário noturno”.

Você ficou com pena de João Carlos? O que esperamos nós ao encarar uma blitz sem carteira de motorista, sem placa e sem documento? O embate com João Carlos assustou a mãe de Luciana, que nem queria mais deixá-la sozinha em casa. “Quando a gente faz o que é certo, não tem por que ter medo”, disse Luciana. O caso deverá ir agora para o Superior Tribunal de Justiça. “Vou até o final, não me arrependo de nada.”

O juiz João Carlos não é estreante em confusões. Em 2007, como titular em Búzios, no litoral norte do Rio, tentou forçar um transatlântico com turistas a abrir para ele as lojas do free shop. Deu voz de prisão a uma jornalista, Elisabeth Prata, por calúnia e difamação. Ela passou 12 horas detida, foi condenada a cinco anos de cadeia e teve de provar sua inocência. Em 2010, João Carlos foi investigado pelo Conselho Nacional de Justiça por decisões duvidosas que envolviam disputas fundiárias e imobiliárias na Região dos Lagos. Parece que ele pensa mesmo ser Deus.

Nas redes sociais, a história de Luciana deslanchou uma onda de solidariedade. Uma advogada paulista, Flavia Penido, leu os autos do processo, ficou indignada com “o show de horrores” e, mesmo sem conhecer Luciana, abriu uma vaquinha virtual para arrecadar o valor da multa e dar a ela apoio emocional. “A gente deveria brigar menos nas redes sociais por besteira e canalizar essa energia para atazanar quem realmente merece ser atazanado”, disse Flavia. Até a sexta-feira, já haviam sido coletados mais de R$ 20 mil. Luciana ficou surpresa e feliz. Disse que doará o excedente. Contou que seu maior desejo é ganhar a ação, sem precisar tocar no dinheiro arrecadado. Hoje licenciada da função, Luciana aguarda nomeação na Polícia Federal. Quer ser delegada.

Será que João Carlos sabe com quem está lidando? Com a opinião pública.

O Brasil convive com muitas arbitrariedades cotidianas. Cansa. É uma vida às avessas, que embaralha os conceitos, beneficia os espertos e prejudica os honestos. Para ser excelentíssimo, é preciso impor respeito pela integridade. Para mudar o país, não basta rezar. Um bom começo é saber que ninguém aqui é Deus. Nem o senhor doutor João Carlos de Souza Correa. Amém.